RELATÓRIO
ANUAL 2000
RELATORIO Nº 35/01* CASO
11.634 JAILTON
NERI DA FONSECA BRASIL 20
de fevereiro de 2001 I.
RESUMO 1.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante
denominada “Comissão“ ou “CIDH”) recebeu em 7 de dezembro de 1995,
durante a sua visita ao Brasil,
uma denúncia do Centro de Defesa Dom Luciano Mendes da Associação
Beneficiente São Martinho (doravante denominado “Peticionário”)
contra a República Federativa do Brasil (doravante denominada
“Estado” ou “Estado Brasileiro ”ou “Brasil”) pela suposta
execução extrajudicial do menor Jailton Neri Fonseca (doravante
denominada “Vítima”) por policiais militares do Estado do Rio de
Janeiro durante uma operação policial na favela Ramos.
Da denúncia se pode inferir fatos que de comprovados
verdadeiros constituiriam violações dos artigos 4 (direito a vida),
garantias judiciais (artigo 8), direitos da criança (artigo 19) e
proteção judicial (artigo 25) da Convenção Interamericana de
Direitos Humanos (doravante denominada “Convenção Americana” ou
“Convenção”). 2.
O Estado Brasileiro informou sobre o trâmite dos recursos
internos, incluindo a fase de investigações e a sentença proferida
pela Justiça Militar do Estado do Rio de Janeiro. 3.
Ao analisar as alegações das partes, a Comissão decidiu
declarar o caso admissível. II. TRÂMITE
PERANTE A COMISSÃO 4. Em março de 1996 a Comissão solicitou o peticionário que completasse a denúncia com informação adicional, de acordo com os artigos 33 do Regulamento da CIDH. O peticionário aportou a informação requerida em 19 de abril de 1996, inclusive cópia da sentença expedida pela Justiça Militar em 12 de março de 1996. Em 14 de junho de 1996, a Comissão requisitou informação ao Estado, o qual solicitou prorrogação do prazo para contestar por duas vezes, em 18 de setembro de 1996 e em 26 de novembro de 1996. Diante da ausência de informações, em 7 de julho de 1998 a CIDH solicitou novamente que o Estado Brasileiro proporcionasse a informação anteriormente solicitada e informou-lhe sobre a possibilidade de aplicação do artigo 42 do regulamento da Comissão. O Estado encaminhou a informação em 17 de agosto de 1998, cuja cópia foi remetida à peticionária em 25 de setembro de 1998. O peticionário não apresentou suas observações finais. III. POSIÇÃO
DAS PARTES a.
Posição do peticionário 5.
O peticionário alega que o menor Jailton Neri da Fonseca, de
treze anos, foi morto por policiais militares durante uma incursão da
polícia na favela Ramos na cidade do Rio de Janeiro em 22 de dezembro
de 1992. 6.
Adicionalmente, o peticionário assinala que o menor Jailton
havia sido detido dias antes de sua morte pelos policiais encarregados
do policiamento da favela Ramos, e que sua mãe foi obrigada a pagar
`a época do delito Cr$ 1.500.000 milhão (um milhão e meio de
cruzeiros) aos policias para libertar Jailton, constituindo portanto
crime de extorsão. 7.
O peticionário informa que foi aberto inquérito policial n.
601 em 23 de dezembro de 1992 e denunciados quatro policiais pelo
Ministério Público nos autos do
processo 9630/95. Acrescenta o peticionário que o Conselho Permanente
de Justiça Militar proferiu, em 12 de março de 1996, sentença
absolutória em que se aplicou o princípio in
dubio pro reu em favor dos policiais acusados, tendo em vista a dúvida
quanto a autoria do crime e a impossibilidade de produção de novas
provas. 8.
O peticionário não esclareceu se houve ou não a interposição
de apelação contra a sentença absolutória, mas informa que os
recursos internos foram esgotados frente ao trânsito em julgado da
sentença, o que impede a apresentação de recurso judicial. 9.
Acrescenta o peticionário que a polícia militar tem por prática
comum intimidar as testemunhas para impedi-las de depor contra
policiais, o que garante a impunidade das violações. B.
Posição do Estado 10.
O Estado contestou às alegações feitas pelo peticionário,
informando que: “Segundo
informações do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, o
então adolescente Jailton Neri da Fonseca foi assassinado
por ocasião de uma operação executada pela polícia militar
desse Estado para reprimir o tráfico ilegal de entorpecentes e
prender traficantes que se refugiavam na Favela Ramos”. O Estado
acrescenta que “Evidentemente
a esmagadora maioria dos habitantes das favelas não são pessoas
criminosas ou colaboradores de traficantes. Mas é inegável que a
maioria das pessoas utilizadas nas atividades de tráfico ilegal de
entorpecentes, no Rio de Janeiro são procedentes dessas favelas. Um número
expressivo é recrutado dentre os menores de preferência adolescentes,
sobretudo porque são penalmente inimputáveis.” 11.
O Estado informou que foi instaurado processo criminal nº
9630/95 junto a auditoria militar do Rio de Janeiro tendo em vista a
competência da Justiça Militar nos casos de homicídio envolvendo
policiais militares, e que a instrução criminal permite a aplicação
do princípio do contraditório e da ampla defesa. O Estado
acrescentou que o Conselho Permanente da Justiça Militar decidiu, em
12 de março de 1996, por unanimidade, absolver os policiais militares
acusados de homicídio de Jailton Neri da Fonseca e da extorsão que
teria sido praticada contra a mãe da vítima. O Estado assinalou que
a sentença transitou em julgado, o que significa que se tornou
definitiva, não sendo possível qualquer tipo de recurso jurídico. 12.
Por fim, o Estado informou que quanto as indenizações por
atos ilegais dos agentes públicos, o ordenamento jurídico brasileiro
não autoriza ao Estado tomar a iniciativa nesse sentido, sendo necessário
que haja uma provocação judicial ou legislativa diretamente
relacionada às vítimas ou seus familiares, e que no caso em que as
ilegalidades forem criminosas, é necessária a existência de condenação
dos responsáveis. Acrescentou que em relação ao caso em particular,
a ação de indenização foi interposta em nome da vítima e dos
familiares na Justiça Civil do estado do Rio de Janeiro, mas que
estas dependiam no processo instaurado no âmbito da Justiça Criminal
do mesmo estado. IV.
ANÁLISE DE ADMISSIBILIDADE A.
Competência ratione materiae, personae, temporis e loci 13.
A Comissão tem competência ratione
personae para examinar a denúncia porque a petição assinala
como alegada vítima um indivíduo, para o qual o Estado Brasileiro se
comprometeu a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção.
Os fatos alegados estão
vinculados à atuação de agentes do estado do Rio de Janeiro, e de
acordo com o artigo 28 da Convenção, quando se trata de um estado
federativo como é o caso do Brasil, o governo nacional do mencionado
Estado responde na esfera internacional por atos cometidos por agentes
dos estados-membros da federação. 14.
A Comissão tem competência ratione materiae
por tratar-se de alegações sobre a violação de direitos
reconhecidos na Convenção, a saber: direito à vida (artigo 4), garantias judiciais (artigo
8), direito da criança (artigo 19) e proteção judicial (artigo 25). 15.
A Comissão tem competência ratione
temporis tendo em vista que os fatos alegados datam de 22 de
dezembro de 1992, quando a obrigação de respeitar e garantir os
direitos estabelecidos na Convenção encontravam-se em vigor para o
Estado Brasileiro, que a ratificou em 25 de setembro de 1992. 16.
A Comissão tem competência
ratione loci porque
os fatos ocorreram na cidade do Rio de Janeiro, território da República
Federativa do Brasil, Estado que ratificou a Convenção Americana. B.
Requisitos de admissibilidade da petição 17.
De acordo com o artigo 46 da Convenção Americana, para que
uma petição ou comunicação seja admitida pela Comissão, é necessário: a)
que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição
interna, de acordo com os princípios de direito internacional
geralmente reconhecidos; b) que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data
em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado
da decisão definitiva; c) que a matéria da petição ou comunicação não esteja pendente de
outro processo de solução internacional 18.
A Comissão passa a analisar cada um dos requisitos supra
mencionados. 1.
Esgotamento dos recursos internos 19.
No caso sob análise, a Comissão constata, de acordo com a
informação submetida pelas partes, que a única investigação
existente se refere àquela levado a cabo pela Justiça Militar[1].
A Comissão tem reiterado que o julgamento de violações de direitos
humanos no foro militar não constitui um recurso idôneo, motivo pelo
qual o peticionário não está obrigado a esgotá-lo. Adicionalmente,
a Comissão considera que foram esgotados os recursos da jurisdição
interna com o trânsito em julgado da sentença proferida
pelo Conselho Permanente da Justiça Militar em 12 de março de
1996. 2.
Prazo para apresentação da petição 20.
A aplicação da exceção do esgotamento dos recursos internos
implica por conseguinte na aplicabilidade do requisito de seis meses
para a apresentação da petição, de conformidade com o disposto no
artigo 46(2) da Convenção. A
Comissão considera que a petição foi apresentada em um prazo razoável.
Adicionalmente, a Comissão considera que a petição foi completada e
tornou-se perfeita quando o peticionário apresentou a informação
adicional solicitada pela Comissão de forma oportuna, isto é, apenas
um mês depois do advento da sentença expedida em 12 de março de
1996. 3.
Litispendência ou coisa julgada material 21.
A Comissão não tem conhecimento de que a matéria da petição
encontra-se pendente de em outra instância internacional, nem que a
mesma reproduza uma petição examinada por este ou outro órgão
internacional. Portanto, a Comissão decide que os requisitos dos
artigos 46 (1) (c) e 47 (d) estão satisfeitos. 4.
Caracterização dos fatos 22.
Se provados verdadeiros, os fatos alegados pelo peticionário
podem caracterizar violações de direitos amparados pela Convenção
Americana. IV. CONCLUSÕES
23.
A Comissão conclui que é competente para considerar o
presente caso e que a petição atende às exigências de
admissibilidade estabelecidas pelos artigos 46 e 47 da Convenção
Americana.
24.
Com fundamento nos argumentos de fato e de direito
anteriormente expostos, e sem prejudicar o mérito da questão,
A COMISSÃO
INTER-AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS DECIDE:
1.
Declarar o caso admissível no que se refere aos fatos
denunciados que, se comprovados verdadeiros, constituem violações
dos artigos 4, 8, 19 e 25 da Convenção Americana.
2.
Notificar o Estado Brasileiro e os peticionários desta decisão.
3.
Continuar com a análise de mérito do caso.
4.
Publicar esta decisão e inclui-la no Informe Anual da CIDH
dirigido à Assembléia Geral da OEA. (Assinado): Presidente; Claudio Grossman, Primer Vicepresidente; Juan Méndez, Segundo- Vicepresidente; Marta Altolaguirre, Comissionados: Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo e Peter Laurie.
*
O membro da Comissão Hélio Bicudo, de nacionalidade
brasileira, não participou do debate nem da adopción deste caso em
cumprimento ao artigo 19(2)(a) do Regulamento da Comissão.
[1]
CIDH, Relatório sobre a situação de direitos humanos
no Brasil, 1997, Capítulo III, par. 77 a 79; CIDH, Relatório Anual
1999, Relatório n.34/00, Caso 11.291- Carandirú (Brasil), par. 80.
No mesmo sentido, ver
CIDH, Relatório Anual 1999, Relatório 7/00, caso 10.337 (Colômbia);
par.53 a 58; CIDH, Terceiro Informe sobre a situação de direitos
humanos na Colômbia (1999),pag.175.
|