PALAVRAS DO SENHOR JUAN E. MÉNDEZ, PRESIDENTE DA  COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E RELATOR ESPECIAL PARA TRABALHADORES MIGRANTES E MEMBROS DE SUAS FAMÍLIAS

 

SESSÃO DE TRABALHO COMISSÃO DE ASSUNTOS JURÍDICOS E POLÍTICOS DA  ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS

 

Washington, D.C., 4 de abril de 2002

 

 

Senhor Presidente da  Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos da  Organização dos Estados Americanos, distinguidos Embaixadores e Representantes Permanentes, senhoras e senhores:

 

Dirigo-me  aos senhores com o objetivo de apresentar um breve resumo do trabalho realizado pela Relatoria Especial de Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias da  Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e, em particular, os avanços em relação ao programa Interamericano de Promoção dos  Direitos Humanos dos  Migrantes.  Começo recordando que este programa foi uma iniciativa impulsionada pelos Chefes de Estado e Governo durante a Terceira Cúpula das Américas, celebrada em abril do ano passado na cidade de Québec, Canadá. Como os senhores provavelmente sabem, naquela oportunidade as máximas autoridades da região conferiram um mandato especial à OEA para o estabelecimento de: "um programa interamericano, dentro da OEA, para a promoção e proteção dos  direitos humanos dos  migrantes, incluindo os trabalhadores migrantes e suas famílias, tomando em consideração as atividades da CIDH, e apoiando o trabalho encomendado ao Relator Especial sobre Trabalhadores Migrantes da  CIDH e a Relatora Especial para as Migrações das Nações Unidas."

 

A pretexto de introdução e com o propósito de explicar o trabalho realizado pela CIDH em favor dos trabalhadores migrantes e suas famílias, desejo iniciar esta apresentação explicando a gênese, características e atividades da  Relatoria Especial. Dada a enorme problemática que a migração vem adquirindo na última década, em virtude de seu amplo mandato de proteção em matéria de direitos humanos, a CIDH decidiu criar em 1997 a Relatoria Especial de Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias. É importante destacar que a criação desta Relatoria reflere o interesse de parte dos  Estados em prestar especial atenção a um grupo que, em virtude de sua vulnerabilidade, está especialmente exposto à violações de direitos humanos. Através dos  anos, a CIDH vem tomando conhecimento da  preocupante situação de direitos humanos que afeta estas pessoas mediante visitas in loco, denúncias que recebeu sobre violações de direitos humanos e a celebração de audiências especiais para tratar do tema.

 

É importante esclarecer  que, ao criar esta Relatoria Especial, a CIDH delimitou seu campo de ação unicamente aos trabalhadores migrantes e suas famílias quando estes encontram-se no estrangeiro. Neste sentido, a CIDH assinala que não pode englobar outras categorias de pessoas que migram como migrantes internos, deslocados internos, apátridas, refugiados ou solicitantes de asilo. Contudo, a CIDH é consciente da  existência de princípios comuns que são aplicáveis a estas categorias e que migrantes internos, refugiados, deslocados internos, apátridas e solicitantes de asilo podem, em determinadas ocasiões, transformar-se em trabalhadores migrantes ou vice-versa. Nestes casos, a Relatoria ocupa-se destas pessoas no que se refere a sua condição de trabalhadores migrantes.

 

A iniciativa da  CIDH de criar uma Relatoria Especial sobre Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias teve uma acolhidad favorável por parte dos Chefes de Estado das Américas. A este respeito, no Plano de Ação da  Segunda Cúpula das Américas, celebrada em Santiago de Chile em 1998, os Chefes de Estado das Américas assinalaram: "dedicaremos esforços especiais para garantir os direitos humanos de todos os migrantes, incluindo os trabalhadores migrantes e suas famílias".

 

Em relação ao funcionamento da Relatoria, foi decidido que o cargo de Relator seria ocupado por um dos sete membros da Comissão que integram a CIDH. Também foi estipulado que o Relator Especial para Trabalhadores Migrantes desempenhe suas funções por períodos de quatro anos. Durante seu primeiro período (1997- 2000), a Relatoria esteve a cargo do historiador colombiano Alvaro Tirado Mejía. Posteriormente, durante seu 106º período ordinário de sessões, efetuado em março de 2000, a CIDH designou-me para o posto  de Relator Especial.

 

Para realizar o seu trabalho, o Relator Especial conta com o  apoio da  Secretaria Executiva da  CIDH e de uma pequena equipe de colaboradores. Atualmente esta equipe está composto por um advogado da  Secretaria da  CIDH que dedica parte de seu tempo a este tema e um consultor especializado em temas dos migrantes. Adicionalmente e aproveitando minha vinculação com a Universidade de Notre Dame, decidi também envolver alguns dos meus alunos e asssistentes de investigação no trabalho da  Relatoria.

 

A Relatoria Especial de Trabalhadores Migrantes tem vários objetivos. Entre os mais importantes são: (a) gerar consciência quanto ao dever dos  Estados de respeitar os direitos humanos dos trabalhadores migrantes e suas famílias; (b) apresentar recomendações específicas aos Estados Membros da  OEA sobre matérias relacionadas com a proteção e promoção dos  direitos humanos destas pessoas, a fim de que sejam adotadas medidas em seu favor; (c) elaborar relatórios e estudos especializados sobre a situação dos  trabalhadores migrantes e sobre temas relativos à migração em geral; e (d) atuar com prontidão a respeito das petições ou comunicações onde os direitos dos  trabalhadores migrantes e suas famílias são vulnerados em algum Estado membro da  OEA. A Relatoria desenvolve estes quatro objetivos mediante diferentes ações e atividades conforme o seu mandato e o campo de ação da  CIDH. 

 

Com relação à apresentação de petições, a CIDH atualmente conhece vários casos  de supostas violações aos direitos humanos dos trabalhadores migrantes e suas famílias nos países membros da OEA. Estes incluem dois casos contra a República Dominicana referente à  expulsão ou ameaça de expulsão de cidadãos haitianos e dominicanos de origem haitiano, e dois casos contra Costa Rica relativos à expulsão de cidadãos nicaraguenses. Em dezembro  passado, a CIDH celebrou uma audiência especial para tratar de um caso contra os Estados Unidos relativo a morte de imigrantes mexicanos e centro-americanos durante o cruzamento da  fronteira mexicana e norte-americna por lugares não habilitados. A admissibilidade deste caso está sendo estudada.

 

É importante mencionar que no ano passado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu uma sentença relativa ao direito de nacionalidade no  Peru e que a CIDH aprovou um relatório sobre os cidadãos  de origen cubana que sairam de seu país durante a década de oitenta em uma balsa flutuante procedente do porto de Mariel e que foram detenidos por um tempo prolongado pelas autoridades norte-americanas.  

 

Com a finalidade de avançar nos objetivos traçados pela CIDH durante meu mandato, a Relatoria empreendeu uma série de atividades. Em relação ao trabalho de supervisão da condição dos  trabalhadores migrantes e suas famílias, bem como de temas de interesse geral vinculados à migração, a Relatoria desenvolve várias ações. É importante destacar que os trabalhos de seguimento sobre desenvolvimento da migração ajudam a equipe da  Relatoria a adquirir uma visão mais ampla e uma melhor compreensão sobre a complexa situação dos  trabalhadores migrantes e suas famílias nos Estados Membros da OEA.  Entre suas atividades de supervisão, a Relatoria estuda mudanças em matéria de legislação migratória e debates relativos a políticas migratorias nos Estados que integram a OEA. A Relatoria também dedica tempo para observar a evolução do contrabando, condução e tráfico ilícito de migrantes, bem como as respostas dos  Estados a este crescente problema. Adicionalmente, a Relatoria realiza estudos sobre como a difícil situação econômica e política que afeta vários estados na região vem gerando pressões migratórias e também afetando de maneira negativa o tratamento que recebem os trabalhadores migrantes e suas famílias em alguns países.  A Relatoria também  segue com muita atenção e interesse as mudanças em matéria de legislação e prática de controle migratório ocorridos nas Américas como consequência dos ataques terroristas em Nova York e Washington, DC em setembro último.

 

Como parte das atividades relativas a seu mandato, a Relatoria também estabelece contatos com governos para levar a cabo visitas in loco. Estas visitas são muito importantes, dado que permitem observar as condições dos  trabalhadores migrantes no local. Desta forma, nos dias 19 e 21 de novembro de 2001, com instruções dadas pelo Relator e apoio da  Secretaria Executiva da CIDH, dois integrantes da equipe da  Relatoria visitaram Costa Rica com o  objetivo de colher informação sobre a situação dos trabalhadores migrantes. A Relatoria elaborou um relatório que recentemente foi enviado ao Estado para receber comentários e sugestões. Este relatório – juntamente com os comentários do Estado – será inserido no próximo relatório anual da CIDH.  Tenho o prazer de destacar o amplo espírito de cooperação com que o citado Governo da Costa Rica recebeu meus colaboradores.

 

Há algumas semanas, respondendo a um convite do governo da Guatemala, visitei este país juntamente com minha equipe por um período de seis dias. Durante esta missão,  meus colaboradores e eu tivemos a oportunidade de reunir-mos com funcionários de governo e representantes de organismos intergovernamentais e da  sociedade civil que desenvolverm  ações a favor dos  trabalhadores migrantes e suas famílias. A Relatoria elaborará um completo relatório sobre a situação dos trabalhadores migrantes na Guatemala e apresentará recomendações ao governo guatemalteco, bem como as organizações intergovernamentais e entidades da  sociedade civil que interagem com esta população. É com prazer que informo que a Relatoria acordou com o governo do México a realização de uma visita durante o próximo mês de maio.

 

Como parte de sua gestão, a Relatoria também participa regularmente de conferências e foros intergovernamentais onde são discutidos problemas relativos à migração. Assim sendo, cabe destacar que a CIDH participa na qualidade de observador na Conferência Regional de Migrações (CRM), um foro intergovernamental composto por 11 países que inclui o Belize, Canadá, Costa Rica, República Dominicana, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá e os Estados Unidos. Me parece importante reiterar que a participação em foros intergovernamentais sobre temas relativos aos migrantes como aquele mencionado permite a Relatoria fazer importantes contatos, colher valiosa informação e desenvolver  relações de trabalho com os funcionários responsáveis em cada Estado pela política migratória.

 

Em relação ao desenvolvimento de vínculos institucionais com organismos intergovernamentais e entidades da  sociedade civil que trabalham a favor dos  trabalhadores migrantes, a equipe da  Relatoria mantêm reuniõe e contatos com diversas organizações dedicadas a estudar e supervisionar o fenômeno migratório nas Américas. Estes encontros servem como marco para o desenvolvimento de atividades conjuntas e o intercâmbio de informação destinadas a apoiar iniciativas que assegurem o bem-estar e o respeito aos direitos fundamentais dos  trabalhadores migrantes e suas famílias. Entre as organizações com as quais a Relatoria vem mantendo encontros estão a Organização Internacional para as Migrações (OIM), o Centro Latinoamericano de Demografia (CELADE), bem como organizações da  sociedade civil como a Rede Regional de Organizações Civis para as Migrações (RROCM).

 

A Relatoria tambémm dedica parte de seu tempo a trabalhos de investigação. Em seus dois últimos relatórios anuais a Relatoria incluiu capítulos sobre vários temas relativos à migração e à proteção e garantia dos  direitos humanos dos  trabalhadores migrantes e suas famílias. No último ano, por exemplo, minha equipe investigou temas como o impacto econômico das migrações e problemas relativos à condução, contrabando e tráfico de migrantes. Estes temas foram incluidos nos relatórios anuais da  Relatoria. A este respeito, parece-me importante assinalar que a CIDH considerou necesário realizar relatórios de progresso anuais sobre diferentes aspectos do fenômeno migratório desde uma perspectiva dos  direitos humanos. Optou-se por esta modalidade em lugar de apresentar um relatório único sobre a situação destas pessoas na região, visto que um relatório destas características seria difícil de elaborar dada a dimensão e complexidade do problema e, sobretudo, os recursos com os quais conta a Relatoria. A Relatoria espera que, com seus relatórios anuais, a análise e a discussão do fenômeno migratório tornem-se enriquecidos e contribuam para gerar consciência sobre a importância do fenômeno migratório nas Américas e sobre o dever dos  Estados de respeitar e garantir os direitos humanos dos  trabalhadores migrantes e suas famílias.

 

Após tere exposto um breve resumo dos trabalhos e objetivos da  Relatoria, gostaria de dedicar o resto de minha apresentação relatando os progressos realizados em relação ao  Programa Interamericano de Promoção e Proteção dos  Direitos Humanos dos  Trabalhadores Migrantes e suas Famílias. Acolhendo a inquietude dos  governantes dos  Estados Membros da  OEA, a Relatoria planejou e desenhou algumas das atividades do programa. Nossos planos contemplam a realização de seminários de capacitação sobre direitos humanos, a celebração de conferências para discutir temas relativos à migração e a publicação de relatórios sobre diversos temas relativos à situação dos  trabalhadores migrantes nas Américas.  Esperamos que os debates gerados resultem em propostas concretas de novos padrões de proteção dos  direitos dos  trabalhadores migrantes, a ser promulgados tanto no direito interno como no  plano internacional.

 

Durante o presente ano a Relatoria manteve reuniões com representantes da  OIM para estudar a possibilidade de organizar um programa conjunto de atividades de promoção e educação baseado no Programa Interamericano de Promoção e Proteção dos Direitos Humanos dos  Migrantes. É importante assinalar que no ano 2000, a CIDH e a OIM assinaram um acordo de cooperação.  Para debater os conteúdos do possível Programa Interamericano de Promoção, representantes da  OIM viajaram no mês de janeiro à sede da CIDH em Washington para manter conversações com a Secretaria Executiva da  CIDH e como Relator Especial para Trabalhadores Migrantes. Como parte destas tentativas, a CIDH está estudando a possibilidade de realizar seminários de capacitação em matéria de proteção de direitos humanos a funcionários governamentais e mebros da sociedade civil vinculados ao tema de trabalhadores migrantes e suas famílias. Os seminários buscariam sensibilizar os funcionários governamentais e os membros da  sociedade civil sobre a condição dos trabalhadores migrantes, além de oferecer informação e capacitação para que estas pessoas desempenhem suas funções de forma eficiente e respeitem os direitos humanos. 

 

Em dezembro passado membros de minha equipe reuniram-se com representantes do Centro Latinoamericano de Demografia (CELADE) da  Comissão Econômica para América Latina e o  Caribe (CEPAL) para trabalhar na preparação de um seminário hemisférico sobre migração e direitos humanos. A atividade será realizada idealmente no próximo mês de setembro na sede de CEPAL em Santiago de Chile, e contará com a cooperação, na qualidade de co-organizadores,  da  OIM, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Também participarão destacados especialistas em matéria migratória e direitos humanos da Amériaca do Norte, Sul e Central e do Caribe. Por intermédio da  Relatoria, a CIDH já confirmou sua participação.  Adicionalmente, a Relatoria manteve conversações preliminares com o Programa de Direitos Humanos da  Universidade de Chicago para participar num projeto de investigação que vinculará direitos humanos, migração e desenvolvimento econômico. As discussões apontam para a celebração de conferências e a publicação de estudos relativos ao tema. Do mesmo modo, como parte dos  esforços de publicar relatórios e estudos sobre migração, a Relatoria chegou a um acordo com a Faculdade de Direito da  Universidade de Vilanova, Estados Unidos, para desenvolver um estudo conjunto sobre legislação comparada em matéria de migração. A Relatoria considera que é importante envolver-se em discussões acadêmicas sobre o fenômeno migratório de maneira a incluir diferentes opiniões sobre este complexo problema. Uma análise rigorosa sobre este problema sem dúvida poderia contribuir para o desnho e a prática de políticas públicas que garantam e protegam os direitos dos  trabalhadores migrantes nas Américas. Pensamos que este esforço poderia eventualmente formar parte do Programa Interamericano de Promoção e Proteção dos  Direitos Humanos dos  Migrantes.

 

A Relatoria espera estar em condições de oferecer uma proposta mais detalhada e completa sobre um Programa Interamericano de Promoção dos  Direitos dos  Migrantes nos meses próximos.

 

Para concluir, gostaria de aproveitar a oportunidade de sua presença para solicitar apoio aos trabalhos realizados pela Relatoria. Infelizmente, apesar do interesse expressado pelos Estados Membros da  OEA em promover atividades destinadas a melhorar a situação dos  trabalhadores migrantes, como o mencionado Programa Interamericano de Promoção, o desenvolvimento do nosso trabalho vem sendo seriamente afetado pela falta de apoio financeiro. Até o ano passado as atividades desenvolvidas pela Relatoria foram possíveis somente graças a uma pequena contribuição do fundo geral da  OEA e um aporte de 50 mil dólares do governo do México ao fundo voluntário instituido pela CIDH ao criar a Relatoria.  Este ano a Relatoria obteve recursos finaceiros através de uma nova doação de 25 mil dólares do governo do México, e tem efetuado gestões para obter apoio econômico da  Fundação Ford. Apesar destas contribuições, para poder prosseguir com seu trabalho a Relatoria requer novos aportes financeiros por parte dos  Estados Membros da  OEA. A contribuição dos Estados ao  fundo voluntário da  Relatoria estabelecido pela Secretaria Executiva é vital para promover um Programa Interamericano de Promoção e Proteção dos  Direitos Humanos dos  Trabalhadores Migrantes.   Ademais, a diversidade de contruibuições, ainda que seja de pequenos valores, ajudaria em muito a conferir legitimidade e aceitação a esse Programa Interamericano e todas as outras tarefas da  Relatoria.  Neste sentido, parece-me importante ressaltar que foram justamente os Estados quem encomendaram a CIDH a criação deste programa, e que sem o apoio financeiro será extremamente difícil realizar este importante projeto. Dada esta situação, permito-me fazer uma chamado aos Embaixadores e representantes aqui presentes para que realizem gestões perante seus respectivos governos sobre a imperiosa necessidade da  Relatoria de receber novos recursos para desenvolver seu trabalho e levar a cabo o citado Programa Interamericano de Promoção e Proteção dos  Direitos Humanos dos  Trabalhadores Migrantes.

 

Pela sua consideração, muito obrigado.

Juan E. Méndez 

 

 

 

MENSAGEM DO DR. JUAN E. MÉNDEZ,

PRESIDENTE DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

NA APRESENTAÇÃO DO RELATÓRIO ANUAL 2001 DA CIDH

À COMISSÃO DE ASSUNTOS JURÍDICOS E POLÍTICOS

DO CONSELHO PERMANENTE DA OEA

 

30 de abril de 2002

 

Senhor Presidente da Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos, distintos  Representantes dos Estados membros da Organização e Observadores.  Prezados colegas, senhoras e senhores:

 

Na qualidade de Presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, tenho a honra de apresentar à Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos do Conselho Permanente o relatório anual da Comissão correspondente ao ano 2001. Tenho o prazer de contar nesta oportunidade com a presença do Dr. Santiago Canton, Secretário Executivo, bem como dos profissionais da Secretaria.

 

O relatório que colocamos nesta data à disposição da Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos foi aprovado pela  CIDH durante o 114º período ordinário de sessões, celebrado durante fevereiro e março deste ano.  O documento foi elaborado conforme os parâmetros estipulados pela Resolução AG/RES. 331 (VIII-0/78) da Assembléia Geral, e de acordo com o estabelecido no  artigo 57 do Regulamento da CIDH. 

 

Este relatório  reflete as atividades gerais da Comissão cumpridas durante a Presidência do Reitor Claudio Grossman.  Igualmente, gostaria de destacar que, durante este período, a CIDH nomeou seu atual Secretário Executivo, Embaixador Santiago Canton, em substituição ao Embaixador Jorge E. Taiana, que se retirou depois de cinco anos de trabalho exitoso.  Em  2001 também se retirou o Secretário Executivo Adjunto, Dr. David Padilla, depois de uma extensa e excelente carreira profissional na CIDH. 

 

Os direitos humanos no  ano 2001

 

Durante o ano 2001, a comunidade internacional presenciou as dramáticas consequências dos ataques terroristas sem precedentes quanto ao seu impacto na população civil.  Os ataques perpetrados em 11 de setembro contra as torres gêmeas da cidade de Nova York e no  Pentágono, cerca de Washington DC --condenados pela  OEA e a CIDH-- e as posteriores ameaças contra a população civil, abriram um vigoroso debate sobre as medidas a serem adotadas a fim de combater este flagelo em geral e sobre os meios apropriados para investigar, julgar e punir os responsáveis pela  comissão deste tipo de ilícito internacional.

 

          A CIDH reconhece o direito e o dever dos Estados de proteger tanto a população civil como a sua própria estrutura institucional deste tipo de ataques.  A Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos aplicáveis estabelecem procedimentos que permitem  a adoção de medidas de emergência com o objetivo de enfrentar graves ameaças à ordem pública dentro do marco do Estado de Direito.  Estas medidas devem ser implementadas sem  desatender o respeito às garantias básicas, não derrogáveis, previstas pelo  direito internacional.  Este contexto sem dúvida implica em um novo desafio para os Estados membros da Organização, que deverão balancear o dever de proteger a sua população civil da ameaça e as consequências destes atos de violência, ao mesmo tempo que continuar resguardando-a da arbitrariedade e prosseguir com a função de administrar justiça com as devidas garantias. Mediante uma Resolução aprovada em 12 de dezembro de 2001, a CIDH declarou sua vontade de elaborar um Relatório sobre Terrorismo e Direitos Humanos com o propósito  de assistir aos Estados membros no  desenho de soluções legislativas ou de outro caráter contra a violência e a ameaça do terrorismo que contemplem e respeitem os padrões estabelecidos pelo  direito internacional. Como parte do processo de colheita de informação para seu estudo, a Comissão convidou os governos dos Estados membros da OEA e algumas organizações não governamentais a apresentar a informação que considerassem pertinente para o estudo, bem  como observações escritas e sugestões sobre temas para o exame da Comissão. Além disso,  no  curso do 114º período ordinário de sessões, a Comissão convocou uma audiência pública especial sobre direitos humanos e terrorismo. Na audiência, a Comissão ouviu as exposições de vários especialistas convidados sobre as questões a serem abordadas no seu estudo que será finalizado nos próximos meses.

 

          Ainda com relação à plena vigência do Estado de Direito, cabe destacar a Carta Democrática Interamericana, aprovada no  marco do vigésimo oitavo período extraordinário de sessões da Assembléia Geral da OEA celebrado em Lima. A Carta Democrática já foi invocada e utilizada em relação à frustrada tentativa de golpe de estado na Venezuela, demonstrando desta forma, não somente sua utilidade mas também o compromisso coletivo do hemisfério com o fortalecimento da institucionalidade  na nossa região. A Comissão reitera sua disposição de trabalhar com a Organização nesta empresa comum de fortalecer o regime democrático, única forma de governo possível para a plena realização dos direitos humanos.

 

Na Carta Democrática Interamericana, os Estados membros também reconheceram  que a pobreza e os baixos níveis de desenvolvimento  humano afetam a consolidação da democracia.   Os países assumiram o compromisso comum frente ao desafio do desenvolvimento, ao destacar “...a importância de manter o equilíbrio macroeconômico e o imperativo de fortalecer a coesão social e a democracia”.  A Comissão nota com preocupação que efetivamente, durante o período coberto pelo  presente relatório, ocorreram no hemisfério situações de crises econômico-sociais com impacto político-institucional.  Este tipo de situação pode afetar o funcionamento das instituições do Estado e o império da lei e, desse modo, ameaçar a vigência dos direitos fundamentais dos habitantes, além de postergar o sucesso da estabilidade necessária para viabilizar o desenvolvimento social, econômico e cultural que requerem os povos da região.

 

          Os Estados membros, tanto de forma individual como mediante a cooperação mútua, devem implementar medidas positivas destinadas a superar a marginalização social, racial ou étnica que impede os povos do hemisfério e garantir condições de vida digna, igualdade de oportunidades e plena participação na tomada de decisões como objetivos básicos do desenvolvimento integral dos habitantes e das sociedades do hemisfério. Conforme manifestaram os Estados membros na Carta Democrática, a eliminação da discriminação por gênero, étnica, racial, cultural e religiosa bem como das diversas formas de intolerância, contribui com a participação cidadã e o fortalecimento da democracia (artigo 9).  A CIDH vem afirmando de forma reiterada que os Estados devem oferecer especial proteção e estimular o desenvolvimento daqueles que estão em especial situação de vulnerabilidade, em particular, as crianças, as mulheres, os povos indígenas, os membros de comunidades afrodescendentes em certas regiões e os trabalhadores migrantes e suas famílias. Os Estados membros devem providenciar especial proteção a estas pessoas ou grupos de pessoas, de modo a fortalecer os mecanismos legais e institucionais destinados a combater a discriminação à luz dos parâmetros estabelecidos no  sistema.

 

          Durante o ano 2001, as mulheres e as meninas da região continuaram sendo vítimas da violência e a discriminação por razões de gênero.  Segundo a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (“Convenção de Belém do Pará”), a violência contra a mulher --como manifestação da discriminação por gênero-- é frequentemente exercida tanto dentro do lar e da família como dentro da comunidade, e muitas vezes perpetrada ou tolerada por agentes do Estado.  As normas regionais de proteção obrigam os Estados do hemisfério a agir com a devida diligência para prevenir a violência e a discriminação baseadas no gênero, julgar e punir todos os responsáveis, bem como adotar medidas para erradicar estas violações permanentemente. 

 

          O presente Relatório Anual contém um relatório atualizado sobre o trabalho da Relatoria sobre os Direitos da Mulher, o qual relata suas principais atividades recentes.  Este relatório refere-se, em especial, à primeira visita in loco realizada pela  Relatora Especial, a Membro da Comissão, Marta Altolaguirre, em fevereiro do ano em curso para analisar a situação dos direitos da mulher na Cidade de Juárez, México.  Esta visita foi realizada após recebimento de  informação e manifestações de preocupação de representantes da sociedade civil, e em virtude do convite formulado pelo  Governo do Presidente Vicente Fox, e prestou atenção especial à grave situação de violência contra a mulher imperante nessa zona.  Também informa sobre uma série de atividades de cooperação e promoção.  Neste sentido, o relatório destaca a reunião das três relatoras sobre os direitos da mulher --da ONU, do sistema africano e da CIDH—e a declaração conjunta que as três emitiram em 8 de março de 2002, em Montreal, Canadá durante as festividades do Dia Internacional da Mulher.  Esta declaração exorta aos Estados a redobrarem seus esforços para erradicar a violência e discriminação baseadas no gênero, e com este fim, assegurar que os que perpetram estas violações sejam investigados, processados e punidos.  Ademais, o relatório resume certos desenvolvimentos jurisprudenciais importantes do sistema com relação ao fortalecimento da proteção dos direitos da mulher.

 

Tanto a Comissão como os órgãos políticos da OEA demonstraram sua preocupação e dedicaram sua atenção ao problema que enfrentam as pessoas que trabalham na defesa dos direitos humanos no  hemisfério. Os Estados membros assumiram a obrigação de adotar as medidas necessárias para proteger a vida, a integridade pessoal e a liberdade de expressão e associação daqueles que trabalham pelo respeito dos direitos fundamentais, conforme o compromisso coletivo expressado em diversas resoluções da Assembléia Geral. A Comissão expressou de forma reiterada sua preocupação pela  continuação de atos de amedrontamento  desaparecimento, atentados e assassinatos perpetrados contra pessoas e organizações dedicadas à defesa dos direitos humanos. Em 7 de dezembro de 2001 --em resposta ao mandato outorgado à CIDH pela  Resolução AG/RES. 1818 no  sentido de elaborar um estudo integral sobre a situação dos defensores dos direitos humanos nas Américas-- a Secretaria Executiva da CIDH criou a “Unidade Funcional de Defensores de Direitos Humanos”, com o propósito de receber informação sobre a situação dos defensores de direitos humanos no  hemisfério, manter contatos com organizações não governamentais e  governamentais e coordenar o trabalho da Secretaria Executiva nesta matéria. Espera-se que esta iniciativa contribua para avaliar a situação e estabelecer mecanismos que permitam a Organização atuar de forma mais efetiva e coordenada em relação a esta grave situação. Durante o ano 2001, pessoas que solicitaram a proteção da Comissão e da Corte Interamericana foram vítimas de ataques, em vários casos fatais. Os defensores de direitos humanos e as organizações às quais estão afiliadas cumprem um papel crucial tanto no  litígio de casos vinculados à vigência dos direitos humanos como em processos de controle das instituições democráticas por parte da sociedade civil. Sendo assim, a Comissão reclama a proteção de seu trabalho.

 

O respeito pelos direitos individuais e coletivos de cerca 40 milhões de pessoas que integram os aproximadamente 400 grupos indígenas que habitam o Continente continua sendo um desafio histórico, geográfico, cultural e social para os Estados membros. Os povos indígenas do continente frequentemente são vítima do empobrecimento severo e da violação de seus direitos humanos fundamentais dentro e fora de suas comunidades.

 

          Nesta oportunidade, a CIDH deseja reiterar uma vez mais seu chamado aos Estados membros para que impulsionem a aprovação da Declaração Americana sobre Direitos dos Povos Indígenas como instrumento que facilite o cumprimento das obrigações em favor dos povos e comunidades indígenas de nosso hemisfério.  Adicionalmente, a CIDH deseja ressaltar que durante o ano 2001, num caso que envolvia o despejo de recursos naturais pertencentes a uma destas comunidades, a Corte Interamericana pronunciou-se pela primera vez sobre o reconhecimento dos direitos coletivos dos indígenas a suas terras ancestrais, recursos e meio ambiente, que os indígenas têm direito a viver livremente em seus próprios territórios para sua própria sobrevivência; a estreita relação que os indígenas mantêm com a terra deve ser reconhecida e compreendida como a base fundamental de suas culturas, sua vida espiritual, sua integridade e sua sobrevivência  econômica.

 

Durante o ano 2001,  a Comissão, através da Relatoria especial sobre Direitos dos Povos Indígenas, continuou dando seguimento aos assuntos que estão relacionados com direitos indígenas das Américas, trabalho que foi reforçado graças ao aporte do Programa Prol Direitos Humanos para Centroamérica de Dinamarca (PRODECA). Uma das principais atividades realizadas pela  Relatoria é dar seguimento as mais de 40 petições e casos que atualmente estão tramitando perante a CIDH e que dizem relação com direitos indígenas, e continuar assessorando o Grupo de Trabalho da OEA encarregado de elaborar o projeto de Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Neste processo, a Comissão parabeniza os avanços substanciais tanto quanto aos mecanismos de participação dos representantes dos povos indígenas, como na discussão de fundo do projeto de declaração, como por exemplo, o reconhecimento do conceito de “povos” indígenas ao invés de “populações”.

 

          Os membros das comunidades afrodescendentes que vivem em certas regiões estão entre os grupos mais afetados pela  pobreza e a pobreza extrema no  continente.  Os membros destas comunidades são também vítimas da marginalização social, a discriminação e a violência, ademais de padecer --em muitos casos--as consequências da falta de titulação das terras que habitam.  A Comissão está seriamente preocupada por esta problemática e, além de continuar observando a situação dos membros destas comunidades em cada um dos Estados membros, realizou um estudo geral referente à situação dos direitos humanos dos afrodescendentes nas Américas. A fim de definir as melhores estratégias de trabalho, a Comissão está elaborando um  diagnóstico sobre a situação dos direitos humanos das comunidades afrodescendentes na região. Nos próximos meses, os Estados receberão um questionário a este respeito.

 

A  situação dos trabalhadores migrantes e suas famílias transformou-se nos últimos anos em um dos temas mais  significativos em matéria de direitos humanos no  mundo. Portanto, a Comissão considera  imperativo que os Estados membros da OEA promovam o respeito e garantam os direitos fundamentais dos trabalhadores migrantes e suas famílias em sua legislação doméstica, de acordo com padrões internacionais na matéria. Para contribuir com  este propósito, a Comissão acredita que é necessário elaborar relatórios de progresso anuais sobre diferentes aspectos da problemática dos trabalhadores migrantes nas Américas. Esta decisão debe-se à impossibilidade da Relatoria Especial de Trabalhadores Migrantes em apresentar um relatório único sobre a situação destas pessoas na região, visto que um relatório com estas características seria difícil de realizar devido a envergadura e complexidade do problema e, sobretudo, porque são escassos os recursos com que conta a Relatoria.

 

O  capítulo VI do relatório que hoje lhes apresento trata de temas relativos a diferentes aspectos do fenômeno da migração desde uma perspectiva de direitos humanos, como  o impacto econômico das migrações, tanto em países receptores como emissores, o contrabando e tráfico de pessoas e o problema da xenofobia, racismo e discriminação contra trabalhadores migrantes. Além disso, examina a jurisprudência desenvolvida pelos  órgãos do sistema interamericano de proteção de direitos humanos. O relatório finaliza com uma série de conclusões e recomendações. A Comissão espera que, com este novo relatório de progresso da Relatoria Especial para os Trabalhadores Migrantes, a análise e a discussão do fenômeno da migração esteja enriquecida e que possamos contribuir para gerar consciência sobre a importância do fenômeno migratório nas Américas. Ao mesmo tempo, esperamos que o relatório contribua para ressaltar o  dever dos Estados de respeitar e garantir os direitos humanos dos trabalhadores migrantes e suas famílias.

 

O sistema interamericano como aliado no fortalecimento do Estado de Direito

 

Ao analisar a situação de direitos humanos na região, devemos constatar em primeiro lugar os avanços mais importantes: eleições periódicas, sociedades mais abertas e livres, com multiplicidade de atores privados e organizações que se interligam no âmbito interno e no  âmbito internacional, fortalecendo a legitimidade da democracia e os direitos humanos. Entretanto, como o Relatório que hoje apresento demonstra, subsistem sérios problemas: instituições insuficientemente desenvolvidas (como é o caso do Poder Judicial em numerosos países); forças de segurança mal treinadas (que não conseguiram articular adequadamente a relação inerente entre o respeito aos direitos humanos e a segurança cidadã); grupos vulneráveis, mulheres, povos indígenas, comunidades afrodescendentes, crianças, deficientes físicos, (que ainda não conseguiram alcançar uma igualdade de facto para desenvolverem-se  plena e livremente e, em alguns países, ainda não alcançaram uma igualdade de jure). Nossa  região é a mais desigual do mundo em termos sócio-econômicos. O reconhecimento dos direitos econômicos, sociais e culturais continua sendo um sonho longínquo para grandes setores de nossas sociedades.

 

          Embora existam ações periódicas em nosso hemisfério, algumas democracias ainda apresentam debilidades institucionais e as tentativas de golpes de estado ou alterações da ordem constitucional não desapareceram completamente. Felizmente, ao invés do que acontecia no  passado, a OEA responde coletivamente reijeitando os golpes de Estado. Os avanços dados através da Resolução 1080 e, especialmente a Carta Democrática Interamericana, são claros indicadores que os golpes de estado não são permissíveis na região.

 

Para enfrentar o desafio que apresentam estes sérios problemas os Estados criaram, entre outros instrumentos, o sistema interamericano de proteção de direitos humanos, integrado por um conjunto de normas e por dois órgãos especializados, a Comissão e a Corte Interamericanas de Direitos Humanos, para supervisionar seu cumprimento.  Neste esquema de proteção, os órgãos políticos da OEA  servem de garantia coletiva para assegurar o cumprimento das decisões tomadas pelos órgãos de supervisão.  Os Estados, os quais criaram o sistema, obrigam-se voluntariamente a cumprir com seus compromissos e  atuam individual e coletivamente como seus garantidores.

 

O sistema interamericano cumpre com funções trascendentais que este Relatório Anual reflete. Em primeiro lugar, faz justiça em casos individuais. Isto permite reforçar os valores do Estado de Direito frente às vítimas e seus familiares que sentem que seus problemas são ignorados, visto que não foram resolvidos no âmbito interno. Em segundo lugar, o sistema desempenha um papel de “alerta precedente”. Com efeito, a comunidade hemisférica é informada sobre violações graves aos direitos humanos que ocorrem em distintos países através do sistema interamericano. A Organização pode tomar as medidas necessárias para evitar que os Estados tomem atitudes que culminem na destruição total do Estado de Direito. Em terceiro lugar, o sistema permite ampliar a proteção dos direitos humanos e a democracia, ao fortalecer com a perspectiva regional as instituições e normas internas, garantindo o acesso a melhores e maiores formas de proteção dos valores da dignidade humana. A democracia tem entre suas características a perfeição e representa sempre uma tarefa incompleta. Desta forma, ao articular uma posição hemisférica sobre os temas de devido processo, situações de emergência, igualdade perante à lei e proibição de discriminação, proteção da dignidade humana e da liberdade de expressão, o sistema contribui para a criação de maiores espaços no âmbito nacional, apoiando a expansão da democracia.

 

Para cumprir com o seu papel, o sistema tem a sua disposição distintos instrumentos, todos eles refletidos no  Relatório apresentado hoje. O primeiro deles é a visita in loco a um país, que permite avaliar as condições gerais dos direitos humanos, verificar a situação de certos direitos, ou  promover em geral o valor dos direitos humanos.  As visitas in loco normalmente culminam num relatório abrangente e detalhado da situação dos direitos humanos no  país.  Tais relatórios, e as recomendações nele vertidas, são depois objeto de supervisão contínua e de “relatórios de seguimento” periódicos que são publicados após um intenso e frutífero diálogo com o Estado. O terceiro instrumento do sistema é a dos casos individuais,  que tramitam atualmente de acordo com as novas disposições regulamentares que garantem maior celeridade, transparência e segurança jurídica. Os casos individuais terminam em decisões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que, se descumpridas, podem levar o caso à Corte ou à opinão pública.  Por último, o sistema  pode criar Relatorias temáticas que incluem na agenda hemisférica problemas especiais de direitos humanos que afetam a populações vulneráveis e que, depois de estudos e diálogos, podem dar origem a declarações ou projetos de tratados.

 

Neste sentido, é essencial o apoio dos Estados ao sistema interamericano de proteção dos direitos humanos. Este apoio está relacionado fundamentalmente com o reconhecimento do sistema como aporte e aliado dos Estados na defesa da dignidade humana e a consolidação do Estado de Direito, e não como um obstáculo ou um adversário na consecução dos fins comuns que nos unem. As conclusões e recomendações da Comissão em casos individuais contidas nos relatórios emitidos após as visitas in loco e nos documentos de suas Relatorias, são principalmente contribuições ao fortalecimento da democracia e do Estado de Direito e não constituem condenações públicas dos Estados. A adoção recente da Carta Democrática Interamericana é um passo significativo na direção do vínculo indissolúvel entre a democracia os direitos humanos. Nos diferentes capítulos do Relatório que hoje apresento, a CIDH declara a superioridade do Estado de Direito e a indivisibilidade da democracia e os direitos humanos, ao reafirmar no âmbito hemisférico os valores do devido processo, da não discriminação, da necessidade de recursos judiciais que ensejem remédios efetivos e eficientes frente a violações de direitos humanos, a íntima relação entre a segurança cidadã e os direitos humanos e o valor da liberdade de expressão.

 

O apoio político dos Estados ao sistema interamericano deve ser traduzido por três medidas concretas em curto prazo: a designação de maiores recursos aos órgãos; o seguimento regular sobre o cumprimento das decisiões da Corte e da Comissão; e a ratificação por todos os Estados membros de todos os tratados interamericanos de direitos humanos. Estas medidas permitiriam avançar em direção à permanência dos órgãos, que é uma aspiração que a Comissão vem apoiando, ao mesmo tempo que uma maior participação e autonomia do indivíduo nos procedimentos perante a Corte, que foi obtida através das reformas dos Regulamentos de ambos órgãos.

 

Síntese do Relatório Anual de 2001

 

O relatório anual está dividido em dois volumes, o primeiro deles contém o trabalho da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.  O segundo volume contém o Relatório do Relator Especial da CIDH para a Liberdade de Expressão.

 

Conforme a prática iniciada em 1999, o Capítulo I do Relatório Anual de 2001 está dedicado a apresentar uma apreciação sobre a situação dos direitos humanos no  hemisfério e os principais desafios à vigência de tais direitos.  O Capítulo II oferece uma breve introdução às origens e fundamentos jurídicos da Comissão e expõe as principais atividades cumpridas pela  CIDH durante o período sob análise.  Em tal sentido, destacam-se as atividades levadas a cabo no  marco dos períodos ordinários de sessões (Nos. 110 e 113) e os dois períodos extraordinários (111 e 112), o primeiro deles celebrado em Santiago de Chile.  Adicionalmente, neste capítulo estão expostas as atividades cumpridas em conjunto com outros órgãos do sistema interamericano, e com instituições regionais e mundiais de natureza similar.  Em particular, gostaria de destacar a prática das reuniões anuais da CIDH e da Corte Interamericana com o fim de tratar temas de interesse comum, a fim de melhorar o funcionamento do sistema regional de direitos humanos. A Comissão e a Corte mantêm uma relação de cooperação que é mutuamente vantajosa para o cumprimento de seus respectivos mandatos, tal como ficou demonstrado na apresentação conjunta que fizemos com o Presidente da Corte, Professor Augusto A. Can­çado Trindade.

 

Durante o período coberto por este relatório, a Comissão realizou duas  visitas in loco a Panamá e Colômbia.  A CIDH está analisando a informação recebida antes, durante e depois das visitas com a finalidade de elaborar um relatório sobre a situação dos direitos humanos nestes países. Em nome da Comissão, agradeço especialmente os Governos de Panamá e Colômbia por sua colaboração nos objetivos traçados durante as visitas do ano 2001.

 

Como é de conhecimento desta Comissão, nos próximos dias a CIDH visitará a Venezuela. A Assembléia Extraordinária recentemente celebrada manifestou-se satisfatoriamente quanto à aceitação por parte da Comissão do convite do Governo da Venezuela em setembro de 1999 para realizar uma visita in loco a Venezuela. Gostaria de agradecer ao Governo do Presidente Hugo Chávez o convite que formulou à CIDH, e confirmar a visita para o dia 8 de abril de 2002. Aproveito esta importante ocasião para expressar o beneplácito da Comissão pelo  restabelecimento da ordem constitucional e do governo democraticamente eleito do presidente Chávez. Diante da tentativa de golpe, a Comissão Interamericana reagiu publicamente e de imediato expressando, entre outras coisas, sua mais enérgica condenação pelos atos de violência que custaram a vida de pelo menos 15 pessoas e causaram feridas em uma centena delas. A Comissão também lamentou constatar que durante os dias 12 e 13 de abril ocorreram detenções arbitrárias e outras violações aos direitos humanos; deplorou a destituição das mais altas autoridades de todos os poderes públicos; e advertiu que estes fatos configuraram os pressupostos de interrupção da ordem constitucional contemplados na Carta Democrática. Em cumprimento de suas obrigações convencionais e estatutárias, em 13 de abril de 2002  a Secretaria Executiva da Comissão,  conforme a sua prática de mais de quatro décadas de trabalho, dirigiu-se àqueles que naquele momento detinham o poder de facto na Venezuela, para solicitar informação sobre a detenção e falta de comunicação do Presidente Hugo Chávez Frías e proferiu medidas cautelares relacionadas com a liberdade, integridade pessoal e garantias judiciais do senhor Tarek William Saab, Presidente da Comissão de Relações Exteriores da Assembléia Nacional da Venezuela. Nos últimos dias, o Ministro de Relações Exteriores da Venezuela, Luis Alfonso Dávila, tinha catalogado de "ambígua" a posição mantida pela  CIDH frente aos fatos ocorridos na Venezuela em dias recentes.  Para sustentar tal afirmação, o Ministro Dávila citou uma nota da CIDH  dirigida a José Rodríguez Iturbe, que havia sido designado Chanceler no  chamado governo de transição. A CIDH se vê obrigada a precisar que essa comunicação não pode ser interpretada de forma alguma como um  reconhecimento do regime de facto.  Em nenhum momento, explicita ou implicitamente, a Comissão recheceu o governo de facto na Venezuela.  Conforme a sua prática e a de outros órgãos internacionais de direitos humanos, a CIDH dirigiu-se àqueles que no dia 13 de abril de 2002 detinham de fato a autoridade estatal na Venezuela, visto que o exercício da autoridade, usurpada ou não, implica na obrigação de respeitar e garantir os direitos humanos. Em várias ocasiões no  passado, a Comissão manteve comunicações com governos de fato em distintos países do hemisfério, embora condenasse categoricamente as quebras institucionais. Não corresponde à CIDH, conforme a suas facultades convencionais ou estatutárias, reconhecer governos mas sim proteger os direitos humanos das pessoas, e é exatamente o que fizemos neste caso.

 

          O Relator Especial para a Liberdade de Expressão, Santiago Canton, informou à CIDH que a Relatoria sob sua direção observou, com preocupação, que  a sociedade venezuelana ficou sem acesso à informação durante os dias da crise institucional, quando mais necessitava de uma informação rápida é indispensável para a defesa da democracia. Na medida em que essa falta de informação aos cidadãos tenha respondido a decisões editoriais deliberadas dos responsáveis pelos meios de comunicação venezuelanos, a Relatoria e a Comissão esperam um processo de reflexão destes meios acerca de seu papel nesses momentos.

 

A CIDH continuará observando de maneira bastante atenta o desenvolvimento da situação dos direitos humanos na Venezuela. A visita que efetuará o pleno da Comissão na próxima semana constitui uma oportunidade importante para cumprir este fim, bem como para aprofundar o diálogo, que dentro do marco de sua competência, a Comissão mantém com as autoridades e com a sociedade venezuelana, a fim de contribuir para o fortalecimento da defesa e proteção dos direitos humanos em um contexto democrático e de legalidade institucional.

 

O Capítulo III é indubitavelmente o espinha dorsal do trabalho da CIDH, pois traz a análise e as decisões sobre denúncias de violações de direitos fundamentais que afetam a seres humanos.  Este capítulo, o mais extenso do relatório, contém as decisões adotadas a respeito de petições e casos individuais apresentados à Comissão e tramitados de acordo com a normativa aplicável.  Cabe destacar igualmente a importância crescente que a Comissão atribui ao sistema de petições e casos individuais e à solução amistosa dos mesmos; o relatório deste ano compreende quatro decisões desta índole. Ao mesmo tempo, a CIDH prossegue com as negociações destinadas à solução amistosa de dezenas de casos de vários países da região. A disposição das partes em dialogar e buscar soluções criativas constitui, sem dúvida, um indicador positivo da crescente evolução do sistema.

 

No  período sob análise, a Comissão aprovou um total de 74 relatórios que incluem 36 casos declarados admissíveis; 22 relatórios sobre petições declaradas inadmissíveis; 12 relatórios de solução amistosa; e 4 relatórios de mérito. Os relatórios mencionados refletem a diversidade crescente das denúncias sobre violações de direitos humanos. Nos relatórios deste ano, a Comissão continuou tratando de temas estruturais em nosso hemisfério como violações ao devido processo legal, execuções extrajudiciais, uso abusivo da jurisdição militar e impunidade. Também decidiu  sobre temas que cada vez mais reclamam nossa atenção como os direitos da mulher, a liberdade de expressão e a vigência dos direitos econômicos, sociais e culturais. Estes casos refletem à crescente complexidade jurídica dos casos em que a CIDH é  chamada a decidir, bem como o empenho desta por melhorar e aprofundar suas argumentações e fundamentações. Com isto, a Comissão não somente pretende resolver de uma maneira juridicamente sólida os casos e petições mas também desempenhar uma tarefa de promoção mediante a determinação jurídica do alcance das obrigações assumidas voluntariamente pelos  Estados membros da Organização.  Por último, em seus relatórios, a Comissão continuou esclarecendo diversas questões processuais, particularmente quanto ao tema da admissibilidade de petições, tais como a legitimidade processual ativa para apresentar denúncias, a vigência temporal da Convenção Americana e as exceções à regra do esgotamento dos recursos internos, entre outras. Assim, a CIDH procura contribuir com a segurança jurídica de nosso sistema, fixando regras e padrões que a Comissão segue fielmente. A CIDH recorda que a aprovação e publicação de um relatório sobre o mérito de um caso individual oferece, em alguma medida,  reparação à vítima de uma violação de direitos humanos que não pôde obter justiça nos órgãos jurisdicionais nacionais.

 

Esta seção compreende, ainda, 50 medidas cautelares outorgadas ou estendidas pela  CIDH, as quais tiveram alguma atividade durante este período. Neste sentido, a Comissão vem continuando com sua prática de informar sobre as medidas cautelares solicitadas aos Estados membros da Organização, por iniciativa própria ou a pedido da parte, sob o amparo do disposto no  artigo 25 de seu Regulamento, nos casos em que é necessário evitar danos irreparáveis às pessoas.

 

A principal inovação contida no  Capítulo III refere-se à inclusão de uma seção sobre cumprimento das recomendações da CIDH em casos individuais. Esta seção está fundamentada na Resolução AG/RES. 1828 (XXXI-O/01) da Assembléia Geral de San José e no  artigo 46 do Regulamento da CIDH. O capítulo inclui um quadro que indica se as recomendações formuladas pela  CIDH foram cumpridas total ou parcialmente ou não foram cumpridas. Para a preparação desta seção, a Comissão solicitou oportunamente aos Estados informação a respeito. A fim de contribuir com a transparência do sistema, a Comissão decidiu incluir em sua página eletrônica todas as respostas dos Estados que  tenham solicitado expressamente a publicação de suas respectivas respostas a nossos relatórios. Confiamos que este mecanismo contribuirá para o diálogo entre os Estados e a CIDH bem como para um melhor controle público sobre o sistema interamericano de direitos humanos. Não posso deixar de mencionar, com preocupação, que neste quadro não há nenhum caso em que um Estado tenha cumprido cabalmente a totalidade das recomendações formuladas oportunamente pela CIDH. Neste sentido, os Estados membros devem realizar esforços para cumprir de boa-fé com as recomendações da Comissão. Depositamos nossa confiança no  Conselho Permanente e nesta Comissão de Assuntos Jurídicos para que estabeleçam um mecanismo periódico de supervisão  do cumprimento das decisões da Comissão e da Corte, a fim de dar vigência efetiva ao princípio de garantia coletiva subjacente ao  sistema interamericano de proteção de direitos humanos.

 

O Capítulo III também expõe informação sobre as atuações da Comissão perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. A seção respectiva apresenta as medidas provisórias  decretadas pela  Corte a pedido da Comissão em situações de extrema gravidade e urgência, sob o amparo do  artigo 63(2) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, bem como  a síntese de diferentes decisões da Corte e das atuações da Comissão em vários casos contenciosos.

 

Adicionalmente, a Comissão vem seguinfo os critérios expostos em seu Relatório Anual de 1998 para identificar os Estados membros cujas práticas em matéria de direitos humanos mereceram atenção especial e a inclusão num capítulo especial do relatório anual.  Neste sentido, no  Capítulo IV do relatório deste ano contém a análise da situação dos direitos humanos na Colômbia e Cuba. No que se refere à  Colombia, reproduzimos substancialmente o comunicado de imprensa que a CIDH emitiu ao terminar a visita in loco a este país em dezembro passado. A Comissão está atualmente preparando o relatório respectivo. Com relação à  Cuba, esta foi incluida neste capítulo porque está regida por um governo não eleito livremente de acordo com as normas internacionalmente aceitas, o que constitui uma violação do direito à participação política consagrado no  artículo XX da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. 

 

De acordo com os critérios expostos no seu Relatório Anual de 1998, a Comissão entende que o Haiti também deveria figurar nesta seção. Entretanto, conforme a sua prática, a CIDH  está planejando uma visita in loco a este país antes de inclui-lo no relatório. É com prazer que informo que o Relator para Haiti da Comissão, Dr. Clare Kamau Roberts e o Secretário Executivo viajarão ao país nas próximas semanas como parte das atividades que a CIDH está realizando em observação da situação de direitos humanos no Haití.

 

O Capítulo V do Relatório Anual de 2001 continua com a prática de analisar o avanço no  cumprimento das recomendações formuladas previamente pela Comissão, como uso de suas faculdades como órgão principal da OEA em matéria de direitos humanos.  Nesse ano, este capítulo contém relatórios sobre cumprimento das recomendações expostas em relatórios da CIDH sobre a situação dos direitos humanos no Paraguay, Peru e a República Dominicana. Nesta oportunidade, gostaria de agradecer aos Estados por sua resposta à solicitação de informação formulada pela  CIDH.

 

          O Volume I do relatório contém os anexos habituais que informam sobre o estado das convenções e protocolos do sistema regional de direitos humanos, ademais dos comunicados de imprensa e discursos selecionados divulgados pela CIDH durante o ano passado.

 

O relatório do Relator Especial para a Liberdade de Expressão

 

          No que se refere à Relatoria para a Liberdade de Expressão, a CIDH, durante seu 114° período ordinário de sessões, designou o Dr. Eduardo Bertoni como Relator Especial para a Liberdade de Expressão.  A sua nomeação ocorreu depois da realização de um concurso aberto e amplamente difundido, para o qual se candidataram 165 profissionais, tendo analisado os antecedentes de vinte deles, e entrevistado cinco finalistas. Após um profundo debate, a maioria da Comissão optou pelo  candidato que melhor respondia à convocação, entre vários e excelentes postulantes.  O Dr. Bertoni assumirá seu cargo em maio do corrente ano. Gostaria neste momento fazer um reconhecimento e agradecimento público ao Dr. Santiago Canton por sua valiosa contribuição na criação, funcionamento e consolidação da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Com seu profissionalismo, seriedade e compromisso, o Dr. Canton realizou um aporte importantíssimo para a promoção e vigência da liberdade de expressão no nosso hemisfério.

 

          Quanto aos objetivos alcançados com o trabalho da Relatoria durante 2001, pode-se observar uma maior consciência sobre os temas relacionados à liberdade de expressão na região, pondo este direito no  primeiro patamar dos temas a serem debatidos no  marco do sistema interamericano. Devido, em parte, ao trabalho da Relatoria, alguns Estados avançaram decisivamente neste âmbito, derrogando leis que restringiam a liberdade de expressão. Em particular, pode-se mencionar que as leis de desacato foram derrogadas no Chile e Costa Rica. Em outros países, foram apresentados projetos de lei para revogar estas leis restritivas, demonstrando um reconhecimento cada vez maior dos problemas que as mesmas representam. A Relatoria espera que estes avanços continuem, derrogando ou modernizando outras normas que restringem desnecessariamente a liberdade de expressão.

 

          O Relatório Anual da Relatoria para a Liberdade de Expressão correspondente ao ano 2001 conta com seis capítulos. O Capítulo I enuncia o mandato e competência da Relatoria e informa sobre as atividades realizadas. Dentro do marco de suas funções, a Relatoria participou das visitas in loco da CIDH no  ano 2001 ao Panamá e Colômbia. O Capítulo II do Relatório analisa o estado da liberdade de expressão no  hemisfério. Neste capítulo, a Relatoria informa que jornalistas, meios de comunicação e as sociedades em seu conjunto das Américas continuam enfrentando obstáculos que impedem o livre exercício do direito à liberdade de expressão. A Relatoria destaca que o assassinato a jornalistas continua  representando o problema mais grave em matéria de liberdade de expressão e informação nas Américas. No  ano 2001, foram registradas mais de 9 assassinatos de jornalistas no  hemisfério. Esta cifra é consideravelmente mais alta em relação aos últimos dois anos. Adicionalmente, o alto nível de impunidade nos processos referentes a crimes contra jornalistas promovem uma situação de extrema vulnerabilidade e risco para os comunicadores sociais da região. Ademais dos assasinatos a jornalistas, a Relatoria informa que em vários países da região persiste a utilização de outros métodos cujo objetivo é silenciar o trabalho dos jornalistas e os meios de comunicação. As ameaças e agressões físicas e psíquicas, a perseguição e intimidação a jornalistas e meios de comunicação e o início de ações judiciais por parte de autoridades com o propósito de silenciar os meios de comunicação são um exemplo das práticas utilizadas en vários países. De forma contrária ao estabelecido pela  jurisprudência do sistema interamericano, continuam vigentes leis de desacato em aproximadamente 17 países, as quais em alguns casos são utilizadas para silenciar a imprensa.

 

          O Capítulo III contém um Relatório sobre a Ação de Habeas Data e o Direito de Acesso à Informação no  Hemisfério. Neste relatório, a Relatoria realizou o seguimento das leis e práticas sobre o direito de acesso à informação nos países membros e recomendou o incentivo às  políticas que promovem e divulgam a existência e respeito destes direitos individuais e coletivos como ferramentas legais para alcançar a transparência dos atos do Estado, proteger a intimidade das pessoas e como meio de fiscalização e participação da sociedade.

 

          O Capítulo IV traz o Relatório sobre Ética nos meios de Comunicação, o qual expõe diversos mecanismos através dos quais os meios de comunicação podem elevar o nível de profissionalismo e responsabilidade ética. A Relatoria também recomenda os Estados a absterem-se de impor códigos de ética profissional deixando este assunto aos próprios meios e comunicadores sociais.

 

          O Capitulo V informa sobre os casos dentro do sistema interamericano em matéria de liberdade de expressão. Este capítulo relata as medidas provisórias e relatórios de seguimento sobre sentenças e casos atualmente em trâmite na Corte Interamericana. Também informa sobre os casos declarados admissíveis e as medidas cautelares solicitadas dentro da CIDH durante o ano 2001.

 

          Por último, o Capítulo VI apresenta uma série de considerações finais e recomendações tendentes a promover um amplo respeito ao exercício da liberdade de expressão no  hemisfério, reiterando a necessidade dos Estados de assumirem um compromisso sólido com relação a este direito para desta maneira alcançar a consolidação das democracias no hemisfério.

 

Conclusão

 

Senhor Presidente, senhores representantes, prezados colegas e companheiros de trabalho, senhoras e senhores:

 

A busca constante de mecanismos para consolidar sistemas de democracia participativa cria novas oportunidades para o compromisso dos Estados membros com os órgãos do sistema interamericano de direitos humanos. A Comissão e a Corte são, conforme o propósito dos Estados membros, meios para ajudar ao desenvolvimento de "um regime de liberdade pessoal e de justiça social", que é o objetivo principal consignado no  preâmbulo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Sendo assim, a Comissão renova seu  compromisso de trabalhar com os Estados membros no  cumprimento de seu mandato para defender a dignidade humana mediante a proteção e a promoção dos direitos humanos. Em nome da Comissão, desejo manifestar nossa gratidão pelo  apoio que os Estados membros proporcionaram à Comissão para que esta possa honrar esse compromisso comum com todas as pessoas de nosso hemisfério.

 

Muito obrigado.

 


 

DISCURSO DO DR. JUAN E. MÉNDEZ,

PRESIDENTE DA  COMISSÃO INTERAMERICANA  DE DIREITOS HUMANOS,

NA INAUGURAÇÃO DO 116º PERÍODO ORDINÁRIO DE SESSÕES

 

7 de outubro de 2002

Washington, D.C.

 

Senhor Presidente do Conselho Permanente da  OEA, senhor Secretário Geral Adjunto, distinguidos Representantes dos Estados membros da  Organização e Observadores.  Estimados colegas, senhoras e senhores:

 

Tenho a honra de dirigir-me a vocês na qualidade de Presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, nesta ceremônia inaugural de nosso 116º período ordinário de sessões. É um prazer contar nesta oportunidade com a presença de meus colegas Marta Altolaguirre, Primeira Vice-Presidenta da  CIDH; José Zalaquett, Segundo Vice-Presidente; os membros da Comissão Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo, Clare K. Roberts, e Susana Villarán.  Também nos acompanham o Dr. Santiago Canton, Secretário Executivo, e professionais da Secretaria Executiva. 

 

Nossa cara colega Susana Villarán está participando de seu primeiro período ordinário de sessões.  Embora tenhamos tido a oportunidade de trabajar  intensamente desde que assumiu o seu mandato há alguns meses, gostaria de estender-lhe a nossa cordial acolhida.

 

A CIDH planejou um intenso programa de atividades para as sessões ordinárias que  iniciam nesta data.  Como é habitual, dedicaremos a maior parte de nosso trabalho ao estudo e exame de relatórios sobre petições e casos individuais a respeito de distintos países do hemisfério que encontram-se em etapa de admissibilidade, solução amistosa, mérito ou decisão de envio à Corte Interamericana de Direitos Humanos.  Para a segunda das três semanas de sessões, a Comissão convocou mais de 60 audiências sobre casos e petições nas etapas mencionadas.  Receberemos em audiência a distintas pessoas, organizações, e representantes dos  Estados membros que aportarão informação sobre a situação dos direitos humanos no hemisfério, seja em carácter geral ou sobre algum direito ou tema específico da  competência da  Comissão.

 

Este período ordinário foi precedido por um período extraordinário de sessões durante a primeira semana de setembro passado em San José, Costa Rica.  Nesta ocasião celebrou uma sessão conjunta com a Corte Interamericana de Direitos Humanos.  Trata-se de uma prática estabelecida faz alguns anos, que gera um importante espaço de intercâmbio de informação sobre temas gerais que fazem ao trabalho de ambos órgãos.  A mais recente sessão conjunta esteve centrada na análise da  entrada em vigência dos  novos Regulamentos da  Comissão e da  Corte, que ocorreram em 1º de maio e 1º de junho de 2001, respectivamente.  Ademais foi abordada a situação orçamentária que afeta seriamente a ambos.

 

A CIDH estudou e debateu na Costa Rica o projeto de relatório sobre terrorismo e direitos humanos, que se acha numa versão bastante avançada e será objeto de revisão durante estas sessões ordinárias.  Estamos dedicando o maior esforço a esta matéria, para completar nosso relatório durante este período de sessões e publicá-lo antes do fim do ano.

 

Gostaria de compartir com vocês algumas reflexões e preocupações acerca do fenômeno do terrorismo e seu efeito sobre os direitos fundamentais.   Desde os eventos de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos que comocionaram a humanidade, o tema do terrorismo instalou-se no centro do debate internacional, e suscitou a atenção e preocupação de habitantes de todos os rincões do planeta.
Fomos testemunhas de uma nova classe de terrorismo, cujos meios, execução e resultados são tão sinistros que superam a imaginação. 

 

Um dos  direitos fundamentais que o Estado deve garantir a todo ser humano é o da  segurança pessoal.  Diante dos eventos de setembro de 2001, alguns Estados responderam de maneira imediata com a sanção de novas leis e a adoção de medidas administrativas.  Entretanto, em alguns casos esta resposta estatal inclui a adoção de distintas medidas repressivas, restrições desmedidas à liberdade de expressão, limitações arbitrárias em matéria migratória, detenção indefinida sem julgamento ou a proposta de criar tribunais especiais que apliquem procedimentos sumários e admitam provas secretas.  Naturalmente, a Comissão reconhece que o direito internacional autoriza a suspender certos direitos em situações de emergência, mas no uso de suas atribuições mantém-se interessada em preservar os principios do  devido processo, ainda que seja nestas circunstâncias.  Os acontecimentos de setembro de 2001 geraram um clima de suspeita e desconfiança que, infelizmente, chega ao extremo da  xenofobia em certas ocasiões.

 

A larga experiência da  CIDH como órgão principal de proteção dos  direitos humanos na região durante mais de 40 anos, demonstra que a única segurança efetiva e duradoura é aquela aplicada com pleno respeito aos direitos humanos, sem nenhuma discriminação. 

 

Justamente um dos maiores desafios que a Comissão Interamericana enfrentou desde sua criação foi o monitoramento do respeito aos  direitos humanos nos Estados membros da  OEA que sofreram a ameaça do terrorismo.  A Comissão Interamericana pronunciou-se de maneira clara e invariável sobre a compatibilidade e interdependência entre os direitos humanos e a luta efetiva contra o terrorismo no marco do Estado de Direito.  Com efeito, o propósito de qualquer medida efetiva contra este flagelo deve contemplar a preservação dos direitos fundamentais e as instituições democráticas que as ações terroristas buscam debilitar e eventualmente destruir.

 

A CIDH confia que seu relatório sobre terrorismo e direitos humanos, uma vez aprovado e publicado, ajudará os Estados membros e outros atores interessados no sistema interamericano na preparação e aplicação de iniciativas antiterroristas que cumpram plenamente com os direitos e liberdades fundamentais.  Tais elementos resultam cruciais nuna campanha efetiva contra a violência terrorista.

 

Não há dúvida de que o mundo mudou radicalmente desde 11 de setembro de 2001. Contudo, muitas coisas permanecem inalteradas, como a exclusão de grandes maiorias da  população do hemisfério do gozo efetivo dos  direitos econômicos, sociais e culturais.  Neste sentido, gostaria de recordar o disposto no Preâmbulo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos:

 

Somente se pode realizar o ideal do ser humano livre, isento de temor e da  miséria, se são criadas condições que permitam a cada pessoa gozar de seus direitos econômicos, sociais e culturais, tanto como de seus direitos civis e políticos.

 

Durante a Assembléia Geral Extraordinária da OEA celebrada em Lima, Peru, em setembro de 2001, os Estados membros reafirmaram que a pobreza e o baixo nível de desenvolvimento humano afetam a consolidação da democracia. Os Estados membros incluiram entre as considerações da  Carta Democrática Interamericana “…a importância de manter os equilíbrio macroeconômico e a necessidade de fortalecer a coesão social e a democracia”.

 

Na maior parte dos  países que integram a Organização dos Estados Americanos, a exclusão dos  benefícios do progresso, bem como a falta de acesso às necessidades básicas e à educação, coloca grandes setores sociais numa situação de especial vulnerabilidade diante dos ajustes estruturais e os desajustes da  economia.  A Comissão Interamericana observa  que as crises econômico-sociais destroem com os níveis de vida em muitos de nossos  países, em alguns casos com impacto decisivo sobre o funcionamento das instituições do Estado e o império da  lei.

 

Ao mesmo tempo, a deterioração das condições econômico-sociais reflete-se numa crescente insegurança cidadã quanto aos índices de criminalidade.  Infelizmente a resposta institucional à insegurança cidadã constantemente consiste na repressão e políticas de “mão dura” sem a devida atenção às propostas de reconstrução da  convivência e de controle comunitário da  polícia.  Esta situação leva a retrocessos lamentáveis que nos fazem recordar de uma passado não muito longíquo, quando as autoridades respondiam ao protesto social e o aumento da  delinquência com violência, repressão e violações sistemáticas dos  direitos humanos.

 

A CIDH vem insistindo durante muitos anos na necessidade de adotar medidas destinadas à ampliação do gozo dos  benefícios do desenvolvimento, a promoção de valores de tolerância e o fortalecimento do tecido social, em particular mediante a educação.  Estas medidas devem ir acompanhadas de um fortalecimento das instituições, particularmente a estruturação de um Ministério Público com capacidade de investigar devidamente e formular as correspondentes acusações penais; de um poder judicial independente, imparcial e profissional, que dite decisões e aplique sanções com apego ao devido processo e a legalidade; e de um sistema penitenciário que sirva para deter os delinquentes durante o período de suas penas, mas também para recuperá-los para a sociedade.

 

As instituições concebidas conforme o Estado de Direito são inseparáveis da  concepção da  democracia, base fundamental para a vigência e proteção de direitos humanos em nosso hemisfério.  Sendo assim, Comissão Interamericana insistirá sempre em preservar a democracia, mas também em aprofundá-la.  Nossas decisões sobre casos individuais e relatórios temáticos e por países visam justamente acompanhar os Estados na tarefa de melhorar a qualidade da  democracia.  Embora nosso hemisfério siga dando demonstrações de vocação democrática e de rejeição às aventuras golpistas e autoritarias, temos que fazer muito mais pela  qualidade deste sistema se aspiramos a que todos os habitantes das Américas sintam-se representados e protegidos pelo ideal democrático.

 

Neste sentido, observamos que continua a deterioração das instituições democráticas  e o enfraquecimento do império da  lei em numerosos países da  região.  Apesar dos  avanços em matéria de celebração de eleições livres em quase todos os Estados membros, o funcionamento institucional de uma parte importante dos  países do Hemisfério continua sofrendo debilidades que impidem a vigência plena do Estado de Direito.  Isto afeta a vigência dos  direitos fundamentais dos  habitantes e gera um clima propício para as crises sociais, além de postergar a estabilidade necessária para um desenvolvimento social, econômico e cultural sustentável na região. 

 

A Comissão Interamericana manifestou reiteradamente sua preocupação pela  situação de progressiva deterioração dos  direitos humanos fundamentais na Colômbia, e pela  falta de cumprimento efetivo com as recomendações formuladas em seus relatórios gerais.  Graves violações aos direitos humanos fundamentais e ao direito internacional humanitário continuam afetando à população civil, numa clima de impunidade para os responsáveis.

 

Em 14 de agosto de 2002, o  Governo da Colômbia informou ao Conselho Permanente sobre a declaração de um estado de comoção interior conforme as normas constitucionais vigentes nesse país.  Na opinião do Governo, a medida está fundamentada numa série de fatos e circunstâncias que atentam contra a segurança dos cidadãos e as instituições, e que não podem ser resolvidos através do uso de atribuições ordinárias.  Mediante a notificação deste ato de Governo ao Secretário Geral da  OEA e sua apresentação perante o Conselho Permanente, o Estado ratificiu sua intenção de dar cumprimento a suas obrigações conforme o artigo 27 da  Convenção Americana.  A CIDH estima oportuno destacar que a vigência do estado de comoção na Colômbia não deve ser traduzida em maior desproteção da população civil, pessoas deslocadas, líderes sociais e sindicais, e defensores de direitos humanos, entre outros grupos vulneráveis.  Este estado tampouco deve interferir com o devido funcionamento do poder judicial e o esclarecimento de violações de direitos humanos.

 

A CIDH observa que o Decreto Legislativo 2002, publicado em 11 de setembro de 2002, estabelece medidas para o controle da ordem pública e define zonas de reabilitação e consolidação. A Comissão Interamericana manter-se-á atenta à aplicação desta medida, conforme os parâmetros da  Convenção Americana e os princípios do direito internacional dos  direitos humanos e o direito internacional humanitário quanto a necessidade, proporcionalidade e não-discriminação.

 

Durante a sua mais recente visita in loco a Haití em agosto deste ano, a CIDH manifestou novamente sua profunda preocupação pelo enfraquecimento do Estado de Direito nesse país, a falta de independência do Poder Judicial, a impunidade, o clima de insegurança dos  cidadãso, a atuação impune de grupos armados e as ameaças de que foram objeto alguns jornalistas. A falta de diálogo entre os principais setores da  sociedade haitiana constitui um obstáculo sério na busca de soluções para estes problemas e representam um enfraquecimento dos  pilares fundamentais para o establecimento de um Estado de Direito segundo os termos da  Convenção Americana e da  Carta Democrática Interamericana. 

 

Devemos chamar a atenção sobre a seriedade da  situação que atravessa a sociedade haitiana, afetada pela  pobreza extrema da  maior parte da  população, elevadas taxas de analfabetismo e de mortalidade materno-infantil, e desnutrição.  Tais circunstâncias geram uma grave crise social e representam em si mesmas uma série de violações dos  direitos humanos da  população.  A vigência efetiva dos  direitos econômicos, sociais e culturais constitui um grande desafío que não pode ser resolvido sem uma participação profunda e um plano concreto de desenvolvimento por parte do Governo haitiano, com a colaboração de diversos setores da  sociedade civil e da  comunidade internacional.

 

Nosso continente continua sendo, em geral, uma região de paz e de democracia.  Entretanto, não podemos limitar-nos a definir esta era pela  estabilidade democrática ou a ausêcia de ditaduras, pois o perigo da interrupção da  democracia não está superado por completo.  Este ano a Comissão Interamericana teve a oportunidade de realizar uma visita in loco a Venezuela logo depois do golpe de estado fracassado de 11 de abril.  Embora tenhamos sido convidados a retornar ao país pelo Presidente Hugo Chávez quantas vezes fosse necessário, e termos contactado as autoridades venezuelanas, até este momento não foram estabelecidas as datas para uma próxima visita.  A CIDH considera importante estar presente na Venezuela durante esta etapa difícil, porque acredita firmemente que pode contribuir de forma significativa para a garantia dos  direitos fundamentais de todos os habitantes deste país.   Neste sentido, a Comissão Interamericana está disposta a contribuir dentro do marco de suas atribuições na intermediação que vem fazendo a Secretaria Geral da  OEA com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o Centro Carter, pois estima que tal iniciativa oferece esperanças de resolução pacífica da  crise política de Venezuela.

 

Em tempos como estes é importante garantir plenamente a liberdade de expressão na Venezuela, bem como recordar que esta seja exercida com responsabilidade.  Igualmente, temos  o dever de proteger os defensores de direitos humanos deste país que, de acordo com o denunciado, sofrem ataques injustos e intolerantes cada vez que conduzem investigações ou anuncian seus resultados.  Ademais, temos interesse em restabelecer um diálogo com entidades estatais de controle, e em especial com o Poder Judicial, a respeito do fortalecimento de sua independência, imparcialidade e eficácia.

 

É fundamental manter o debate político na Venezuela dentro dos limites da institucionalidade democrática.  As reclamações da  oposição sobre o modo de exercício do poder pelo Governo, não devem ser orientadas à incitação à violência nem a insubordinação militar.  Igualmente, a Comissão Interamericana seguirá muito atentamente o desenvolvimento da  investigação judicial sobre todos os fatos de 11 a 14 de abril de 2002, que não devem ficar impunes.  Neste sentido, manifestamos nossa preocupação com os últimos acontecimentos institucionais que parecem fixar límites ao alcance das investigações e impedir o estabelecimento de responsabilidades de altos oficiais por sua participação no golpe de 11 de abril passado.  De acordo com a experiência da  CIDH com atos de violência e de quebra da ordem institucional em distintos países do continente, a impunidade não faz mais que propiciar a repetição de atividades contrárias à democracia e aos direitos humanos. 

 

A Comissão manifestou em várias oportunidades seu firme repúdio aos ataques sistemáticos que, direta ou indiretamente, impedem ou dificultam as tarefas dos  defensores de direitos humanos nlas Américas.  A CIDH contiunua recebendo denúncias sobre distintos tipos de ataques e atos de intimidação contra estas pessoas, que dedicam-se a proteger os direitos fundamentais dos  habitantes do hemisferio.  Diariamente são perpretados atos tais como o registro ilícito das organizações de direitos humanos, roubo de equipamentos e informação, ameaças de morte por telefone ou por escrito, ataques contra a integridade física, perseguições, sequestros, e, em alguns casos, assassinatos.  A informação disponível indica que a imensa mairoia destes ataques permanecem na mais plena impunidade.

 

O fortalecimento da  democracia no hemisfério deve incluir o pleno respeito pelo trabalho dos  defensores de direitos humanos.  A Assembléia Geral da  OEA manifestou em mais de uma oportunidade seu respaldo a importante tarefa dos  defensores nas Américas, e destacou sua valiosa contribuição para a proteção e promoção dos  direitos e liberdades fundamentais.  Ao mesmo tempo, os Estados membros expressaram sua preocupação pela  persistência de atos que, direta ou indiretamente, impedem e dificultam as tarefas dos  defensores de direitos humanos.  Nos termos da  mais recente resolução da  Assembléia Geral sobre esta matéria, a CIDH exorta todos os Estados membros da OEA a adotar os melhores esforços para garantir plenamente a vida, a integridade pessoal e a liberdade de expressão dos  defensores de direitos humanos nas Américas.

 

As considerações sobre a delicada situação que atravessam numerosos países da  região, expostas dentro do breve tempo de que dispomos, impedem nesta oportunidade, de estender-me a considerações acerca da  grave situação orçamentária vivida pela Comissão Interamericana.  Todavia, espero que esta realidade seja considerada pelos senhores representantes permanentes, e que busquem meios mais apropiados para solucioná-la o antes possível.

 

Senhor Presidente, senhor Secretário Geral Adjunto, senhoras e senhores representantes, estimados colegas e companheiros de trabalho:

 

Nosso hemisfério não escapa de uma realidade internacional cada vez mais complexa.  Comentei anteriormente o que havia mudado no mundo e o que permanece igual.  Devemos estar dispostos a enfrentar os novos desafios com pensamento criativo e com originalidade.  Contudo, também devemos resistir à tentação de ver em cada desafio uma exceção que nos incita a descartar as conquistas que conseguimos em  matéria de direitos humanos ao longo de muitos anos e muitas lutas.  Gostaria  de destacar que não foi alterado nem deve-se  alterar o compromisso dos  Estados de respeitar a ordem jurídico internacional.  Com efeito, as respostas aos problemas que enfrentamos devem estar entre os mecanismos internacionais e não fora deles, visto que os mesmos contêm as ferramentas necessárias para responder as necessidades da  segurança e também as da  justiça.  Somente assim se poderá ganhar a batalha contra o terrorismo e contra o autoritarismo, dentro do marco da  democracia e do Estado de Direito que constituem a própria essência do sistema interamericano. 

 

Muito obrigado.

 

 

 

DISCURSO DO PRESIDENTE DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS JUAN E. MÉNDEZ
APRESENTAÇÃO DO RELATÓRIO DA COMISSÃO INTERAMERICANA SOBRE TERRORISMO E DIREITOS HUMANOS PERANTE A COMISSÃO DE ASSUNTOS JURÍDICOS E POLÍTICOS DO CONSELHO PERMANENTE DA OEA

 

Washington, D.C.

12 de dezembro de 2002

 

 

Senhor Presidente e senhores membros da Comissão de Assuntos Jurídicos  Políticos:

 

Dirigo-me aos senhores hoje com muito prazer para submeter a sua consideração o Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre Terrorismo e Direitos Humanos.

 

O terrorismo, a violência e o temor que o mesmo perpetua vem sendo uma característica constante e inquietante da história moderna das Américas e um fenômeno infelizmente  bastante conhecido para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Os três ataques terroristas de proporções sem precedentes perpetrados simultaneamente nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001, confirmam que o terrorismo é uma ameaça constante, grave à proteção dos direitos humanos e da paz e a segurança regionais e internacionais, uma ameaça que exige consideração imediata e minuciosa de parte da comunidade internacional, incluindo os órgãos da Organização dos Estados Americanos.

 

Entre as questões analisadas na imprensa e em outros meios desde o dia 11 de setembro de 2001, há questões  vinculadas às medidas que devem ser adotadas para combater o terrorismo e a maneira de aplicar os direitos humanos fundamentais a essas medidas. Isto inclui o debate em torno dos meios mais adequados para deter, investigar, processar e punir os suspeitos de atividades terroristas. Nesse contexto, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, como órgão da OEA responsável pela promoção da observância e a proteção dos direitos humanos no  hemisfério, e como órgão consultivo da Organização nestas questões, aprovou uma resolução, em 12 de dezembro de 2001, na qual decidiu preparar um relatório completo sobre terrorismo e direitos humanos para assistir aos Estados membros na adoção de leis e regulamentos antiterrorismo compatíveis com o direito internacional. A Assembléia Geral da OEA, através da resolução aprovada em 4 de junho de 2002 no  curso do 32º Período Ordinário de Sessões, celebra a decisão da Comissão de preparar um relatório sobre terrorismo e direitos humanos e solicita que a Comissão submeta o relatório à consideração do Conselho Permanente, se possível, em 2002.

 

Após doze meses de extensas e detidas deliberações, a Comissão tem o prazer em apresentar o relatório final. Na preparação do relatório, a Comissão recorreu a sua longa experiência na proteção dos direitos humanos frente ao terrorismo, convocou um painel de especialistas internacionais no  curso de seu período ordinário de sessões de março de 2002, a fim de obter informação atualizada e especializada sobre a questão do terrorismo e os direitos humanos, e convidou os Estados membros da OEA e as organizações não governamentais pertinentes a apresentar observações escritas sobre este tema.

 

Ao longo do relatório, a Comissão articula vários princípios básicos relacionados com a função dos direitos humanos em enfrentar o terrorismo. A Comissão indica claramente que os governos das Américas estão obrigados a adotar as medidas necessárias para prevenir o terrorismo e outras formas de violência e a garantir a segurança de suas populações. Ao mesmo tempo, a Comissão declara que os Estados estão sempre vinculados por suas obrigações internacionais em matéria de direitos humanos, estando sujeitos a suspensão ou restrição especificamente admitidas no  direito internacional quando a nação se vê ameaçada. A Comissão rejeita categoricamente todo conceito de que o direito internacional é irrelevante ou inaplicável à campanha posterior a 11 de setembro contra o terrorismo. A este respeito, a Comissão recorda os Estados membros da OEA sobre o Artigo 15 da Convenção Interamericana contra o Terrorismo recentemente aprovada, pela qual confirmam explicitamente seu compromisso de respeitar plenamente o império da lei, os direitos humanos e as liberdades fundamentais na campanha contra o terrorismo.

 

No  relatório reconhece-se que a violência terrorista pode existir em tempos de paz, em estados de emergência e em situações de guerra e, portanto, foram analisadas as obrigações dos Estados em virtude do direito internacional em matéria de direitos humanos e do direito dos conflitos armados. Também foram examinadas as normas de proteção em ambos regimes em seis esferas principais: o direito à vida, o direito a um tratamento humano, o direito à liberdade e segurança pessoais, o direito a um julgamento imparcial, o direito à liberdade de expressão, os direitos à proteção judicial e à não discriminação, e a proteção dos imigrantes, os refugiados, as pessoas que buscam asilo e outros não nacionais.

 

O  relatório destaca, por exemplo, que os detidos nunca devem ser submetidos a torturas ou a outros tratamentos ou castigos cruéis, desumanos ou degradantes durante sua detenção, nos métodos de interrogatório ou em outras condições. Estreitamente ligada a esta prescrição está o requisito de que o tratamento dos detidos esteja sujeito a mecanismos de supervisão adequados, como aqueles estabelecidos pelos regimes aplicáveis do direito internacional, em tempos de paz e em tempos de guerra. Ressalta-se que as pessoas acusadas e processadas por delitos relacionados com o terrorismo devem ser objeto, em todas as situações, das proteções fundamentais do devido processo legal, incluindo o direito do acusado a uma rápida notificação detalhada das acusações que lhe são imputadas, o direito a ser assistido por um advogado sem demora e o direito a um julgamento público. Ademais, o  relatório exorta os Estados membros a garantir o direito à liberdade de expressão em todas as circunstâncias e sujeito somente às restrições e derrogações permissíveis, pois um público informado pode ser um instrumento efetivo para controlar e evitar abusos de parte das autoridades do Estado durante situações de ameaça terrorista. A situação dos imigrantes, refugiados e pessoas que buscam asilo e outros não nacionais merece atenção específica de parte da Comissão, pois estas pessoas são particularmente vulneráveis às violações dos direitos humanos na formulação e execução de medidas antiterroristas. Por último, o relatório ressalta a necessidade de que os Estados cumpram com  toda circunstância e situação a proibição absoluta da discriminação de toda índole, inclusive por motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra índole, origem nacional ou social, condição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. O relatório conclui com uma série de recomendações específicas aos Estados membros da OEA para dar efeito às conclusões da Comissão.

 

Em sua resolução de aprovação e abertura para assinatura da Convenção Interamericana contra o Terrorismo, a Assembléia Geral da OEA proclamou que a luta contra o terrorismo deve ser empreendida com pleno respeito pelo  direito interno e internacional, os direitos humanos e as instituições democráticas, a fim de preservar o império da lei, as liberdades e os valores democráticos no  hemisfério, componentes essenciais para combater com êxito o terrorismo. A Comissão espera que o seu estudo ajude os Estados membros da OEA e a outras partes interessadas no sistema interamericano no cumprimento desta responsabilidade crucial.

 

Obrigado.

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