RELATÓRIO Nº 21/02

INADMISSIBILIDADE

PETIÇÃO 12.109

BESSY MARGARITA MARTÍNEZ ÁLVAREZ

E BLANCA ROSA  SÁNCHEZ RODRÍGUEZ

HONDURAS

27 de fevereiro de 2002

 

 

I.        RESUMO

 

1.       Em 3 de setembro de 1998, o senhor Gonzalo Rafael Chávez (doravante denominada “o peticionário”), em representação de María Cristina Álvarez Lanza e Ramona Martínez apresentou uma comunicação à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada a “Comissão” ou a “CIDH”) na qual alega que a República de Honduras (doravante denominada “Honduras”, “o Estado ” ou o “Estado hondurenho”) violou os artigos 4 (direito à vida) e 8 (garantias judiciais) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção”) em conjunção com a obrigação genérica do Estado de respeitar e garantir os acima citados direitos, estabelecida no artigo 1(1) do mencionado instrumento, em detrimento de Bessy Margarita Martínez Álvarez e Blanca Rosa Sánchez Rodríguez.

 

          2.       O Estado hondurenho alegou que a petição era manifestadamente infundada, sendo evidente sua total improcedência, razão pela qual solicitou que a Comissão a declarasse inadmissível em aplicação do artigo 47(b) e (c) da  Convenção.

 

3.       Em  27 de fevereiro de 2002, a CIDH decidiu que a petição era inadmissível de acordo com o estabelecido no artigo 47(b) e (c) da Convenção Americana. A Comissão decidiu, igualmente, notificar esta determinação as partes, publicá-la e inclui-la em seu Relatório Anual à Assembléia Geral da  OEA.

 

II.       TRAMITE PERANTE A COMISSÃO

 

4.       A petição foi apresentada a CIDH em 3 de setembro de 1998. Em 25 de janeiro de 1999 o peticionário remeteu cópias das peças processuais. Em 1° de março de 1999 a Comissão decidiu dar início ao trâmite da petição sob o número 12.109 e transmitiu as partes pertinentes da  denúncia ao Estado hondurenho solicitando-lhe responder dentro de um prazo de 90 dias. O Estado respondeu em 1° de junho de 1999 (ofício datado de 21 de maio de 1999). Entre junho de 1999 e junho de 2001, ambas partes remeteram a CIDH maior informação com comentários e observações.

 

III.      POSIÇÃO DAS  PARTES

 

A.      Posição do Peticionário

 

5.       O peticionário assinalou em sua comunicação inicial[1] que em 12 de dezembro  de 1988 os vizinhos da colônia Divanna de Comayaguela, Município do Distrito Central, enviaram uma nota ao Gerente do Serviço Nacional de Aquedutos e Esgotos (SANAA), instituição estatal descentralizada, na qual lhe comunicaram o mal estado de uma das paredes de propriedade desta entidade conhecida como  “Área de filtros do SANNA”, solicitando-lhe sua reparação a fim de evitar a perda de vidas humanas e materiais.[2]

         

6.       Em 14 de outubro de 1991, aproximadamente as 14:55, o muro da propriedade desabou matando  Bessy Margarita Martínez Alvarez, grávida de 20 semanas, e Blanca Rosa Sánchez Rodríguez, as quais circulavam na área. A filha de dois anos da  senhora Martinez, Mayra Alejandra Izaguirre Martínez, sofreu fratura de um dos braços. [3]

 

7.       Depois do acidente, a mãe e a filha de Bessy Margarita Martínez Alvarez, assim como a mãe de Blanca Rosa Sánchez Rodríguez, nomearam o advogado Enrique Flores Lanza como representante legal para reclamar uma indenização contra a SANAA. Em 18 de dezembro de 1991,[4] o representante apresentou à empresa uma comunicação na qual solicitava “Pagamento de Indenização causado por Morte”. Esta comunicação foi enviada ao  Gabinete Jurídico da  instituição, o qual, segundo o peticionário, não emitiu nenhuma resolução. Em 8 de janeiro de 1992, o mesmo representante enviou uma nova comunicação à  SANAA solicitando, em favor de seus mandantes, “Quantia de Auxílio devido à Morte” pelo montante de $16,800.00 lempiras, alegando que

 

[E]m virtude das gestões iniciadas perante a SANAA para o pagamento de uma indenização causada pela morte de uma das reclamantes, o advogado do SANNA nos notificou da decisão da Junta Diretiva, no  sentido de que, embora é certo, que o SANAA não reconhece nenhuma responsabilidade deste nas mortes relacionadas, a empresa está disposta a pagar as beneficiárias uma certa quantia por conceito de auxílio devido a morte, por razões humanitárias…

 

8.       O peticionário indicou que, em resposta a esse ofício,  o SANAA não emitiu nenhuma resolução, embora a empresa tenha efetuado o pagamento de $ 16.800.00 lempiras que, segundo o peticionário, correspondia justamente à solicitação de auxílio devido a morte. Todavia, como manifesta o denunciante, no voucher dos  cheques cobrados por suas representadas aparece a legenda “por conceito de cancelamento do pagamento de indenização por morte de pessoas que faleceram no desabamento do muro do SANAA…” e legenda similar aparece no memorando que ordenou a emissão dos cheques. O peticionário enfatizou, porém, que a comunicação que originou a emissão dos cheques era aquela na qual se pediu a quantia de auxílio causado por morte e a indenização por morte, razão pela qual esta última ainda estava pendente de pagamento.

 

9.       O peticionário assinalou ter esgotado, sem êxito, os recursos administrativos perante o SANAA pois a empresa negou-se a cancelar a indenização por morte das pessoas que faleceram no desabamento do muro.[5] Também informou que suas mandantes recorreram à  via judicial interpondo uma demanda contenciosa administrativa, a qual foi resolvida a seu favor em primeira instância, que ordenou a empresa a pagar uma indenização por morte da senhora Bessy Margarita Martínez Álvarez e da jovem Blanca Rosa Sánchez Rodríguez. O SANAA apelou dessa decisão e a Corte de Apelações do Contencioso Administrativo da  Cidade de Tegucigalpa admitiu o recurso e anulou a sentença do juiz de letras de primeira instância, livrando de toda responsabilidade a empresa. Em face desta decisão, o peticionário apresentou um recurso de cassação à Corte Suprema de Justiça, a qual o admitiu, mas não acolheu a  pretensão de indenização das  reclamantes.

 

10.     O peticionário assinalou que a maneira que procederam as jurisdições contenciosa administrativa e ordinária de Honduras constitui uma violação ao artigo 8(1) da  Convenção. Segundo o denunciante, a Corte de Apelações fundamentou sua decisão de revogar a sentença de primeira instância proferida pelo Juiz de Letras numa impugnação de pagamento interposta tardiamente pelo SANAA perante o mencionado juez. Na opinião do  peticionário, esta impugnação deveria ter sido formulada na primeira oportunidade da  parte demandada, ou seja, no memorial em que esta opôs uma impugnação pela falta de legitimidade ativa da  parte demandante. Quando a parte demandada interpôs a impugnação de pagamento de forma extemporânea, o Juiz de Letras atuou apegado à legalidade e não deu andamento ao processo nem pronunciou-se a respeito.  Entretanto, o tribunal de apelação tomou em consideração a impugnação interposta pela parte demandada e com base nela revogou a sentença apelada e eximiu de responsabilidade a SANAA ao considerar que esta já havia cumprido com o pagamento de indenização e que, portanto, sua obrigação de reparar se havia extinguido. Segundo o peticionário, o tribunal de apelação não tinha competência para conhecer da impugnação de pagamento que, se interposta no prazo correto,  deveria ser da competência unica do juiz de primeira instância. O peticionário indica que a Corte Suprema de Justiça, porque não reverteu a decisão de segunda instância, incorreu na violação do artigo 8 da  Convenção além de violar o artigo 5 do mesmo instrumento por denegar justiça e não indenizar as reclamantes pela morte arbitrária de seus familiares.

 

B.      Posição do Estado

             

11.     O  Estado alegou[6] que a parte denunciante tinha esgotado todos os recursos disponíveis na legislação hondurenha. Também assinalou que em 18 de dezembro de 1991 foi apresentada uma comunicação ao SANAA entitulada “Se Solicita Pagamento de Indenização  por Morte”, a qual não foi mencionada pela  parte demandante no  memorial interposto perante a jurisdição contenciosa administrativa em 5 de setembro de 1995. O Estado também se refiriu a comunicação apresentada ao SANAA pelo representante legal das reclamantes entitulado “Se Solicita seja fixada Quantia de Auxílio Por Morte”, na qual foi pedida a soma $ 15.000.00 lempiras por conceito de auxílio por morte, em aplicação extensiva da cláusula 58 do contrato coletivo entre a empresa e seus operários, e $1.800.00 lempiras por conceito de gastos com funerária fazendo um total de $ 16.800.00 lempiras.

 

12.     O Estado informou também que em 20 de janeiro de 1992, mediante o memorando AL-018-92, a empresa ordenou o pagamento às mães reclamantes de $ 16.800.00 lempiras por conceito de “pagamento de indenização por morte de pessoas que faleceram no desabamento do muro de SANAA na Colônia Divanna”. Essa ordem foi efetivada através dos  cheques No. 032862 e 032863, datados de 24 de janeiro de 1992, retirados a satisfação por cada uma das demandantes, como constatam as assinaturas nos respectivos comprovantes de pagamento.[7]

 

13.     O Estado alegou no processo contencioso administrativo instaurado pelas reclamantes que elas eram as mesmas pessoas que haviam reclamado perante SANAA e recebido devidamente os cheques no montante de $ 16.800.00 lempiras, o que fez com que o Estado interpusesse, a tempo de contestar a demanda, a impugnação de pagamento prevista no  Código Civil hondurenho.[8]

 

14.     O Estado também assinala que na decisão de primeira instância, o Juiz de Letras reconheceu em favor das  demandantes María Cristina Álvarez e Ramona Martínez o direito a perceber indenização de SANAA pela  morte de suas filhas. Esta mesma sentença condenou a empresa ao pagamento de danos sofridos na  quantia a ser determinada por relatórios de peritos na etapa de execução da sentença.

 

15.     Em face da apelação interposta por SANAA contra a sentença de primeira instância, a Corte de Apelações, em seu acórdão de 7 de fevereiro de 1997, e fazendo referência ao artigo 1421 do Código Civil, invocado pelo  Estado perante o Juiz de Letras e o  tribunal de segunda instância, determinou que “as obrigações se extinguem com o pagamento ou cumprimento”. Portanto, a Corte de Apelações decidiu admitir o recurso de apelação, revogar, em consequência, a sentença de primeira instância e absolver a empresa SANAA de toda e qualquer responsabilidade.

 

16.     A sentença de segunda instância foi recorrida através de recurso de revogação pelas reclamantes. A Corte Suprema entendeu  que não se havia cometido a infração de lei invocada pela  parte recorrente e, portanto, decidiu declarar “improcedente o recurso de revogação”, mandando  devolver os autos ao tribunal de sua segunda instância.[9]

 

17.     Em sua comunicação inicial e subsequentes que dirigiu a CIDH, o Estado refutou o argumento de ter violado o artigo 4 da  Convenção, visto que nenhuma das   entidades denunciadas na  petição, ou seja a SANAA, a Corte de Apelações do Contencioso Administrativo e a Corte Suprema de Justiça, haviam privado arbitrariamente da vida a Bessy Margarita Martínez Álvarez e Blanca Rosa Sánchez Rodríguez. Também indicou que, tendo sido paga a indenização solicitada, havia sido extinta qualquer obrigação que pudesse ter o Estado com respeito a estas mortes.  O Estado hondurenho negou ter violado o artigo 8 da  Convenção, posto que a parte denunciante tinha gozado de todas as garantias estabelecidas na  Constituição da  República de Honduras e suas Leis secundárias aplicáveis ao caso e especificamente os numeros 1 e 2(h) do artigo 8 do mencionado instrumento interamericano de proteção dos  direitos humanos.

 

IV.      ANÁLISE

 

A.        Competência ratione pessoae, ratione loci, ratione temporis e ratione materiae da  Comissão

 

18.     A CIDH tem competência ratione temporis porque a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana já se encontrava em vigor para o Estado hondurenho na data em que ocorreram os fatos alegados na  petição.[10]

 

19.     A Comissão tem competência ratione materiae, porque a  petição denuncia violações a direitos humanos protegidos pela  Convenção Americana.

 

20.     A Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, visto que esta alega  violações de direitos protegidos na  Convenção Americana que teriam  tido lugar dentro do território de um Estado parte neste tratado.

 

21.     A Comissão tem competência ratione pessoae para conhecer a presente petição pois a mesma  satisfaz os  pressupostos estipulados nos artigos 44 e 1(2) da  Convenção.

 

B.             Outros Requisitos de Admissibilidade da Petição

 

1.                 Esgotamento dos  recursos internos

 

          22.       O artigo 46(1) da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece que para que uma petição ou comunicação seja admitida pela  Comissão, é necessário o esgotamento prévio dos  recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios do direito internacional geralmente reconhecidos. O Estado, em sua comunicação de 21 de maio de 1999, assinalou que “[a] parte denunciante em sua ação contencioso administrativa esgotou todos os recursos disponíveis na legislação hondurenha, e que não existe uma recurso de revisão nesta matéria…”. Portanto, a Comissão considera que o requisito assinalado no  artigo 46 (1)(a) da Convenção foi satisfeito com o reconhecimento expresso do Estado hondurenho.

 

2.       Prazo de apresentação

 

23.     O artigo 46(1)(b) da Convenção Americana estabelece que para admitir uma petição é necessário: “que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o suposto ofendido em seus direitos tenha sido notificado da  decisão definitiva”.  No  assunto sub examine, a sentença de última instância foi proferida pela  Corte Suprema de Jjustiça em 14 de maio de 1998. A sua vez, o peticionário apresentou a denúncia perante a Comissão em 17 de agosto desse mesmo ano, ou seja, menos de três meses depois de prolatada a decisão do tribunal supremo. Por conseguinte, a CIDH considera satisfeito o requisito assinalado no  artigo 46(1)(b) da  Convenção.

 

3.       Duplicação de procedimentos e coisa julgada

 

24.     O expediente da  petição não contém nenhuma informação que pudesse levar a determinar que o presente assunto esteja pendente de outro procedimento de acordo internacional ou que tivesse sido previamente decidido pela  Comissão Interamericana.  Portanto, a CIDH conclui  que não são aplicáveis as exceções previstas no  artigo 46(1)(d) e no  artigo 47(d) da  Convenção Americana.

 

4.       Caracterização dos  fatos alegados

 

25.     O artigo 47 da  Convenção dispõe que

 

A Comissão declarará inadmissível toda petição ou comunicação … quando:

 

(…)

b.   não exponha fatos que caracterizem uma violação dos  direitos garantidos por esta Convenção;

 

c.   resulte da exposição do próprio peticionário ou do Estado manifestadamente infundada a petição ou comunicação ou seja evidente sua total improcedência, e …

 

A.      Com relação ao artigo 8 da  Convenção

 

26.     No  assunto sob exame, o peticionário alegou que o Estado hondurenho violou as garantias judiciais de suas mandantes porque o  tribunal de apelações conheceu e deferiu a impugnação de pagamento (artigo 1421 do Código Civil) oposta por SANAA. Segundo o denunciante, a impugnação formulada pelo  Estado foi interposta de forma extemporânea, já que não a invocou na sua primeira comunicação quando então alegou falta de legitimidade do demandante, mas sim na etapa do memorial quando  contestou a demanda.

 

27.     O Estado, por sua parte, respaldou a decisão da  Corte Suprema de Justiça que, em sua sentença de última instância, determinou que era

 

[e]vidente que o Julgador (Corte de Apelações) não incorreu na  aplicação indevida do Artigo 1421 do Código Civil porque dos  antecedentes vistos e examinados consta que a parte demandada na  comunicação da  contestação da  demanda… opôs a impugnação de pagamento como pretensão de fundo por ter extinto a obrigação de pagamento feita sobre o reclamado …[11]

 

28.     A Comissão adverte que no presente assunto, a discussão está centrada num  tema processual referente a oportunidade em que foi formulada a impugnação de pagamento. A Comissão observa que o presente assunto tem características similares a um caso precedente em que este mesmo órgão assinalou que “[o] peticionário formulava a CIDH uma divergência  com relação à interpretação dada pelos tribunais… a certas normas processuais internas.[12]” Nessa ocasião, a Comissão assinalou que “[c]orrespondia aos tribunais nacionais interpretar as leis processuais internas e a CIDH não [tinha] competência para determinar qual [era] a interpretação correta das  normas locais, a menos que a interpretação constituisse uma violação da  Convenção.[13]  Assim como naquele caso, a Comissão considera que no presente assunto, a interpretação de normas processuais realizada pelas autoridades judiciais hondurenhas não constitui uma violação da Convenção Americana. 

 

29.     Da mesma forma, a Comissão considera que na composição da  demanda no foro interno, ambas partes gozaram de amplas e iguais possibilidades para sustentar sua posição dentro de um proceso tramitado com respeito as garantias estabelecidas  no  artigo 8(1) e 8(2) da Convenção. Por conseguinte, de conformidade com o artigo 47(b) da  Convenção Americana, a CIDH conclui que os fatos alegados pelo  peticionário a respeito da violação do artigo 8 da  Convenção não caracterizam violações as garantias judiciais tuteladas pela  referida disposição.

 

B.       Com relação ao artigo 4 da  Convenção

 

30.     O peticionário também denunciou a violação do artigo 4 da Convenção Americana pelo  falecimento das  pessoas durante o desmoronamento do muro de SANAA e pela  falta de indenização por essas perdas.

 

31.     O Estado alegou perante o órgão judicial hondurenho que o único fato   aduzido pela  parte demandante com o qual concordava era que

 

[em]14 de outubro de 1991 ocorreu um acidente na colônia Divanna de Comayaguela, no  lugar conhecido como a rua dos filtros do SANAA, em que faleceram as seguintes pessoas: Bessy Margarita Martínez Alvarez e Blanca Rosa Sánchez Rodríguez, durante o desmoronamento do muro da  propriedade do Serviço Autônomo Nacional de Aquedutos e Esgotos “SANAA”, por causa fortuita, devido as fortes chuvas que atingiram a capital , provocando a morte das  pessoas antes mencionadas … neste sentido aceita-se tal circunstância já que de nenhuma maneira se tentava por em risco a vida das  pessoas que passavam por aquele lugar”[14]

 

32.     O Estado reconheceu, perante o órgão judicial hondurenho e a Comissão, ter pago a soma de $16.800.00 lempiras por conceito de indenização pela  morte das  pessoas que faleceram devido ao desmoronamento do muro. A Corte Suprema de Justiça de Honduras, em sentença de última instância, assinalou  

           

[Q]ue do exame da decisão impugnada é evidente que o julgador não incorreu em aplicação indevida do artigo 1.421 do Código Civil porque dos  antecedentes vistos e examinados consta que a parte demandada na  comunicação da  contestação da  demanda… opôs a impugnação de pagamento como pretensão de fundo por ter extinto a obrigação de pagamento feita sobre o reclamado …, o qual demonstrou com meios probatórios… [15]

 

33.     A proteção internacional dos  direitos humanos é, como assinalada no preâmbulo da  Convenção Americana, “coadjuvante ou complementar daquela oferecida pelo  direito interno dos  Estados Americanos”. O sistema interamericano de proteção dos  direitos humanos consta de um âmbito nacional e outro internacional. Se um caso concreto não é solucionado no âmbito interno, a Convenção prevê, então, que entre em ação a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

 

34.     A Comissão observa que, tanto no plano doméstico como no internacional, existem diversas formas de reparar as violações de direitos humanos. A adequação dessas múltiplas formas de reparação depende das circunstâncias especiais em sucederam as alegadas violações e, especialmente no nivel interno, do tipo de jurisdição acionada para alcançar a reparação.

 

35.     No presente assunto, as reclamantes acionaram a via contenciosa administrativa, através da qual pediram que o Estado pagasse uma indenização por um fato de características não dolosas, carente de conteúdo criminal, cuja responsabilidade lhe imputou.

 

36.     A margem destas considerações, não existe nennhuma evidência no trâmite substanciado perante a CIDH de que o consentimento das  reclamantes tivesse sido viciado quando aceitaram a quantia de $ 16.800.00 lempiras, reconhecida como indenização pela  jurisdição interna que foi acionada justamente com a finalidade de reparar economicamente os familiares dos falecidos. A isto se soma que as reclamantes, para fazer valer suas pretensões, acionaram a jurisdição interna em todas suas instâncias e que a Comissão não considera que nesse processo houve violação das garantias reconhecidas pelo artigo 8 da  Convenção.  Estas circunstâncias especiais levam a CIDH a concluir que no  assunto sob estudo, o conflito foi solucionado no âmbito interno. Consequentemente, e de conformidade com o artigo 47(c) da  Convenção Americana, a Comissão entende que a alegação sobre a violação do direito protegido pelo  artigo 4 da  Convenção carece de fundamento.

 

V.      CONCLUSÃO

 

37.     A Comissão determina que a petição encaixa-se nas previsões contidas no  artigo 47(b) e (c) da  Convenção Americana, razão pela qual conclui que a petição é inadmissível.

 

38.     Com base nos argumentos de fato e de direito anteriormente expostos,

 

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.       Declarar inadmissível a presente petição.

 

2.       Notificar o Estado e os peticionários desta decisão.

 

3.       Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual a ser apresentado à Assembléia Geral da  OEA.

 

Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia 27 de fevereiro de 2002. (Assinado): Juan Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-Presidente; José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente, e Membros da Comissão  Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Robert.


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[1] De 3 de setembro de 1998.

[2] Esta carta consta do expediente tramitado perante a Comissão.

[3] O peticionário respaldou toda esta informação com cópia de certificados médicos.

[4] A petição original apresentada pelo  peticionário foi acompanhada por cópia da comunicação apresentada perante SANAA, em 4 de maio 1995, na qual as senhoras Alvarez Lanza e Rodríguez solicitaram, por conceito de indenização por morte, por em risco outra vida e danos e prejuízos, o pagamento de $11.430.747.89 lempiras.

[5] As resoluções do SANAA constam do  expediente da  Comissão.

[6] Em sua comunicação de 21 de maio de 1999 (recebida na  CIDH em 1° de junho do mesmo ano).

[7] Os dois comprovantes de pagamento foram apresentados perante a CIDH pelo  peticionário em sua comunicação inicial. Em ambos documentos aparece a firma das reclamantes, como também a legenda “Por conceito de cancelamento do pagamento de indenização por morte de pessoas que faleceram no desabamento do muro de SANAA na  col. DIVANNA DE Comayaguela, MCD, segundo memorando AL-018-92”.

[8] O artigo 1421 do Código Civil de Honduras assinala que as obrigações se extinguem, inter alia, pelo  pagamento ou cumprimento.

[9] Sentença de 14 de maio de 1998.

[10] Honduras ratificou a Convenção Americana em 8 de setembro de 1977.

[11] Sentença de 14 de maio de 1998.

[12] Relatório Nº 120/01, Petição 0122/01 Atanasio Franco Cano (Paraguai) 10 de outubro de 2001, par. 4,  em http://www.cidh.org/annualrep/2001sp/ParaguayP0122.01.htm

[13] Ibídem.

[14] Memorial de contestação a demanda contenciosa administrativa apresentada por SANAA perante o Juiz de Letras do  Contencioso Administrativo.

[15] Sentença da  Corte Suprema de Justiça  de 14 de maio de 1998.