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RELATÓRIO
Nº 17/02 ADMISSIBILIDADE CASO
12.346 e 12.377 SHELDON
ROACH E BEEMAL RAMNARACE TRINIDAD
E TOBAGO 27
de fevereiro de 2002 I.
RESUMO 1.
Em 27 de novembro de 2000, a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (doravante denominada a “Comissão”) recebeu uma petição do
escritório jurídico Collyer-Bristow de Londres, Reino Unido, contra a República
de Trinidad e Tobago (doravante denominada “Trinidad e Tobago” ou “o
Estado”). A petição foi apresentada em nome do senhor Sheldon Roach, um
recluso condenado à morte e na espera de sua execução na República de
Trinidad e Tobago. Posteriormente, em 2 de abril de 2001, a Comissão
recebeu uma petição da escritório jurídico Oury Clark de Londres contra
a República de Trinidad e Tobago em nome do senhor Beemal Ramnarace, que
também é um recluso condenado à morte esperando a sua execução em
Trinidad e Tobago. 2.
Ambas petições alegam que o Estado julgou e condenou conjuntamente
o senhor Roach e o senhor
Ramnarace pelo delito de homicídio de Ian Wayne Poon, perpetrado em julho
de 1993, e os sentenciou à pena de morte por enforcamento em 16 de dezembro
de 1998 de conformidade com a Lei de
Delitos contra a Pessoa[1]
de Trinidad e Tobago. Estas
eram as segundas condenações das supostas vítimas em razão deste crime;
suas primeiras condenações haviam sido anuladas em fase de apelação em 2
de julho de 1997. As petições também alegam que o Estado é responsável
pelas violações dos direitos do senhor Roach e o senhor Ramnarace de
conformidade com os artigos I, II, XVIII, XXV e XXVI da Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada a “Declaração
Americana” ou a “Declaração”) e os artigos 4, 5, 7 e 8 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos em relação com os processos penais contra
eles, com base nos seguintes fundamentos: (a)
violações
dos artigos I, XVIII e XXVI da Declaração Americana e os artigos 4 e 5 da
Convenção Americana em relação ao caráter obrigatório da pena de morte
que foi imposta aos senhores Roach
e Ramnarace; (b)
violações
do artigo XXVI da Declaração Americana e o artigo 8(3) da Convenção
Americana em relação a forma em que os termos de confissão foram tomados
em juízo contra os senhores Roach
Ramnarace; (b)
violações
dos artigos XXV e XXVI da Declaração Americana e os artigos 7(5) e 8(1) da
Convenção Americana em relação a demora em julgar os senhores Roach
e Ramnarace; (d)
violações
do artigo XXVI da Declaração Americana e o artigo 5 da Convenção
Americana em relação ao tratamento e as condições dos senhores Roach e
Ramnarace enquanto estavam presos; (e)
violações
dos artigos XVIII e XXVI da Declaração Americana e os artigos 4, 5 e 8 da Convenção Americana em relação a forma em que foram
conduzidos o julgamento conjunto e a apelação dos senhores Roach e
Ramnarace. 3.
A petição do senhor Ramnarace incluía ademais as seguintes alegações: (a)
violações dos artigos 7(3) e 7(4) da Convenção Americana em relação
aos processos tramitados durante a detenção do senhor Ramnarace; (b)
violações do artigo 8(2)(f) da Convenção em
relação a suposta incapacidade do senhor Ramnarace para fazer perguntas
novamente a uma testemunha durante seu segundo julgamento. 4.
A petição do senhor Roach incluia também as seguintes alegações: (a)
violações dos artigos
XVII e XXVI da Declaração
Americana e os artigos 24 e 25 da Convenção
Americana, em relação à denegação de acesso aos tribunais e a um
recurso interno eficaz pelas violações dos direitos
humanos do senhor Roach. 5.
Até a data de elaboração deste relatório, a Comissão não tinha
recebido nenhuma informação
ou observações do Estado com respeito às petições dos senhores Roach e
Ramnarace. 6.
Após examinar as duas denúncias, a Comissão decidiu acumular as
petições e tramitá-las conjuntamente de conformidade com o artigo
29(1)(d) do Regulamento da Comissão,
baseando-se em que as reclamações de ambas petições foram originadas dos
mesmos processos penais e, portanto, abordan fatos similares, envolvem as
mesmas pessoas e revelam o mesmo padrão de conduta. 7.
Como indicado neste relatório, depois de analisar os argumentos
das partes sobre a questão de admissibilidade, e sem prejulgar os méritos
do caso, a Comissão decidiu admitir as reclamações de ambas petições
com respeito aos artigos 1, 2, 4, 5, 7, 8 e 25 da Convenção Americana e os artigos I, II, XVII, XVIII, XXV e
XXVI da Declaração Americana
e prosseguir com a análise do mérito
do caso. II.
TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO A. Petições e
Observações 8.
Após
receber a petição do senhor Roach, a Comissão remeteu as partes
pertinentes da petição ao
Estado mediante nota datada de 1º de dezembro de 2000.
A Comissão solicitou ao Estado que apresentasse suas observações
sobre a petição no prazo de 90 dias, conforme estipula o Regulamento
anterior da Comissão.[2]
De forma similar, após receber a petição
do senhor Ramnarace, a Comissão enviou as partes pertinentes da petição
ao Estado mediante nota datada de 19 de abril de 2001, solicitando-lhe que
encaminhasse informação sobre a petição em 90 dias. 9.
Por intermédio de uma comunicação datada de 14 de dezembro de
2000, que foi recebida pela Comissão em 18 de dezembro de 2000, o Estado
notificou ter recebido a comunicação da Comissão
em 1 de dezembro de 2000 referente a petição do senhor Roach.
Igualmente, mediante nota de 9 de maio de 2001, recebida pela Comissão
em 14 de maio de 2001, o Estado notificou ter recebido a comunicação da Comissão de 19 de abril de 2001 com respeito a petição do
senhor Ramnarace. 10.
Em comunicação datada de 6
de junho de 2001, que foi recebida
pela Comissão em 12 de juno de
2001, os peticionários remeteram informação adicional no caso do senhor
Roach, a saber: uma cópia da ordem
do Comitê Judicial do Conselho Privado de 2 de novembro de
2000 desestimando o Pedido de Autorização Especial para Apelar do senhor
Roach. 11.
Até a data de elaboração deste relatório, a Comissão não tinha recebido
resposta do Estado ao pedido de informação sobre as petições dos
senhores Roach e Ramnarace. B.
Medidas Cautelares 12.
Ao mesmo tempo em que foram remetidas as partes pertinentes das petições
dos senhores Roach e Ramnarace
ao Estado, a Comissão solicitou ao Estado que adotasse medidas cautelares,
de conformidade com o artigo 29 de seu Regulamento anterior, para suspender
a execução dos senhores Roach e Ramnarace até que a Comissão tivesse
investigado as alegações de suas denúncias.
Esta solicitação foi feita porque se o Estado viesse a executar as supostas
vítimas antes de que a Comissão tivesse a oportunidade de examinar seus
casos, qualquer decisão posterior seria discutível quanto aos recursos
disponíveis, e os senhores Roach e Ramnarace sofreriam danos irreparáveis.
A Comissão não recebeu uma resposta do Estado com relação à
solicitação de medidas cautelares. C.
Medidas Provisórias 13.
Face ao absoluto silêncio do Estado quanto as solicitações de
medidas cautelares formuladas pela Comissão,
em 18 de outubro de 2001, a Comissão solicitou, de conformidade com o
artigo 63(2) da Convenção Americana e o artigo 25 do Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada
“a Corte”), que a Corte ampliasse suas
medidas provisórias no Caso James e
outros de modo que incluisse os senhores Roach e Ramnarace. 14.
Em 25 de outubro de 2001, o Presidente da Corte Interamericana decidiu ordenar que Trinidad e Tobago
tomasse todas as medidas necessárias para preservar a vida dos senhores
Roach e Ramnarace, de maneira que a Corte pudesse examinar a viabilidade da
solicitação da Comissão
durante seu LIII Período Ordinário de Sessões. Posteriormente, em
6 de novembro de 2001, a Corte Interamericana durante seu LIII Período
Ordinário de Sessões decidiu ratificar a Ordem do Presidente datada de 25
de outubro de 2001 e exigir que Trinidad e Tobago adotasse todas as medidas
necessárias para preservar a vida e a integridade pessoal de Sheldon Roach
e Beemal Ramnarace, de modo que não se obstaculizara o trâmite de seus
casos perante o sistema interamericano para a proteção dos direitos humanos.
III.
POSIÇÕES DAS PARTES A. Posição dos
Peticionários 1. Antecedentes
das Denúncias 15.
Segundo os expedientes destas denúncias, Sheldon Roach e Beemal
Ramnarace foram detidos em 2 de
agosto de 1993 pelo assassinato
de Ian Wayne Poon, perpetrado em julho de 1993. Foram julgados junto com seu
co-réu Aroon Mohammed e condenados em 25 de abril de 1996. Na apelação
interposta junto ao Tribunal de Apelação de Trinidad e Tobago, as três
sentenças condenatórias foram anuladas e foi ordenado um novo julgamento.
Os três réus foram então novamente julgados em novembro e dezembro de 1998 e
novamente condenados e sentenciados a morte em 16 de dezembro de 1998. Os três
réus apelaram novamente das sentenças e na resolução judicial datada de
3 de novembro de 1999, o Tribunal de Apelação de Trinidad e Tobago anulou
a sentença condenatória de Aroon Mohammed baseando-se no fato de que o
termo de confissão que este prestou não
deveria ter sido admitido no processo, porém não foi ordenado novo
julgamento para o senhor Mohammed. As apelações dos senhores
Roach e Ramnarace foram desacolhidas. 16.
Tanto o senhor Roach como o senhor Ramnarace apresentaram então uma
solicitação de Autorização Especial para Apelar da decisão do Tribunal
de Apelação perante o Comitê Judicial do Conselho Privado, o qual
desacolheu sua petição em 2 de novembro de 2000. 17.
O assassinato de Ian Wayne Poon ocorreu devido a um frustrado roubo
de um estabelecimento que vendia comida rápida em Tunapuna, onde o senhor
Poon trabalhava como supervisor. A promotoria alegou que os três réus
incorreram em roubo e
assassinato, e indicou como causa da morte
asfixia por imersão da cabeça
do falecido num balde de água enquanto era amordaçado. Foram extraidos
$10,000.00 dólares TT do cofre do local, juntamente com 50 entradas
numeradas para um concerto de Steel Pulse em agosto de 1993. A promotoria
baseou-se nos depoimentos prestados por cada um dos acusados no dia de sua
detenção, os quais supostamente implicavam aos três num plano para roubar
o local de comida de preparação rápida. A promotoria também baseiou-se
na descoberta de um relógio de pulso em poder do senhor Ramnarace, o qual
foi posteriormente identificado como propriedade do falecido. A única prova
que implicava o senhor Roach era o depoimento que prestou à polícia depois
de sua detenção. 18.
Em sua defesa, os
senhores Roach e Ramnarace argumentaram que seus depoimentos escritos eram
inadimissíveis pois foram falsificados pela polícia ou prestados sob coação.
As tentativas de excluir em juízo os depoimentos prestados não prosperaram.
Os réus também opuseram-se ao depoimento do sargento Sealei, um oficial de
investigações da Brigada de Homicídios de Tunapuna, quem havia falecido
no período entre os dois julgamentos dos réus e cujo depoimento prestado
no primeiro julgamento foi usado no segundo julgamento. 2. Posição dos peticionários com respeito à admissibilidade 19.
Com relação à admissibilidade de suas denúncias, nos casos do senhor Roach e o senhor Ramnarace, os peticionários
proporcionaram informação que indicava que as supostas vítimas apelaram
sem êxito da sua segunda sentença condenatória perante o Tribunal de
Apelação de Trinidad e Tobago, mas esta apelação foi desacolhida em 3 de
novembro de 1999. Posteriormente, apresentaram uma solicitação de Autorização
Especial para apresentar Recurso de Apelação como Pessoa Pobre perante o
Comitê Judicial do Conselho Privado, o mais alto órgão de apelação em
Trinidad e Tobago, mas o pedido foi rejeitado em 2 de novembro de 2000. 20.
Os peticionários informam que nem o senhor Roach nem o senhor
Ramnarace interpuseram recursos de inconstitucionalidade perante os
tribunais internos de Trinidad e Tobago devido a falta de recursos para
custear sua própria defesa e a falta de disponibilidade de assistência jurídica
para interpor estes recursos em Trinidad e Tobago[3]. 21.
Adicionalmente, os peticionários indicaram em ambas denúncias que a
matéria dos casos não foi
submetida a exame em nenhuma outra instância de investigação ou solução
internacional. 3. Posição dos peticionários com respecto ao mérito de sua petição 22.
Quanto à avaliação sobre a admissibilidade das presentes petições,
a Comissão observa que os peticionários apresentaram em cada denúncia
cinco alegações similares: (a)
o Estado é responsável pela violação dos
direitos do senhor Roach e do senhor Ramnarace contidos nos artigos I, XVIII e XXVI da Declaração Americana e os artigos 4 e 5 da Convenção
Americana, devido ao carácter obrigatório das penas de morte que lhes
foram impostas ao senhor Roach
e ao senhor Ramnarace. Em particular, os peticionários alegam que ao
requerer a imposição da pena
de morte para toda pessoa condenada pelo delito de homicídio, se elimina a possibilidade de que a lei
penal em Trinidad e Tobago reserve esta pena somente para os delitos mais
graves, produz resultados arbitrários e representa a imposição de uma
pena cruel e injusta; (b) o Estado é responsável pela violação
dos direitos do senhor Roach e do senhor Ramnarace de conformidade
com o artigo XXVI da Declaração
Americana e o artigo 8(3) da Convenção,
porque os depoimentos prestados pelo senhor
Roach e o senhor Ramnarace depois de sua detenção foram obtidas sob coação
pela polícia, não obstante estes depoimentos foram utilizados
contra eles no juízo que os condenou; (c)
o Estado é responsável pela vioação dos
direitos do senhor Roach e do senhor Ramnarace de conformidade com os
artigos XXV e XXVI da Declaração
Americana e os artigos 7(5) e 8(1) da Convenção Americana, devido a demora
de 5 anos e 3 meses entre suas detenções ocorridas em 2 de agosto de 1993
e o início de seu segundo julgamento em novembro de 1998; (d)
o Estado é responsável pela violação dos
direitos do senhor Roach e do senhor Ramnarace de conformidade com o artigo
XXVI da Declaração Americana
e o artigo 5 da Convenção
Americana, com relação ao tratamento e as condições dos reclusos
durante sua detenção. Há alegações de que durante prolongados períodos
de tempo, as supostas vítimas foram submetidas
a condições de confinamento e falta de higiene em instalações carcerárias
deficientes, com insuficiente provisão de alimentos e atenção médica. No
caso do senhor Beemal Ramnarace, os peticionários também alegam que este
foi submetido a abusos físicos e verbais por parte dos guardas da prisão; (e)
o Estado é responsável pela violação dos
direitos do senhor Roach e do senhor Ramnarace de conformidade com os
artigos XVIII e XXVI da Declaração
Americana e os artigos 4, 5 e 8 da Convenção Americana, como consequência da forma em que foi
conduzido seu julgamento conjunto e a apelação. Em particular, alegam que
o juiz da causa não conduziu uma investigação completa sobre a suposta
parcialidade de parte do jurado, que o juiz cometeu erros em seu resumo das
atuações e formulação de instruções ao jurado, e que o Tribunal de
Apelação, tendo declarado inadmissível o depoimento de Aroon Mohammed, não
considerou o efeito deste depoimento inadmissível sobre o curso do
julgamento, e em particular, seus efectos adversos sobre o senhor Roach e o
senhor Ramnarace. No caso do senhor Ramnarace, os peticionários também
objetam o desacolhimento por parte do Tribunal de Apelação e o efeito
prejudicial da prova injustamente apresentada - o relógio de pulso do falecido. 23.
Em relação ao senhor Ramnarace, os peticionários argumentam que: (a)
o Estado é responsável pela violação dos
direitos do senhor Ramnarace de conformidade com os artigos 7(3) e 7(4) da Convenção
Americana, baseando-se no fato de que no momento
de sua detenção, o senhor Ramnarace não foi advertido ou informado das
razões dela nem de seu direito
a consultar um advogado enquanto estava detido; (b)
o Estado é responsável pela violação do
direito do senhor Ramnarace de conformidade com o artigo 8(2)(f) da Convenção,
que dispõe que este pode examinar as testemunhas que comparecem perante um
tribunal e obter o comparecimento, na qualidade de testemunhas, de
especialistas e outras pessoas que possam esclarecer os fatos, tendo em
vista que no durante seu segundo julgamento, não pode questionar o sargento
Sealei, quem havia falecido no
período entre seu primeiro e segundo julgamento. 24.
Em sua petição, o senhor Roach tambem alega que o Estado é responsável
pela violação dos seus direitos dispostos nos artigos XVII e XXVI da Declaração
Americana e os artigos 24 e 25 da Convenção
Americana, com relação a suposta falta que cometeu o Estado ao não
proporcionar ao senhor Roach o aceesso efetivo a recursos de
inconstitucionalidade perante os tribunais de Trinidad e Tobago para a proteção
de seus direitos humanos no âmbito nacional e internacional. Alega, em
particular, que o artigo 14 da Constituição de Trinidad e Tobago outorga as
pessoas o direito de interpor um recurso de inconstitucionalidade perante o
Tribunal Superior, mas que este direito não tem verdadeira vigência porque
os trâmites são extremamente caros e não estão ao alcance dos recursos
econômicos do senhor Roach, e também devido a falta de assistência jurídica
para interpor estes recursos.
B. Posição do
Estado
25.
Como indicado anteriormente, a Comissão remeteu as partes
pertinentes das petições dos senhores
Roach e Ramnarace ao Estado, respectivamente, em 7 de dezembro
de 2000 e em 19 de abril de 2001, solicitando que o Estado
proporcionasse a informação pertinente em
relação às denúncias dos peticionários
no prazo de 90 dias. Apesar
destas solicitações, até a data em que foi elaborado este relatório, a
Comissão não havia recebido nenhuma informação ou observação do Estado
com respeito às petições das supostas vítimas. IV.
ANÁLISE A.
Acumulação de Petições 26.
Os fatos alegados nas petições formuladas em nome do senhor Roach e
o senhor Ramnarace, conforme
escrito anteriormente, indicam que ambas vítimas eram co-réus num processo penal relacionado com a morte do mesmo indivíduo. Os
fatos também indicam que as afirmações do senhor Roach e do senhor
Ramnarace perante a Comissão estão relacionadas
com o tratamento que receberam de parte do Estado no curso deste
processo penal e alegam algumas das mesmas violações da Convenção
Americana e da Declaração Americana com relação a este tratamento. Por
conseguinte, a Comissão considera que as petições do senhor Roach e do
senhor Ramnarace abordam fatos similares, envolvem as mesmas pessoas e
revelam um padrão de conduta similar. Portanto, a Comissão decidiu, de
conformidade com o artigo 27(1)(d) de seu Regulamento, acumular e tramitar
conjuntamente as petições de Sheldon Roach e Beemal Ramnarace.
B. Competência da
Comissão 27.
A República de Trinidad e Tobago tornou-se
parte da Convenção Americana sobre Direitos Humanos quando depositou seu
instrumento de ratificação desse tratado em 28 de maio de 1991.[4]
Trinidad e Tobago denunciou posteriormente a Convenção Americana
por meio de uma notificação apresentada com um ano de antecedência, em 26
de maio de 1998, de conformidade com o artigo 78 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, a qual dispõe: 78(1)
Os Estados Partes poderão denunciar esta Convenção depois de
expirado um prazo de cinco anos, a partir da data da entrada em vigor da
mesma e mediante aviso prévio de um ano, notificando o Secretário-Geral da
Organização, o qual deve informar as outras Partes. (2).
Tal denúncia não terá o efeito de desligar o Estado Parte interessado das
obrigações contidas nesta Convenção, no que diz respeito a qualquer ato
que, podendo constituir violação dessas obrigações, houver sido cometido
por ele anteriormente à data na qual a denúncia produzir efeito. 28.
De
conformidade com os termos
claros do artigo 78(2), os Estados Partes da Convenção
Americana acordaram que uma denúncia realizada por qualquer deles não
liberaria ao Estado denunciante de suas obrigações estabelecidas na Convenção
a respeito das ações adotadas por esse Estado antes da data efetiva da denúncia
que podem constituir uma violação dessas obrigações. De acordo com a
Convenção, as obrigações de um Estado parte abarcam
não somente aquelas disposições da Convenção relacionadas com os
direitos e liberdades susbtantivos garantidos pela mesma, mas também as
disposições relacionadas com os mecanismos de supervisão, incluidos
aqueles contidos no Capítulo
VII da Convenção relativos à jurisdição, funções e poderes da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos.[5]
Portanto, apesar de
Trinidad e Tobago ter denunciado a Convenção, a Comissão continuará
tendo jurisdição sobre as denúncias de violações da Convenção
por parte de Trinidad e Tobago com relação às medidas adotadas pelo
Estado antes de 26 de maio de 1999. Conforme a jurisprudência estabelecida,[6]
isto inclui medidas adotadas pelo Estado
antes de 26 de maio de 1999, inclusive se as consequências dessas medidas
continuam manifestando-se depois desta data.
29.
Com respeito as
medidas adotadas pelo Estado depois de 26 de maio de 1999, o Estado continua
obrigado em virtude da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, e da autoridade da Comissão
para supervisionar o cumprimento desse instrumento pelo Estado, o qual
depositou seu instrumento de ratificação da Carta da OEA
em 17 de maro de 1967 convertendo-se assim num Estado membro da OEA.[7] 30.
Neste caso, a informação disponível indica que uma quantidade
predominante dos acontecimentos
alegados pelo senhor Roach e o
senhor Ramnarace supostamente ocorreram em sua totalidade antes
de 26 de maio de 1999, enquanto que outros podem ter ocorrido antes de 26 de
maio de 1999 mas que cujos efeitos continuaram depois dessa data. Também
outros fatos podem ter ocorrido totalmente depois de 26 de maio de 1999.
Estas circunstâncias ensejam uma possível aplicação alternativa ou
conjunta da Convenção
Americana e da Declaração
Americana às alegações formuladas pelo senhor
Roach e o senhor Ramnarace em suas petições.
31.
Tendo
em vista a natureza das alegações dos peticionários,
a Comissão considera que somente mediante a análise dos méritos
das reclamações dos peticionários
pode determinar corretamente a natureza e o alcance de qualquer ato do qual
o Estado possa ser responsável e por conseguinte determinar a
aplicabilidade da Convenção Americana ou da Declaração Americana a estes atos. A Comissão conclui,
portanto, que tem competência para considerar as reclamações do senhor
Roach e do senhor Ramnarace de conformidade com ambos instrumentos, e
incorporará ao mérito do caso a determinação da aplicabilidade
específica da Convenção
Americana ou da Declaração
Americana, alternativa ou conjuntamente, a cada uma das reclamações
apresentadas pelas supostas vítimas.
C. Admissibilidade
1. Duplicação de
trâmites 32.
O artigo 46(1)(c) da Convenção
e o artigo
33(1) do Regulamento da Comissão
estabelecem que para que uma petição ou comunicação seja admitida pela
Comissão, a matéria da mesma
não deve estar pendente de outro procedimento internacional,
ou se essencialmente duplica uma petição pendente ou já examinada e
solucionada pela Comissão ou por outra organização governamental internacional
da qual o Estado em questão seja membro. 33.
No
caso do senhor Roach e do senhor Ramnarace, os peticionários indicaram que
suas petições não foram submetidas a exame de nenhuma outra instância
internacional de investigação ou solução. O Estado não questionou sobre
a duplicação. A Comissão, portanto, não encontra impedimento algum para
considerar as reclamações do senhor Roach e do senhor Ramnarace de
conformidade com o artigo 46(1)(c) da Convenção Americana e o artigo 33(1) do Regulamento da Comissão. 2.
Esgotamento dos recursos
internos 34.
O artigo
46(1) da Convenção e o artigo
31(1) do Regulamento da Comissão
estabelecem que
para que uma petição ou comunicação apresentada conforme os artigos 44
ou 45 seja admitida pela Comissão,
é necessário o esgotamento prévio dos
recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios do
direito internacional geralmente reconhecidos. A
jurisprudência do sistema
interamericano não deixa claro, porém, que
a regra que requer o esgotamento prévio dos recursos internos está desenhada para o bem do Estado, já
que procura eximir o mesmo de ter que responder
a acusações perante um órgão internacional por atos imputados a este
antes de que tenha tido a oportunidade de repará-los por meios internos.
Segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, este requisito é
considerado como um meio de defesa e, como tal, pode-se renunciar ao mesmo,
incluso tácitamente. Ademais, uma renúncia, uma vez em vigor, é irrevogável.[8]
Em face desta renúncia, a Comissão não está obrigada a considerar um
possível impedimento à admissibilidade da petição que pudese ter sido
adequadamente formulado por um Estado com relação ao esgotamento dos recursos
internos. 35.
No presente caso,
o Estado não apresentou nenhuma observação nem informação a
respeito da admissibilidade das reclamações das supostas vítimas. Por
conseguinte, a Comissão considera que o Estado renunciou, de forma implícita
ou tácita, a seu direito de objetar a admissibilidade das petições
alegando o descumprimento do requisito de esgotamento dos recursos internos. Portanto, a Comissão considera que as
reclamações dos peticionários não enfrentam nenhum impedimento legal em
virtude do artigo 46(1)(a)
da Convenção ou o artigo
31(1) de seu Regulamento. 3.
Apresentação da petição
no prazo 36.
O artigo 46(1)(b) da Convenção Americana e o artigo
32(1) do Regulamento da Comissão
estabelecem que para admitir uma petição é necessário: “que seja
apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o suposto
ofendido em seus direitos tenha sido notificado da
decisão definitiva”. 37.
No presente caso, a Comissão determinou que a República de Trinidad
e Tobago renunciou a seu direito a argumentar que os recursos internos não
estavam esgotados, e em consequência, o requisito contido no artigo
46(1)(a) da Convenção Americana e o artigo 31(1) do Regulamento da Comissão
não são aplicáveis. Entretanto, o requisito sobre o esgotamento dos recursos
internos é independente do requisito da apresentação da petição dentro
dos seis meses seguintes à sentença que esgota os recursos
internos. A Comissão deve,
portanto, decidir se estas petições foram apresentadas dentro de um prazo
razoável. A este respeito, a Comissão observa que o Comitê Judicial do
Conselho Privado desestimou a solicitação do senhor Roach e do senhor Ramnarace de Autorização Especial para apresentar
Recurso de Apelação em 2 de novembro de 2000, que a petição do senhor
Roach foi apresentada perante a Comissão em 27 de novembro de 2000, e que a
petição do senhor Ramnarace foi apresentada perante a Comissão em 2 de
abril de 2001. Em face destas circunstâncias particulares destas petições,
a Comissão entende que estas foram apresentadas dentro de um prazo razoável. 4.
Demanda aparente 38.
O artigo
47, letra (b) da Convenção e
o artigo
34(a) do Regulamento da Comissão
estabelecem que a
Comissão declarará inadmissível toda petição ou comunicação
apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 quando "não exponha
fatos que caracterizem uma violação dos direitos garantidos por esta
Convenção ou outros
instrumentos aplicáveis. O artigo 47(d) da Convenção
e o artigo 34(b) do Regulamento da Comissão
estipulam que a Comissão considerará inadmissível qualquer comunicação
quando a petição resulte da exposição
do próprio peticionário ou do Estado
manifestadamente infundada ou seja evidente sua total improcedência.
39.
No presente caso, os
peticionários alegaram que o Estado violou os direitos do senhor Roach
e do senhor Ramnarace dispostos
nos artigos 4,
5, 7, 8, 24 e 25 da Convenção
Americana e os artigos I,
II, XVIII, XXV e XXVI da Declaração
Americana. Conforme a informação apresentada pelos peticionários, resumida na Parte III do presente relatório, e sem prejulgar o mérito do
caso, a Comissão considera que as petições dos peticionários contêm alegações de fato que, se provadas
verdadeiras, tendem a presumir violações dos direitos garantidos tanto pela Convenção Americana como pela
Declaração Americana, ou
ambas, e que as declarações dos peticionários
não são, na informação
apresentada, manifestadamente
infundadas nem é evidente sua total improcedência. Por conseguinte, não há
impedimento algum à admissibilidade das reclamações das petições, de
conformidade com os artigos 47(b) e 47(c) da Convenção
e o artigo 34(a) e (b) do Regulamento
da Comissão. V.
CONCLUSÕES 40.
A Comissão Interamericana conclui que tem competência para conhecer
o mérito deste caso e que as petições são admissíveis de conformidade
com os artigos 46 e 47 da Convenção Americana
e os artigos de 31 a 34 do Regulamento da Comissão. 41.
Com base nos argumentos de fato e de direito expostos anteriormente,
e em face do momento
particular em que ocorreram os acontecimentos alegados nas petições tal e
como foram expostos, e
sem prejulgar o mérito da questão,
A
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, DECIDE: 1.
Acumular e tramitar conjuntamente as petições de Sheldon Roach e
Beemal Ramnarace. 2.
Declarar admissívels as reclamações do senhor Roach
e do senhor Ramnarace relacionadas
com os artigos 4,
5, 7, 8, 24 e 25 da
Convenção Americana e os
artigos I, II, XVII, XVIII, XXV e XXVI da Declaração
Americana. 3.
Notificar
o Estado e os peticionários desta decisão. 4.
Continuar com a análise sobre o mérito da questão. 5.
Publicar esta decisão e incluí-la no Relatório Anual a ser apresentado à Assembléia Geral da OEA. Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia 27 de fevereiro de
2002. (Assinado): Juan Méndez, Presidente; Marta Altolaguirre, Primeira
Vice-Presidente;
José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente, Membros da Comissão
Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Robert. [ íNDICE | ANTERIOR |PRÓXIMO ]
[1] Lei de Delitos contra a Pessoa (3 de abril de 1925), Leis de Trinidad e Tobago, Cap. 11:08. A Seção 4 da Lei estipula a pena de morte como a pena obrigatória para o delito de homicídio, dispondo que "[t]oda pessoa condenada por homicídio deverá sofrer a morte”. [2] Durante o109 período extraordinário de sessões de dezembro de 2000, a Comissão aprovou o Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o qual substituiu o Regulamento anterior da Comissão de 8 de abril de1980. De acordo com o artigo 78 do Regulamento da Comissão, o Regulamento entrou em vigência em 1º de maio de 2001. [3]
Em
apoio a sua posição sobre a impossibilidade de interpor um recurso de
inconstitucionalidade nas circunstâncias das supostas vítimas, os
peticionários citam as decisões do Comitê de Direitos Humanos das Nações
Unidas em Little c. Jamaica, Comunicação Nº 283/1988, Nações
Unidas, Documento Nº CCPR/C/43/D/283/1988, Reid c. Jamaica, Comunicação
Nº 725/1987, Nações
Unidas, Documento Nº CCPR/PR/C/39/D/725/1987; Collins c. Jamaica,
Comunicação Nº 356/1989, Nações Unidas, Documento Nº CCPR/C/47/D/356/1989,
Smith c. Jamaica, Comunicação Nº 282/1988, Nações Unidas, Documento
Nº CCPR/C/47/D/282/1988, Campbell c. Jamaica, Comunicação Nº
248/1987, Nações Unidas, Documento Nº CCPR/C/44/D/248/1987, e Kelly
c. Jamaica, Comunicação Nº 253/1987, Nações Unidas, Documento Nº
CCPR/C/41/D/253/1987. [4]
Documentos
Básicos em Materia de Direitos Humanos no Sistema Interamericano, OEA/Ser.L/I.4
rev. 8 (22 de maio de 2001), pág. 48. [5]
Ver
de forma análoga Corte Interamericana de Direitos Humanos, Baruch
Ivcher Bronstein c. Perú, Jurisdição, Sentença (24 de setembro de
1999), par. 37 (em que se indica que o dever dos
Estados Partes da Convenção Americana sobre Direitos Humanos de garantir
o cumprimento de suas disposições não somente é aplicável em
relação as normas substantivas desse tratado mas também em relação
as normas processuais). [6]
De
conformidade com a jurisprudência da
Corte e da Comissão Interamericanas de Direitos Humanos e outros
tribunais internacionais de direitos humanos, os instrumentos de
direitos humanos podem ser aplicados corretamente com respeito a atos
que ocorrem antes da ratificação desses instrumentos mas que são de carácter
permanente e cujos efeitos continuam depois da
entrada em vigor dos instrumentos.
Ver por exemplo Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Blake,
Exceções Preliminares, Sentença de 2 de julo de 1996, Serie C, No.
27, par. 33-34
e 46; CIDH, João Canuto de Oliveira c. Brasil, Relatório Nº 24/98,
Relatório Anual da CIDH de
1997, par. 13-18. Ver de
forma análoga Corte Européia de Direitos Humanos, Papamichalopoulos et
al. c. Grecia, 24 de junho de 1993, Serie A, Nº 260-B, pág. 69-70, 46.
[7]
O
artigo 20 do Estatuto da CIDH dispõe que, em relação aos
Estados membros da OEA que não son parte da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a Comissão
examinará as comunicações que lhe sejam dirigidas e qualquer informação disponível se dirigirá ao governo de qualquer
dos Estados membros não
partes na Convenção com o
fim de obter mais informações que considere pertinentes e lhes
formulará recomendações, quando o considere apropriado, para fazer
mais efetiva a observância dos direitos
humanos fundamentais. Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos,
Opinião Consultiva OC-10/89 Interpretação da
Declaração Americana dos Direitos
e Deveres do Homem no marco do artigo 64 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, 14 de julho de
1989, Serie A, Nº 10 (1989), par. 35-45; CIDH, James Terry Roach e Jay
Pinkerton c. Estados Unidos, Caso 9647, Res. 3/87,
22 de setembro de1987, Relatório Anual de 1986-87, par. 46-49. [8]
Corte
Interamericana de Direitos Humanos, Caso Loayza Tamayo, Exceções
Preliminares, Sentença de 31 de janeiro de 1996, Series C, No. 25, par.
40.
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