RELATÓRIO Nº 77/02
CASO 11.506
MÉRITO
WALDEMAR GERÓNIMO PINHEIRO
JOSÉ VÍCTOR DOS SANTOS
PARAGUAI

27 de dezembro  de 2002

 

I.        RESUMO

1.       Em 11 de maio de 1995 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada "a Comissão Interamericana" ou "a CIDH"), recebeu uma denúncia apresentada pelos  cidadãos brasileiros José Víctor Dos Santos e Waldemar Gerónimo Pinheiro (doravante denominados "os peticionários"), na qual imputam responsabilidade internacional à República do Paraguai (doravante denominada "o Estado"), pela  dilação dos  julgamentos aos quais foram submetidos desde 1985 e o prolongamento da  prisão preventiva.

2.       A denúncia indica que o Sr.  Waldemar Gerónimo Pinheiro encontrava-se detido em prisão preventiva por suspeita de ter cometido homicídio há mais de 10 anos na Penitenciária  Nacional de Tacumbú no Paraguai sem ter sido sentenciado.  O seu expediente foi extraviado em três ocasiões, não lhe foi concedida liberdade condicional, e carecia de recursos econômicos para custear os gastos de sua defesa.

3.       O Sr.  José Víctor Dos Santos encontrava-se detido em prisão preventiva por suspeita de participação no mesmo homicídio há mais de 8 anos na Penitenciária  Nacional de Tacumbú no Paraguai sem ter sido sentencido e sem que lhe fosse concedida liberdade condicional. Sua detenção ocorreu devido a um erro de identidade com a pessoa acusada de nome José Mairoso Dos Santos. O Sr.  Dos Santos alegou que não possuia recursos econômicos para defender-se e que foi torturado no momento de sua detenção, tendo como resultado sido hospitalizado cinco meses.

4.       Em suas respostas, o Estado Paraguaio negou as alegações de tortura feitas pelo Sr.  Dos Santos; e quanto ao resto das alegações limitou-se a proporcionar informação sobre os processos judiciais respectivos.

5.       A Comissão Interamericana declarou a admissibilidade do presente caso, determinando que tratava-se de denúncias de possíveis violações a direitos consagrados na Declaração Americana  dos  Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada “a Declaração Americana”) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção Americana”) e que não era necessário para os peticionários esgotar os recursos internos devido a atraso injustificado na tramitação do assunto na jurisdição interna.

6.       Como resultado de sua análise, a CIDH conclui neste relatório que a detenção preventiva prolongada e a demora nos  julgamentos dos  Sr. José Víctor Dos Santos e Waldemar Gerónimo Pinheiro geraram a responsabilidade do Estado Paraguaio pela  violação dos  seguintes direitos protegidos pela  Declaração Americana por fatos anteriores a 24 de agosto de 1989: direito de protecção contra a detenção arbitrária (artigo XXV) e direito a processo regular (artigo XXVI) e dos  seguintes direitos da  Convenção Americana devido aos   fatos ocorridos a partir de 24 de agosto de 1989, data de entrada em vigor deste instrumento para o Paraguai: direito à liberdade pessoal (artigo 7) e direito as garantias judiciais (artigo 8), todos eles em concordância com a obrigação prevista no  artigo 1(1) deste instrumento internacional.

II.       TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

7.       Em 29 de junho de 1995, a CIDH transmitiu ao Estado as partes pertinentes da  denúncia.  Em 14 de setembro  de 1995, o Estado enviou sua resposta, cujas partes pertinentes foram enviadas aos peticionários em 3 de novembro  de 1995.  Em 29 de novembro  de 1995 e em 9 de abril de 1996 a CIDH solicitou informação adicional ao Estado, a qual foi proporcionada em 23 de maio de 1996.

8.       Em 27 de setembro  de 1999, durante seu 104º período ordinário de sessões, a Comissão Interamericana declarou a admissibilidade do presente caso entendendo que não era necessário para os peticionários esgotar os recursos internos devido a demora injustificada na tramitação do assunto na jurisdicção interna.  Este relatório foi transmitido as partes em 13 de outubro de 1999.

9.       Em 13 de outubro de 1999, a CIDH colocou-se à disposição das partes para iniciar o procedimento de solução amistosa no  presente caso.

10.     A resposta do Estado foi recebida em 4 de fevereiro de 2000 e encaminhada ao peticionário.  Nessa comunicação o Estado manifestou sua disposição para iniciar o processo de solução amistosa no  presente caso.  Os peticionários nunca responderam a proposta.

11.     Em 15 de março de 2001, a CIDH solicitou informação adicional ao Estado.  O Paraguai enviou a informação adicional em 7 de setembro  de 2001, a qual foi repassada aos peticionários.

III.      POSIÇÕES DAS PARTES

A.      Posição dos  peticionários

12.     Os peticionários, de nacionalidade brasileira, alegam que seus direitos foram violados por parte das autoridades paraguaias que os detiveram em 1985 por suspeita de homicídio sem que existisse nenhuma prova contra eles. Na data de apresentação da  denúncia haviam transcorridos 10 anos sem que fosse resolvida sua situação jurídica, visto que não haviam sido condenados por nenhum delito.

13.     O Sr.  Dos Santos encontrava-se detido desde 1988 devido a suspeita de que tivesse participado num homicídio ocorrido numa localidade do interior do país, na qual um dos acusados tinha nome igual ao seu. O Sr.  Dos Santos indicou em sua carta de 4 de abril de 1995 que não entendia as razões de sua detenção, que desconhecia se existia um processo judicial contra ele e que não tinha meios como defender-se, pois não tinha família nem recursos econômicos para custear os gastos com a defesa. Assinalou ademais que como consequência das torturas que recebeu no  momento de sua detenção ficou gravemente doente, tendo sido internado num hospital por 5 meses.

14.     Mediante carta escrita na mesma data, o Sr.  Waldemar Gerónimo Pinheiro manifestou que estava preso na qualidade de réu há  10 anos por suspeita de ter participado num homicídio sem  que existisse prova contra ele. Indicou que seu expediente tinha sido  perdido três vezes e que não tinha recursos econômicos para custear seus gastos com a defesa. Denuncia ademais as más condições carcerárias e que não lhe foi concedida a liberdade condicional.

B.       Posição do Estado

15.     Com relação aos fatos denunciados, o Estado Paraguaio manifestou em suas distintas comunicações:

16.     Que desconhecia os supostos maus tratos e torturas, negando categoricamente tais afirmações contidas na denúncia de José Víctor Dos Santos. Quanto ao Sr.  Waldemar Pinheiro, o Estado afirmou que ele estava recluido desde 6 de junho de 1985 na Penitenciária  Nacional de Tacumbú acusado de delito de homicídio e roubo, que seu processo estava radicado na circunscrição judicial da Cidade del Este e que em 17 de março de 1995 havia  sido condenado a 30 anos de prisão mediante sentença prolatada pelo Julgado a cargo do doutor Justo Salvador Reyes. O Estado também informou que tendo em vista que a apelação continua pendente de resolução, o processo seguia seu trâmite, motivo pelo qual os recursos internos ainda não haviam sido esgotados.

17.     Quanto ao caso do Sr.  José Víctor Dos Santos, o Estado informou que o mesmo esteve detido em prisão preventiva na Penitenciária  Nacional de Tacumbú desde 1988, acusado do delito de duplo homicídio. Informou também que a Corte Suprema de Justiça ordenou a sua liberdade em virtude da  interposição de um habeas corpus e que  esta sentença havia sido cumprida em julho  de 1995.

18.     O Estado informou que embora haja ficha do interno José Víctor Dos Santos na Penitenciária  Nacional de Tacumbú, não existe expediente com respeito ao mesmo, nem na circunscrição Judicial de Cidade del Este nem perante nenhuma outra autoridade judicial. 

19.     De igual forma o Estado encaminhou diversos documentos relacionados a detenção e posterior enjuizamento dos  peticionários

IV.      ANÁLISE SOBRE O MÉRITO

A.      Análise sobre os fatos

20.     Da  informação proporcionada pelo Estado e pelos  peticionários se pode dar por provados os seguintes fatos:

1.                 Waldemar Gerónimo Pinheiro

21.     Em 1º de julho  de 1985, o Diretor Policial da  Prefeitura da  Colonia Geral Patricio Colmán elaborou um relatório policial no qual registrava que em 6 de junho de 1985 foram assassinados o Sr.  Cledirio Teleken, a Sra. Alice de Teleken e seus filhos Nelci e Nerio Teleken. O relatório constava que o resultado das averiguações apontavam como autores do homicídio os Srs. Waldemar Gerónimo Pinheiro, José Mairoso Dos Santos e uma terceira pessoa chamada “Joasinho", e indicou que os dois primeiros encontravam–se detidos na sede policial.

22.     Em 5 de julho  de 1985 o Chefe de Polícia enviou o relatório policial ao  Juiz de Primeira Instância Criminal da Cidade Presidente Strossner e lhe comunicou que os Sr.  Waldemar Gerónimo Pinheiro e José Mairoso Dos Santos encontravam-se em prisão preventiva.

23.     Em 10 de novembro  de 1987, o Julgado de Primeira Instância Criminal da Cidadde Presidente Strossner, a cargo do doutor Artemio Benitez Vásquez, tomando em consideração que o expediente intitulado "Waldemar Pinheiro e José Mairoso Dos Santos S/Homicídio em Santa Lucía" havia sido extraviado, ordenou sua reconstituição e expediu carta rogatória a um Julgado da  capital para que tomara o depoimento de ambos processados. Em  29 de fevereiro de 1988 o mesmo Julgado converteu a detenção preventiva dos  Sr. Pinheiro e Dos Santos em prisão preventiva, e determinou que eles continuassem recluidos na Penitenciária  Geral da  Capital.

24.     Em 10 de julho  de 1988, o mencionado Tribunal proferiu decisão em que resolveu admitir o incidente de revogação de auto de prisão interposto pelo Sr.  José Mairoso Dos Santos, e resolveu notificar a Penitenciária  Geral da  capital para o cumprimento desta resolução.

25.     Em 16 de maio de 1990, o mencionado Julgado expediu o  A.I. N° 451 no  qual estabeleceu que ao  realizar um inventário de expedientes, devido a posse do novo juiz doutor Ruben Candia Amarilla no Julgado, constatou que o expediente havia sido extraviado. Assim, o tribunal resolveu instruir novamente os autos, confirmar a detenção preventiva do réu  Waldemar Gerónimo Pinheiro, designar uma audiência para que este prestara depoimento, e decretar ordem de captura contra José Mairoso Dos Santos, notificando a polícia da  capital e a polícia regional.

26.     Em 19 de maio de 1990, o juizo designado a Penitenciária  Nacional de Tacumbú decidiu tomar depoimento do Sr.  Pinheiro. A ata respectiva menciona que este não se encontrava em condições de depor, mas não explicou o motivo.

27.     Em 21 de maio de 1990, o Sr.  Pinheiro designou dois defensores. Em 22 de maio de 1990 o Tribunal resolveu converter a detenção preventiva do procesado Waldemar Gerónimo Pinheiro em prisão preventiva, e determinou que este continuasse detido.

28.     Em 27 de agosto de 1991, o Julgado, com seu novo titular, doutor Juan G. Arguello, atendeu a solicitação efetuada pelo Procurador Regional que culminou na designação do Defensor de Réus Pobres como defensor de Waldemar Pinheiro.

29.     Em 21 de setembro  de 1991, o Sr.  Pinheiro prestou depoimento, no qual informou que era inocente do crime que lhe havia sido imputado. Declarou que em 6 de junho de 1985 chegou ao Paraguai por via terrestre procedente de Brasil, a fim de trabalhar numa propriedade que seu pai havia alugado, e quando foi perguntar sobre o endereço da mesma no posto de polícia, os policiais o detiveram,  torturaram e o obrigaram a confessar ser o autor dos  crimes pelos  que estava sendo processado.

30.     O expediente respectivo esteve extraviado de setembro  de 1992 até  setembro  de 1994. Em 27 de setembro  de 1994 o Juizo, cujo titular nesse momento era o doutor Justo Salvador Reyes, declarou encerrada a fase de instrução e o processo passou a etapa de julgamento.

31.     Em 14 de dezembro  de 1993, o Sr.  Pinheiro designou como Defensor o doutor Jorge Valdez Bavera, Defensor de Pobres, Ausentes e Incapazes.

32.     Em 17 de março de 1995, o Julgado de Primeira Instância Criminal e Correccional do Menor do Segundo Turno da  Circunscrição Judicial de Alto Paraná e Canindeyú, a cargo do juiz Justo Salvador Reyes, prolatou sentença definitiva mediante a qual condenou o Sr.  Waldemar Gerónimo Pinheiro a 30 anos de prisão pelo delito que lhe havia sido imputado.

33.     Em 22 de maio de 1995, esta sentença foi notificada ao doutor Jorge Valdez Bavera, Defensor de Réus Pobres, Ausentes e Incapazes, encarregado da  defesa do Sr.  Pinheiro, quem apelou na sentença na mesma data. Em 19 de outubro de 1995 o mencionado Defensor apresentou junto a Câmara de Apelações um parecer de fundamentação da apelação, no qual assinalou qeu não havia absolutamente nenhuma prova nos autos contra do Sr.  Pinheiro, e que "o único elemento de prova válido no julgamento que originou os autos era o depoimento do réu”, em que este nega qualquer  participação nos fatos investigados.

34.     Em 12 de abril de 1996, o Tribunal de Apelação Civil, Comercial, Trabalhista, Criminal, Tutelar e Correccional do Menor da  Primeira Sala da  Circunscrição Judicial de Alto Paraná e Canindeyú proferiu o Acordão N° 3, mediante a qual declarou a  nulidade da  Sentença Definitiva N° 11, de 17 de março de 1995. Neste acórdão o Tribunal Superior tomou em conta que a sentença do Julgado de Primeira Instância foi prolatada sem que existisse libelo acusatório, nem contestação da defesa, razão pela qual "tecnicamente, não existe julgamento, porque não existem os fundamentos principais para chegar a uma conclusão pela acusação e defesa". Ao final o tribunal declarou a nulidade sentença condenatória .

35.     Em 29 de outubro de 1996 o Diretor da  Penitenciária  Nacional de Tacumbú informou o Julgado sobre a fuga, em  27 de outubro de 1996, do preso Waldemar Gerónimo Pinheiro do Centro Assistencial Juan Max Boettner, onde era atendido devido à pneumonia T.B.C.

36.     Em 1º de novembro  de 1996 foi emitida ordem de captura contra o Sr.  Waldemar Gerónimo Pinheiro. A partir desta data nenhuma das partes aportou nova informação sobre a situação processual.

2.                  José Víctor Dos Santos

37.     O Sr.  José Víctor Dos Santos foi detido em 1998 por sua suposta participação no  delito de duplo homicídio. Cabe esclarecer que a Comissão considera como data de detenção o ano de 1988, já que esta é a data que aparece no expediente judicial, O peticionário não provou que se encontrava detido desde 1995.

38.     Em 9 de junho de 1995 a Corte Suprema de Justiça proferiu sentença dentro do recurso de habeas corpus interposto a favor de Sr.  José Víctor Dos Santos. Nesta sentença a Corte determinou que os autos demonstravam que não existia medida restritiva de liberdade, emanada de autoridade competente contra o detido, motivo pelo qual ordenou que este fosse liberado. A partir desta data o Sr.  Dos Santos recuperou sua liberdade.

39.     O  Estado não proporcionou nenhuma informação que justificasse ou explicasse os motivos da  detenção de José Víctor Dos Santos.  

B.       Análise de direito

40.     A Comissão passa a analisar se no  presente caso foram  vulnerados os direitos à liberdade e a integridade pessoal, as garantias judiciais e o acesso a um recurso judicial simples e efetivo, consagrados nos artigos I, XXV e XXVI da  Declaração Americana e 1, 5, 7 e 8 da  Convenção Americana.

1.       O direito à liberdade pessoal (artigo 7)

a.       A legalidade da  detenção - Violação dos  artigos XXV da  Declaração Americana e 7(2) e 7(3) da  Convenção

41.     Da  informação proporcionada pelas partes e os documentos a Comissão  depreende-se  que Waldemar Gerónimo Pinheiro foi detido entre 1 e  5 de julho  de 1985 na Delegacia de  Colonia Geral Patricio Colmán.  Esta detenção foi comunicada ao juiz de Primeira Instância Criminal da Cidade Presidente Strossner em 5 de julho  de 1985. Como justificação  da  detenção aparece um relatório policial em que lhe são imputados os delitos de  homicídio de quatro pessoas ocorridos em 6 de junho de 1985. 

42.     Com relação ao  Sr.  José Víctor Dos Santos existe um registro de seu ingresso na Penitenciária  Nacional de Tacumbú no  ano de 1988, onde aparece acusado dos delitos de homicídio, mas não há maior informação acerca das acusações sob  as quais doi detido o Sr.  Dos Santos nem os procedimentos legais em que foi baseada a citada detenção. Parece haver uma confusão com o nome de outro acusado dos mesmos homicídios de nome José Mairoso Dos Santos.

43.     Os peticionários alegam que estavam presos sem nenhum fundamento, o que configura uma detenção ilegal e arbitrária em violação do diposto nos artigos XXV da  Declaração e 7(2)  e 7(3) da  Convenção Americana.

44.     O Estado não se refiriu à detenção mas enviou cópia do relatório policial em  que foram imputados o delito de  homicídio a Waldemar Gerónimo Pinheiro e a outra pessoa de nome José Mairoso Dos Santos. Também encaminhou cópia da  sentença de hábeas corpus  em favor de José Víctor Dos Santos a qual considera que os orgãos do estado paraguaio não tem conhecimento de nenhuma acusação penal contra o Sr.  Dos Santos.

45.     O artigo XXV da  Declaração Americana, sob o título direito de proteção contra a detenção arbitrária estabelece que :

Ninguém será privado de sua liberdade exceto em casos e segundo as formas estabelecidas por leis preexistentes.

46.     O artigo 7 (2) da  Convenção Americana dispõe que:

Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas.

47.     O artigo 7(3) da  Convenção Americana assinala que:

Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários.

48.     A fim de determinar se existe ou não violação aos preceitos antes mencionados é necessário conhecer a legislação Paraguaia vigente no momento da  detenção para estabelecer quais eram as “condições fixadas de antemão pela  lei” e ver se estas condições foram cumpridas nas detenções de Waldemar Gerónimo Pinheiro e José Víctor Dos Santos.

49.     Quanto ao alcance da  disposição estabelecida no  artigo 7(2) da  Convenção Americana (que são as mesmas daquelas assinaladas no  artigo XXV da  Declaração Americana), a Corte Interamericana de Direitos Humanos entende que “ninguém pode ser privado da liberdade pessoal sem as causas, casos ou circunstâncias expressamente tipificadas na lei (aspecto material), mas também com estrita sujeição aos procedimentos objetivamente definidos pela  mesma (aspecto formal)".[1]

50.     A Comissão vem seguindo a prática de analisar a compatibilidade de uma privação de liberdade com as normas dos parágrafos 2 e 3 do artigo 7 da  Convenção Americana de acordo com três passos.  O primeiro deles consiste em determinar a legalidade da  detenção em sentido material e formal, para o qual deve constatar-se a compatibilidade da  mesma com a legislação interna do Estado em questão.  O segundo paso consiste em analisar as citadas normas internas à luz das garantias estabelecidas na Convenção Americana, a fim de determinar se aquelas são ou não arbitrárias.  Finalmente, diante de uma detenção que cumpra com os requisitos de uma norma de direito interno compatível com a Convenção Americana, deve-se determinar se a aplicação da  lei ao caso concreto foi ou não arbitrária.[2]

i.        A detenção de Waldemar Gerónimo Pinheiro

51.     Com relação aos aapectos formais, a Comissão observa que a Constituição Paraguaia vigente no momento da  detenção estabelecia em seu artigo 59 que:

A detenção das pessoas, salvo caso de serem surpreendidas cometendo um delito, somente poderá ter lugar em virtude de ordem escrita de autoridade competente.

52.     O Código de Procedimentos Penais vigente na data em que ocorreram os fatos[3] assinala em seus artigos 6 e 7 que:

Artigo 6.  Nenhuma pessoa poderá ser detida nem mantida em prisão, exceto no  caso de flagrante delito, ou quando exista semiplena prova ou indícios veementes de sua culpabilidade.

Artigo 7.  Neste último caso, não poderá ser presa exceto em  virtude de ordem escrita de autoridade judicial competente.

53.     A sua vez, o artigo 8 do mesmo Código de Procedimentos Penais estabelecia três critérios para determinar quando existia a figura do flagrante.  Estes são:

1.      Quando o autor do fato é visto no  momento de cometê-lo.

2.      Quando imediatamente depois de executado, a pessoa é considerada culpada por ter fugido ou escondido-se.

3.      Quando é surpreendido com artefatos, armas, instrumentos ou outros objetos que  façam presumir sua participação no  delito, sempre que estas circunstâncias sejam produzidas num tempo imediato a sua execução.

54.     Do expediente não se depreende que a detenção de Waldemar Gerónimo Pinheiro haja sido realizada em flagrante; pelo contrário, os homicídios dos  quais o Sr. Pinheiro e acusado foram cometidos em 6 de junho de 1985 e a primeira notícia de sua detenção consta do relatório polícial com data de 1º de julho  de 1985, isto é, quase um mês depois de acontecidos os fatos. Ademais, o Estado nunca argumentou que a detenção tivesse sido em  delito fragrante.

55.     Uma vez estabelecido que a detenção de Waldemar Gerónimo Pinheiro não se  deu em flagrante, é necessário analisar se foram cumpridos os requisitos formais estabelecidos na legislação Paraguaia, ou seja, se a detenção teve lugar em virtude de ordem escrita da autoridade competente.

56.     O Estado não apresenta outro fundamento da  detenção que um relatório policial em que se assinala o peticionário como co-autor material dos  delitos de homicidio e roubo. Nos documentos diponíveis à Comissão não aparece nenhuma ordem de detenção de nenhuma autoridade judicial nem de nenhuma outra autoridade, tal como exigido pelo Código de Procedimentos Penais Vigente. Desta forma, a Comissão considera que diante da ausência dos requisitos formais para a detenção estabelecidos na legislação paraguaia a detenção de Waldemar Pinheiro foi ilegal e, logo, contraria os artigos XXV da  Declaração Americana e 7(2) e (3) da  Convenção Americana.

ii.       A detenção de José Víctor Dos Santos

57.     Com relação aos indícios materiais no  caso do Sr.  Dos Santos, isto é, os indícios ou suspeitas que pudessem ter fundamentado sua detenção, os peticionários argumentam que não existe elementos probatórios contra o Sr. Santos. Por sua parte, o Estado não proporciona informação a respeito. A Comissão constata a existência de uma sentença em que os próprios orgãos  jurisdicionais do Estado reconhecem que não existe nenhuma causa iniciada contra o Sr. Santos, o que não impediu que este fosse detido por oito anos.

          58.     Não se tem conhecimento da  existência de uma ordem de detenção, nem da  existência de um delito em que o Sr.  Dos Santos pudesse ter participado. Pelo contrário,  existe uma acusação por duplo homicídio contra uma pessoa com o mesmo nome Sr. José Mairoso, o que indica que a detenção do Sr.  Dos Santos ocorreu devido a um erro de identidade, o que faz ainda mais grave sua situação, já que permaneceu detido por oito anos sem que existisse algum tipo de processo que o justificasse.

59.     Desta forma, posto que não havia  elementos materiais objetivos que justificassem a detenção de José Víctor Dos Santos, motivo pelo qual ele foi liberado depois de reconhecido que não existia nenhuma acusação contra sua pessoa, a detenção de que foi objeto é uma detenção arbitrária, em violação ao estabelecido pelos  artigos XXV da  Declaração e 7(2) e (3) da  Convenção Americana.

60.     Tendo em vista o razoamento anterior, é possível concluir que este caso sequer foi aprovado pelo primeiro dos  três passos da análise referida supra par.  50, portanto, o Estado Paraguaio é responsável pela violação do direito à liberdade e segurança pessoal protegidos pela  Convenção Americana em detrimento de José Víctor Dos Santos.

b.       Prazo da  prisão preventiva. Violação do terceiro parágrafo do artigo XXV da  Declaração Americana e 7(5) da  Convenção Americana

61.     Da  informação proporcionada pelas partes surge que Waldemar Gerónimo Pinheiro foi detido em 1985 e que desde esse ano até 27 de outubro de 1996, data em que fugiu, permaneceu preso de forma preventiva na Penitenciária  Nacional de Tacumbú sem que existisse uma resolução judicial definitiva que justificara esta detenção. Também depreende-se  que  José Víctor Dos Santos ingressou na Penitenciária  Nacional de Tacumbú em 1988 e que permaneceu detido nesse lugar até 9 de junho de 1995 sem que existisse nenhuma resolução judicial que justificasse esta detenção. No caso do Sr. Santos, embora não houvesse  resolução judicial nem nenhum fundamento lógico para seu encarceramento, ele foi privado de sua liberdade por oito anos sem que tivesse nenhuma causa para isto. Os peticionários alegam a violação de seus direitos.

          62.     O parágrafo terceiro do artigo XXV da  Declaração Americana assinala que:

Todo individuo que tenha sido privado de sua liberdade tem direito a que o juiz verifique sem  demora a legalidade da  medida e a ser julgado sem dilação injustificada, ou, do contrário, a ser posto em liberdade. Tem direito também a um tratamento humano durante a privação de sua liberdade. 

63.     O artigo 7(5) da  Convenção dispõe que:

Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

64.     As normas citadas incluem três princípios relativos à prisão preventiva. Em primeiro lugar, esta deve ter um caráter especial, isto é, deve ter um caráter excepcional. Em segundo lugar, deve ser justificada pelo Estado em razão das circunstâncias particulares de cada caso no momento em que é decretada. Em terceiro lugar a prolongação excessiva da  prisão preventiva deve ser impedida.[4]

65.     Em relação ao caráter especial da  prisão preventiva, como princípio geral, a privação da  liberdade deve ser limitada aquelas pessoas sobre as quais exista uma sentença condenatória, já que do contrário se pode considerar a prisão preventiva como um adiantamento da  pena, o que é contrário ao princípio de presunção de inocência estabelecido no parágrafo primeiro do artigo XXVI da  Declaração Americana e artigo 8(2) da  Convenção Americana. Entretanto, a prisão preventiva é uma medida aceita pela  Convenção que consiste na privação da  liberdade antes de que exista a condenação judicial e,  portanto, procede quando a pessoa é jurídicamente inocente. Logo, a prisão preventiva é uma medida exclusivamente de carácter excepcional.

66.     A exigência estabelecida pela Convenção Americana é que a prisão preventiva somente seja imposta para garantir o processo, isto é, que o único fim desta é garantir as atuações processuais, como a preservação de evidência ou assegurar a presença do acusado em todas as atuações, sempre que os mesmos objetivos não possam ser alcançados por qualquer  outro meio menos restritivo. Sendo a garantia do processo a única finalidade da  prisão preventiva, qualquer outro objetivo utilizado com a privação da  liberdade, como a prevenção de novos delitos,  é característico da  imposição da  pena e por isto seu uso sem que exista uma condenação  resulta contrário à Declaração Americana e à Convenção Americana, em especial, o princípio de presunção de inocência.

67.     A Corte Interamericana entende que o Estado está obrigado a não restringir a liberdade do detido “além dos  limites estritamente necessários para assegurar que não seja impedido o desenvolvimento  eficiente das investigações e que não seja eludida a ação da  justiça pois a prisão preventiva é uma medida cautelar, não punitiva”. [5]

68.     Quanto à duração da  prisão preventiva, a Corte Interamericana assinala que o princípio do prazo razoável a que fazem referência os artigos 7(5) e 8(1) da  Convenção “tem como finalidade impedir que os acusados permaneçam longo tempo sob acusação e assegurar que esta seja decidida prontamente”.[6]

69.     No  presente caso, o Sr.  José Víctor Dos Santos permaneceu preso de forma preventiva durante oito anos. Do expediente não se depreeende que o Estado Paraguaio tenha justificado a necessidade desta medida, já que não proporciona nenhum argumento para demostrar sequer que o peticionário estava acusado de algum delito. O Estado tampouco alegou ou provou a necessidade do prazo de oito anos para manter detido o Sr.  Dos Santos.

70.     Por sua parte, Waldemar Gerónimo Pinheiro esteve preso de forma preventiva durante dez anos, e apesar do Estado ter encaminhado informação que certificava que o peticionário estava sendo processado, a privação da  liberdade foi realizada de forma incompatível com as disposições da  Declaração e da  Convenção. A Comissão considera que dez anos excedem todos os limites de razoabilidade exigidos pela  Declaração e a Convenção. A Comissão não pode deixar de notar que o expediente judicial foi extraviado em diversas ocasiões, o que demonstra a negligência do Estado Paraguaio para resolver sua situação jurídica, o que fez que a prisão preventiva se prolongara de forma injustificada.

71.     Em nenhum momento o Estado provou as circunstâncias excepcionais que justificaram a decretação da prisão preventiva, tampouco aportou argumentos para sustentar que oito e dez anos eran prazos razoáveis nos termos dos  artigos XXV e 7 da  Convenção; pelo contrário, do acervo probatorio do caso se depreende que as autoridades judiciais paraguaias atuaram de maneira displicente, negligente e recorrendo de forma mecânica ao  instituto da  prisão preventiva em aberta contradição com as exigências convencionais.

72.     Sendo assim, o Estado não demostrou a necessidade de manter os Sr.  Waldemar Gerónimo Pinheiro e José Víctor Dos Santos privados da  liberdade para fins do processo. Pelo contrário, o processo demorou por vários anos sem que os peticionários fossem liberados, motivo pelo qual o Estado violou os direitos consagrados parágrafo terceiro do artigo  XXV da  Declaração e artigo 7(5) da  Convenção.

2.       O direito às garantias judiciais (artigo 8)

a.       O direito a ser ouvido num prazo razoável (artigo 8(1)

73.     O direito a ser julgado num prazo razoável está estipulado também no  artigo 8(1) da  Convenção Americana, cujo texto está descrito a seguir:

Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

74.     No  presente caso, os peticionários permaneceram detidos na Penitenciária  Nacional de Tacumbú onze e sete anos respectivamente, sem que em nenhum dos dois casos existisse  uma sentença definitiva contra eles.

75.     Embora tenha sido proferida, em 17 de março de 1995, uma sentença de primeira instância contra Waldemar Gerónimo Pinheiro condenando-o a 30 anos de prisão, a Corte Interamericana assinala que “o processo termina quando se profere uma sentença definitiva e transitada em julgado, com a qual se esgota a jurisdição e que, particularmente em matéria penal, este prazo deve compreender todo o procedimento, incluindo os recursos de instância que possam ser interpostos”.[7]

76.     O simples transcurso de tempo não significa necessariamente que tenha sido excedido o prazo razoável. A fim de determinar a razoabilidade do prazo, os orgãos do sistema interamericano concordam com o critério da  Corte Européia de Direitos Humanos que estabelece que é necessário analisar três elementos no desenvolvimento do processo: a) a complexidade do assunto; b) a atividade processual do interessado e c) a conduta das autoridades judiciais.[8]

77.     Quanto ao primeiro elemento, o caso sob análise não parece ser demasiado complexo, principalmente porque os elementos probatórios disponíveis no expediente são poucos e datam da  época em que foi realizada a detenção.   

78.     A respeito do segundo elemento, não existe evidência de que os peticionários tenham realizado atividades dilatórias no  processo. As únicas atuações processuais que constam são a nomeação do defensor e a solicitação de resolução dos processos.

79.     No que se refere ao terceiro elemento, deve-se considerar que no  caso de Waldemar Gerónimo Pinheiro o expediente foi perdido três vezes, e no  caso de José Víctor Dos Santos este esteve detido sem que houvesse expediente ou acusação alguma contra sua pessoa, razão pela qual de depreende que no presente assunto a conduta das autoridades judiciais foi negligente em detrimento dos  peticionários.

80.     Em virtude do razoamento anterior, a Comissão conclui que o Paraguai violou em detrimento dos peticionários o prazo razoável a que se referem o artigo XXV da  Declaração Americana e o artigo 8(1) da  Convenção Americana.

b.       O direito à presunção de inocência (artigo 8(2) da  Convenção Americana e XXVI da  Declaração)

81.     O parágrafo primeiro do artigo XXVI da  Declaração Americana estabelece que:

Se presume que todo acusado é inocente, até que prove culpado.

82.     O artigo 8(2) da  Convenção Americana dispõe que:

Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.

83.     No  presente caso, os peticionários estiveram detidos por anos esperando sentença pelas acusações de homicídio que pesavam contra eles, ou seja, permaneceram presos sete e onze anos respectivamente, sendo juridicamente inocentes.

84.     Como assinalado anteriormente, a demora na decisão dos processos penais de Waldemar Gerónimo Pinheiro e  José Víctor Dos Santos é atribuível aos orgãos do Estado. A CIDH também determinou antes que o Estado não certificou a necessidade de manter os peticionários privados de  liberdade por tanto tempo.

85.     A Corte Interamericana já manifestou que privar da  liberdade uma pessoa por um prazo desproporcionado “seria o mesmo que antecipar a pena de uma sentença”.[9]

86.     Desta forma, se a privação de liberdade não obedeceu as necessidades próprias do processo, mas sim foi aplicada como sanção, prévia à existência de uma sentença, a Comissão conclui que  Waldemar Jerónimo Pinheiro e José Víctor Dos Santos foram punidos penalmente através da presunção de sua culpabilidade, em violação do  princípio de presunção de inocência estabelecido pelo artigo 8(2) da  Convenção e pelo artigo XXVI da  Declaração Americana.

3.       O direito à integridade física (artigo 5 da  Convenção Americana e artigo I da  Declaração)

87.     O Sr.  José Víctor Dos Santos manifestou ter sido objeto de torturas no momento de sua detenção, razão pela qual foi hospitalizado por um período de cinco meses.

88.     Esta asseveração de um dos  peticionários é o único fato controvertido pelo Estado, quando em sua comunicação inicial assinalou que desconhecia os supostos maus tratos e torturas e que, portanto, negava “categoricamente as afirmações contidas na denúncia com respeito aos supuostos fatos”.

89.     A longo da  tramitação da  petição, o peticionário nunca apresentou nenhuma prova de que certificasse as suas alegações  e o Estado tampouco aceitou o fato, pelo contrário, rejeitou categoricamente os alegações dos peticionários.

90.     Em virtude do anterior, a Comissão conclui que não pode declarar o Estado Paraguaio em violação dos  artigos 5 da  Convenção Americana e artigo I da  Declaração Americana.

V.      ATUAÇÕES POSTERIORES AO RELATÓRIO N° 26/02

91.     A Comissão aprovou o Relatório de mérito N0 26/02 sobre o presente caso em 28 de fevereiro de 2002, durante seu 114o período de sessões. Este relatório, que contém as   recomendações da  Comissão, foi transmitido ao Estado Paraguaio em 13 de março de 2002, e lhe foi concedido dois meses para que cumprisse com estas  recomendações, contados a partir da data de envio do Relatório. Em 15 de maio de 2002, o Estado enviou uma comunicação a CIDH na qual assinalou as dificuldades que o Estado teve para cumprir com  algumas das recomendações da  Comissão, e mencionou também ações destinadas ao cumprimento de outras  recomendações. A este respeito, o Estado Paraguaio afirmou o seguinte:

(...) A CIDH continuou com o  procedimento, já realizou a análise sobre o mérito e fez recomendações. A Comissão exige ao  Estado Paraguaio nos pontos 1, 2 e 3 reparação para os peticionários. Todavia esta reparação implica uma sentença judicial, uma lei ou algum ato normativo com o concurso dos ofendidos. É sumamente importante ressaltar que Waldemar Gerónimo Pinheiro está foragido desde  29 de outubro de 1996, tal como assinalado pela CIDH no parágrafo 35 do seu relatório , e José Victor Dos Santos está em liberdade desde  09 de junho de 1995. Portanto, resulta pouco prudente que o Estado inicie um procedimento de reparação quando os peticionários não podem seguir um trâmite de solução amistosa, nem sequer encontram-se no  país.

Quanto à investigação sobre os responsáveis, o Estado enviou à Promotoria a denúncia tramitada perante a CIDH a fim de que através dos promotres que atuaram no caso se chegue a elucidar as eventuais responsabilidades pelos delitos denunciados. Os resultados conquistados pela promotoria serão informados à CIDH o mais breve possível. Nesse momento, os promotores têm a documentação e estão designando um dos promotores da  Unidade de Direitos Humanos da  do Ministério Púlbico para atuar no caso.

(...)

Por último, a fim de evitar fatos similares no  futuro, o Estado fez  importantes mudanças em matéria penal e processual penal que já são do conhecimento da  CIDH. Ademais neste momento, o Estado está buscando consolidar sua tarefa de proteção dos  direitos humanos através de uma “rede do Estado de direitos humanos” na qual participam várias departamentos do Estado, inclusive a Polícia Nacional.

92.     Conforme o disposto no artigo 51(1) da  Convenção, o que a Comissão deve determinar nesta etapa do procedimento é se o Estado solucionou ou não o assunto. A este respeito, e visto que as recomendações da  CIDH não foram cumpridas até a presente data, a Comissão observa que quanto as recomendações concernentes as reparações, o Estado assinala que não pode contactar as vítimas nem seus familiares para poder efetivar o cumprimento das recomendações. Embora a Comissão não desconheça tal dificuldade, o Estado não informou sobre nenhuma ação concreta para localizá-las. A Comissão considera que o Estado deve efetuar esforços razoáveis para tratar de localizar as vítimas. Por outra parte, no que se refere a recomendação efetuada pela Comissão ao Estado Paraguaio de investigar os responsáveis pelas violações determinadas em seu relatório e puní-los, bem  como no que concerne a recomendação relacionada à adoção de medidas para tratar de prevenir que fatos similares possam ocorrer  no  futuro, a CIDH considera que houve alguns avanços a este respeito, embora até a presente data não foram cumpridas tais recomendações.  A Comissão Interamericana espera que o Estado Paraguaio informe brevemente sobre o cumprimento das recomendações formuladas no  relatório N° 26/02 e ratificadas no  presente relatório.

93.     Finalmente, a Comissão deseja ressaltar que em 13 de março de 2002 enviou comunicação as vítimas, no endereço constante do expediente, notificando-lhes da  adoção de um relatório de mérito e solicitando-lhes sua opinão a respeito de uma eventual submissão do caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Esta comunicação não foi respondida, do mesmo modo que não foram respondidas outras comunicações anteriores remetidas às vítimas pela CIDH. Dadas as circunstâncias específicas do presente caso, que incluem a falta de localização das vítimas e de seus familiares, a Comissão Interamericana, de conformidade com o estabelecido em seu Reglamento, decidiu não submeter o presente caso a conhecimento da  Corte Interamericana de Direitos Humanos.

VI.      CONCLUSÕES

94.     Com base nas considerações de fato e de direito antes expostas, a Comissão Interamericana ratifica sua conclusão no sentido de que o Estado Paraguaio violou, a respeito de Waldemar Gerónimo Pinheiro e José Víctor Dos Santos, os direitos à liberdade pessoal e as garantias judiciais, consagrados nos artigos 7 e 8 da  Convenção Americana no que se refere aos fatos ocorridos posteriormente a 24 de agosto de 1989.  Igualmente, a CIDH conclui que o Estado Paraguaio violou, em relação a Waldemar Gerónimo Pinheiro e José Víctor Dos Santos, os direitos de proteção contra a detenção arbitrária e a processo regular estabelecidos pelos  artigos XXV e XXVI da  Declaração Americana dos  Direitos e Deveres do Homem pelos  fatos ocorridos antes de 24 de agosto de 1989. Por último, a CIDH ratifica sua conclusão no sentido que o Paraguai não violou em detrimento de José Víctor Dos Santos o direito à integridade pessoal consagrado no  artigo 5 da  Convenção Americana e no  artigo I da  Declaração Americana.

VII.     RECOMENDAÇÕES

95.     Com base na análise e nas conclusões precedentes, a Comissão Interamericana reitera ao Estado Paraguaio as seguintes recomendações:

1.       Conceda plena reparação ao Sr.  Waldemar Gerónimo Pinheiro, o que inclui a correspondente indenização.

2.       Conceda plena reparação ao Sr.  José Víctor Dos Santos, o que inclui a correspondente indenização.

3.                 Esta reparação deve ser proporcional aos danos infringidos, o que implica que deve ser maior no  caso de José Víctor Dos Santos por ter este permanecido detido durante oito anos sem que existisse nenhuma justificação legal para isto.

4.       Ordene uma investigação para identificar os responsáveis pelas violações que a Comissão determinou e puní-los.

5.       Tome as medidas necessárias para prevenir que estes fatos não se repitam no futuro.

VIII.    PUBLICAÇÃO

96.     Em 28 de outubro de 2002, a Comissão transmitiu o relatório 60/02 --cujo texto  está exposto acima-- ao Estado Paraguaio, de conformidade com o estabelecido no  artigo 51(2) da  Convenção, e lhe concedeu um prazo adicional para cumprisse com as recomendações.  Em 27 de novembro  de 2002, o Paraguai solicitou uma prorrogação do prazo outorgado, a qual foi concedida pela  Comissão até o dia 13 de dezembro  de 2002. Em  11 de dezembro  de 2002, durante uma visita de trabalho ao país, o Relator para o Paraguai Dr. José Zalaquett  teve uma reunião em Assunção com altas autoridades estatais, quando então foi informado sobre as dificuldades do Estado Paraguaio em localizar as vítimas para tratar sobre o tema das reparações pecuniárias recomendadas pela  Comissão no  presente relatório. Em 17 de dezembro  de 2002, depois de vencido o prazo e sua prorrogação o Estado respondeu  reiterando as dificuldades para dar cumprimento as reparações pecuniárias, indicando que "verá os meios através dos quais  buscará contato com os peticionários". Indicou também  que comunicaria aos juízes as consequências internacionais que derivariam dos casos submetidos a sua competência se as detenções forem excessivas ou injustificadas. Finalmente informou que a fim de evitar fatos similares no  futuro, o Estado realizou  modificações em matéria penal e processual penal. A Comissão aprecia as manifestações do Estado no  sentido de que continuará realizando os esforços necessários para cumprir com todas as recomendações contidas no  presente relatório.

       97.       Em virtude das análise precedente e do disposto nos artigos 51(3) da  Convenção Americana e 45 de seu Regulamento, a Comissão decide reiterar as conclusões e as recomendações contidas nos capítulos VI e VII supra; publicar o presente relatório e incluí-lo no seu Relatório Anual à Assembléia  Geral da  OEA. A Comissão, em cumprimento de seu mandato, continuará avaliando as medidas adotadas pelo Estado Paraguaio a respeito das recomendações formuladas, até que estas tenham sido plenamente cumpridas.

Dado e assinado pela  Comissão Interamericana de Direitos Humanos aos 27 dias de dezembro  de 2002. (Assinado):, Juan Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-presidenta; José Zalaquett, Segundo Vice-presidente; Membros da Comissão Robert K. Goldman, Julho  Prado Vallejo, Clare K. Roberts e Susana Villarán.

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[1] Corte IDH, Caso Gangaram Panday, Sentença de 21 de janeiro de 1994, Serie C Nº 16, pars. 45-51.

[2] CIDH, Relatório Nº 53/01 Caso 11.565 Ana, Beatriz y Celia González Pérez, México, 4 de abril de 2001, parágrafos 23 y 27.

Para maior ilustração, o Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias da  Organização das Nações Unidas  estabeleceu que existem três circunstâncias as quais podem constitutir uma detenção arbitrária:

Quando é evidentemente impossível invocar nenhuma base legal que a justifique (como a  manutenção em detenção de uma pessoa depois de ter cumprlido a pena ou  apesar de uma lei de anistia que lhe seja aplicável)

Quando a privação de liberdade resulta do processo e condenação pelo exercício de direitos ou liberdades proclamados nos artigos 7, 13, 14, 18, 19, 20 e 21 da  Declaração Universal de Direitos Humanos e, a respeito dos  Estados Partes, nos artigos 12, 18, 19, 21, 22, 25, 26 e 27 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos

Quando a inobservância, total o parcial, das normas internacionais relativas ao direito a um  julgamento imparcial, estabelecidas na Declaração Universal de Direitos Humanos e nos instrumentos internacionais pertinentes aceitos  pelos  Estados, é  de uma gravidade tal que confere a privação de liberdade, em qualquer  forma que for, caráter arbitrário (Categoria III).

[3] Código de Procedimentos Penais, Lei del 15 de novembro  de 1890.

[4] Relatório Nº 12/96, Caso 11.245, Jorge A. Giménez, Argentina, 1º de março de 1996, parágrafo 83.

[5] Corte IDH, Caso Suárez Rosero, Sentença de 12 de novembro  de 1997, Serie C Nº 35, par 77.

[6] Corte IDH, Caso Suárez Rosero, Sentença de 12 de novembro  de 1997, Serie C Nº 35, par 70. O princípio do prazo razoável  também está disposto no  parágrafo terceiro do artigo XXV da  Declaração Americana.

[7] Corte IDH, Caso Suárez Rosero, Sentença de 12 de novembro  de 1997, Serie C Nº 35, par 71.

[8] Corte IDH, Caso Genie Lacayo, Sentença de 29 de janeiro de 1997, Serie C Nº 30, par 77; Corte IDH, Caso Suárez Rosero, Sentença de 12 de novembro  de 1997, Serie C Nº 35, par 72. Eur. Court H.R., Motta judgment of 19 February 1991, Series A Nº 195-A, par. 30; Eur. Court H.R., Ruiz Mateos contra  Spain, judgment of 23 June 1993, Series A Nº 262.

[9] Corte IDH, Caso Suárez Rosero, Sentença de 12 de novembro  de 1997, Serie C Nº 35, par 77.