RELATÓRIO Nº 47/02[1]

ADMISSIBILIDADE

CASO 12.357

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PENSIONISTAS E APOSENTADOS DA

CONTROLADORIA GERAL DA REPÚBLICA

PERU

9 de outubro de 2002

 

I.          RESUMO

             

1.                 Mediante petição apresentada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão” ou “CIDH”) em 12 de novembro  de 1998 e ampliada em 24 de janeiro de 2000, os integrantes da Associação Nacional de Pensionistas e Aposentados da Controladoria Geral da República do Peru e o Centro de Assessoria Trabalhista (CEDAL) (doravante denominados “os peticionários”) denunciaram que a República do Peru (doravante denominada “Peru”, “o Estado” ou “o Estado peruano”) violou, em detrimento da senhora Isabel Acevedo León e outros integrantes desta Associação, os direitos à propriedade privada, garantias judiciais e a proteção judicial consagrados nos artigos 21, 8 e 25  da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, todos em conjunção com a violação do dever genérico de proteção de todos os direitos reconhecidos e garantidos a que se refiere o artigo 1(1) da  mesma Convenção (doravante denominada a “Convenção” ou a “Convenção Americana”), ao descumprir as sentenças judiciais do Tribunal Constitucional do Peru.

 

2.        O Estado peruano não questionou a admissibilidade da  petição sob estudo.

 

3.        A Comissão, de conformidade com o disposto nos artigos 46 e 47 da  Convenção Americana, decide admitir a petição no que se refere às eventuais violações dos artigos  8, 21, 25 e 1(1) da  Convenção Americana, e dar início ao procedimento de méritoda  questão. A Comissão decide igualmente notificar as partes desta decisão, publicá-la e incluí-la em seu Relatório Anual à Assembléia Geral da  OEA.

 

II.          TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

4.        Em 26 de janeiro de 2001 a Comissão transmitiu as partes pertinentes da  denúncia ao Estado peruano e lhe pediu que apresentasse informação dentro de um prazo de 90 dias.  O Peru respondeu em 27 de abril de 2001, e os peticionários apresentaram  informação adicional em  28 de junho de 2001.

 

 

III.      POSIÇÃO DAS PARTES

 

A.        Posição dos peticionários

 

5.        Os peticionários assinalam que a senhora Isabel Acevedo León e os demais peticionários trabalharam como funcionários da  Controladoria Geral da República. Depois de terem cumprido com os requisitos legais pertinentes, estes trabalhadores, no momento em que chegaram a idade de sua aposentadoria, vinham gozando, há muitos anos, o direito a uma pensão e aposentadoria reajustáveis e renováveis em função da  remuneração, gratificações e bonificações dos trabalhadores em atividade dessa instituição, de conformidade com o regime de pensões regulado pelo decreto-lei 20.530, que regula a sua condição de pensionistas ou aposentados da  Controladoria da  República do Peru.

 

6.        Os peticionários informam que, a partir da aprovação do Decreto-Lei Nº 25.597 de 7 de julho de 1992  e do Decreto Supremo Nº 036-93-EF de 17 de março de 1993 o pagamento destas pensões foi transferido ao Ministério de Economia e Finanças e suprimido simultaneamente o direito dos peticionários a que suas pensões fossem niveladas de acordo com aquelas percebidas pelos funcionários da ativa da mesma entidade, sendo que as pensões foram niveladas pela escala de pagamentos do Ministério de Economia e Defesa.

 

7.        Após reunirem-se na Associação de Pensionistas e Aposentados da  Controladoria Geral, cuja presidenta é a senhora Isabel Acevedo León, os peticionários decidiram interpor em 27 de maio de 1993 uma ação de amparo perante o Sexto Juizado Civil de Lima, na qual solicitaram a restituição de direitos de pensão, aposentadoria reajustável e renovável de acordo com o Decreto-Lei No.20.530 e, paralelamente, a não aplicação do artigo 5 do Decreto Supremo Nº 036-93-EF. Alegaram que o Estado peruano desconheceu o direito legalmente adquirido de perceber bonificações e gratificações iguais aquelas recebidas pelos  servidores na ativa da  Controladoria Geral da  República conforme a lei de desenvolvimento do direito a pensão em níveis, garantido pelo  Decreto-Lei Nº 23.495.

 

8.        Os peticionários informam que o Sexto Juizado Civil de Primeira Instância de Lima proferiu sentença em 9 de julho de 1993 declarando improcedente a demanda. Assinalam que esta sentença foi revogada pela Primeira Sala Civil da Corte Superior de Lima em 14 de dezembro de 1993, declarando inaplicável aos peticionário o disposto pelo  artigo 9 inc. c) e  artigo 13 do Decreto-Lei 25.597 e o artigo 5 do Decreto Supremo Nº 036-93 EF e ordenando a Controladoria pagara aos integrantes da Associação as remunerações, gratificações e bonificações devidas.

 

9.        Em face do recurso de nulidade interposto pela  Controladoria, a Sala de Direito Constitucional e Social da Corte Suprema de Justiça, em 3 de outubro de 1994, declarou a nulidade da  sentença prolatada em  14 de dezembro de 1993 pela Corte Superior de Lima,  confirmando assim a sentença de primeira instância. Os peticionários recorreram desta última decisão judicial mediante um recurso extraordinário interposto perante o Tribunal Constitucional. Este decidiu, em 21 de outubro de 1997, revogar a sentença da  Sala Constitucional e Social da Corte e, reformando-a parcialmente,  confirmou a sentença proferida pela Primeira Sala Civil da Corte Superior de Lima, a qual  tinha declarado fundada a demanda e ordenava expressamente “que a Controladoria Geral da  República cumpra em abonar aos integrantes da  Associação autora as remunerações, gratificações e bonificações que percebem os servidores na ativa da citada Controladoria que desempenhem cargos idênticos, similares ou equivalentes aqueles dos pensionistas e aposentados”.

 

10.    Os peticionários alegam que com a notificação da sentença do Tribunal Constitucional em 15 de dezembro de 1997, foi instaurado o processo de execução desta sentença perante o Juizado de Direito Público correspondente, mediante resolução de 25 de junho de 1998. A partir desta data foram emitidos vários ofícios, requerimentos  e diligências a fim de que a Controladoria cumprisse com a sentença, o que não foi possível até o momento.

 

11.    Os peticionários indicam que o processo de execução foi agravado desde que a Sala Corporativa Transitória Especializada em Direito Público da  Corte Superior de Justiça, em 12 de fevereiro de 1999, declarou nulo e insubsistente todo o procedimento de execução da  sentença do Tribunal Constitucional  de 21 de outubro de 1997 “deixando a salvo o direito da  Associação de Pensionistas e Aposentados da Controladoria Geral, para que o faça valer na  forma e modo que corresponda”.

 

12.    Os peticionários informam que em 27 de maio de 1999 interpuseram  uma ação de amparo contra a resolução da  Sala Corporativa Transitória Especializada em Direito Público  por considerar vulnerados os direitos constitucionais à tutela judicial efetiva, a coisa julgada e a obrigatoriedade do cumprimento das sentenças judiciais. Em 26 de janeiro de 2001 o Tribunal Constitucional declarou fundada a ação de amparo e, em consequência, declarou inaplicável a resolução emitida pela Sala Corporativa Transitória Especializada em Direito Público da  Corte Superior de Justiça de Lima de 12 de fevereiro de 1999. A sentença também determinou repor a ação ao estado de execução de sentença para que o órgão judicial respectivo pudesse cumprir de forma imediata e incondicional com o mandado derivado da sentença do Tribunal Constitucional de 21 de outubro de 1997.

 

13.    Os peticionários argumentam que, embora a sentença tenha adquirido a qualidade de coisa julgada desde que foi prolatada a sentença do Tribunal Constitucional, e após as sucessivas tentativas de execução, a mesma não foi executada; de modo que o descumprimento da referida decisão judicial constitui uma violação por parte do Estado peruano dos direitos à  propriedade privada, às garantias judiciais e à proteção judicial consagrados nos artigos 21, 8 e 25 da  Convenção Americana em detrimento dos  integrantes da Associação de Pensionistas e Aposentados da Controladoria Geral da  República do Peru.

 

B.          Posição do Estado

 

14.       O Estado não questionou a admissibilidade da  petição sob estudo.

 

15.       O Estado alega que a Controladoria Geral realizou diversas ações para dar cumprimento à sentença: solicitou ao Ministerio de Economia e Finanças a restituição à folha de pagamento desse organismo superior de controle da inclusão das pensões dos pensionistas e aposentados a partir do orçamento de 2001, e também emitiu uma resolução de homologação dos pensionistas e aposentados da Controladoria Geral com relação a seu pessoal ativo em seus diversos níveis, mas  ainda não foi cumprido o acórdão do Tribunal Constitucional.

 

IV.          ANÁLISE

 

16.    A Comissão passa a analisar os requisitos de admissibilidade de uma petição estabelecidos na  Convenção Americana.

 

A.      Competência ratione materiae, ratione pessoae e ratione temporis da  Comissão

 

17.    A Comissão tem competência ratione materiae, porque a  petição denuncia violações a direitos humanos protegidos pela  Convenção Americana.

 

18.    Com relação à competência ratione pessoae, a Comissão observa que os peticionários imputam ao Estado peruano violações de direitos humanos consagrados na  Convenção Americana.  Tendo em vista que o Peru ratificou esta Convenção em 28 de julho de 1978, a Comissão tem competência ratione pessoae para conhecer esta petição, por disposição expressa do artigo 33 da Convenção.  Com relação aos peticionários, a Comissão observa que são organizações não governamentais reconhecidas legalmente no Peru, e de acordo com o artigo 44 da  Convenção estão facultadas para apresentar denúncias à Comissão.  Por conseguinte, e no que se refere aos peticionários, a Comissão é competente ratione pessoae para conhecer esta petição.  No que concerne às supostas vítimas, estas são pessoas naturais  a quem o Peru comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na  Convenção.  Portanto, a Comissão tem igualmente competência nesse aspecto para conhecer a petição sob estudo.

 

19.    A Comissão tem competência ratione loci para conhecer a petição, visto que esta alega  violações de direitos protegidos na  Convenção Americana que teriam  tido lugar dentro do território de um Estado parte neste tratado.

 

20.    A CIDH tem competência ratione temporis porque a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na Convenção Americana já se encontrava em vigor para o Estado peruano na data em que ocorreram os fatos alegados na  petição.

 

B.          Requisitos de admissibilidade da  petição

 

a.          Esgotamento dos recursos internos

 

21.    A Comissão observa que a questão central a respeito dos recursos internos é se foi cumprido ou não a decisão proferida pelo Tribunal Constitucional  do Peru de 21 de outubro de 1997 no recurso de amparo interposto pela Associação Nacional de Pensionistas e Aposentados da  Controladoria Geral da  República.

 

22.    O Estado não opôs nenhuma exceção relacionada com o requisito de esgotamento dos recursos da  jurisdição interna. A respeito, a Corte Interamericana determinou que “a exceção de não esgotamento dos recursos internos, para ser oportuna deve ser formulada nas primeiras etapas do procedimento, caso contrário poderá presumir-se a renúncia tácita a valer contra o Estado interessado”.[2] Portanto, a Comissão Interamericana  considera que o Estado peruano renunciou à exceção da falta de esgotamento dos recursos internos neste caso, já que não a apresentou dentro dos prazos legais estabelecidos, e tampouco o fez na  primeira oportunidade processual que teve, isto é, em sua resposta à petição que deu início ao trâmite do caso.

 

b.          Prazo de apresentação

 

23.    Na  petição sob exame, a Comissão estabeleceu a renúncia tácita do Estado peruano a seu direito  de opor a exceção de falta de esgotamento dos recursos internos. Como os requisitos convencionais de esgotamento dos recursos internos são independentes do requisito de apresentação da petição dentro de um prazo de seis meses a partir da  notificação da  sentença que esgota os recursos da  jurisdição interna, a Comissão Interamericana deve determinar se a petição sob estudo foi apresentada dentro de um prazo razoável. Isto deve-se ao fato de que, ao determinar-se a renúncia tácita do Estado a respeito do  prévio esgotamento dos recursos internos, não se conta com uma data específica a partir da qual se pode contar o prazo de seis meses. A falta de uma data determinada não isenta o peticionário  do requisito de uma apresentação oportuna. Neste sentido, a Comissão, tomando em consideração as circunstâncias particulares da presente petição, considera que a presente denúncia foi apresentada dentro de um prazo razoável. 

 

24.    De acordo com o exposto anteriormente, o requisito concernente ao prazo de apresentação de petições contemplado no  artigo 46(1)(b) da  Convenção Americana não é aplicável no presente caso.

 

c.          Duplicidade de procedimentos e coisa julgada

 

25.    A Comissão entende que a matéria da petição não está pendente de outro procedimento de acordo  internacional, nem reproduz uma petição já examinada por este ou outro organismo internacional.  Portanto, os requisitos estabelecidos nos artigos 46(1)(c) e 47(d) também estão satisfeitos.

 

          d.          Caracterização dos fatos

 

26.    A Comissão considera que a exposição dos peticionários refere-se a fatos que, se provados verdadeiros, poderiam caracterizar uma violação de direitos garantidos na  Convenção, visto que, como exposto acima, a questão submetida à decisão da Comissão é se as alegações de descumprimento de uma sentença do Tribunal Constitucional do Peru implicam numa violação dos artigos 25, 8, 21 e 1(1) da  Convenção Americana por parte do Estado peruano.

 

V.          CONCLUSÕES

 

27. A Comissão Interamericana conclui que tem competência para conhecer o mérito deste caso e que a petição é admissível de conformidade com os artigos 46 e 47 da  Convenção Americana. 

 

28.   Com base nos argumentos de fato e de direito expostos anteriormente, e sem prejulgar o mérito da questão,

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.          Declarar admissível a petição no que se refere às eventuais violações dos artigos 8, 25,  21 e 1(1) da  Convenção Americana.

 

2.          Notificar as partes desta decisão.

 

3.          Continuar com a análise sobre o mérito da questão.

 

4.          Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual a ser apresentado à Assembléia Geral da  OEA.

 

Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia 9 de outubro de 2002. (Assinado): Juan Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira Vice-Presidente; José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente, Membros da Comissão  Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Robert.

 


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[1] De conformidade com o estabelecido no artigo 17 do Regulamento da CIDH, a Membro da Comissão Sra. Susana Villarán, de nacionalidade peruana, não participou na discussão e decisão do presente relatório de admissibilidade.

[2]  Corte I.D.H., Caso Velásquez Rodríguez, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, Série C, n.1, par. 8, Caso Fairén Garbi e Solis Corrales, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, Série C, n.2, par.87.