RELATÓRIO N° 40/03

CASO 10.301

42° Distrito Policial

Parque São Lucas, São Paulo

BRASIL

8 de outubro de 2003

 

 

VÍTIMAS: Arnaldo Alves de Souza, Antonio Permoniam Filho, Amaury Raymundo Bernardo, Tomaz Badovinac, Izac Dias da Silva, Francisco Roberto de Lima, Romualdo de Souza, Wagner Saraiva, Paulo Roberto Jesuíno, Jorge Domingues de Paula, Robervaldo Moreira dos Santos, Ednaldo José da Fonseca, Manoel Sivestre da Silva, Roberto Paes da Silva, Antonio Carlos de Souza, Francisco Marlon da Silva Barbosa, Luiz de Matos e Reginaldo Avelino de Araújo.[1]

 

I.        ANTECEDENTES

 

1.       A Comissão Interamericana de Direitos Humanos iniciou a tramitação do presente caso em 8 de fevereiro de 1989, com base em uma denúncia apresentada por Américas Watch (atualmente Human Rights Watch/Américas) no dia 7 do mesmo mês e ano. Em sua comunicação de denúncia, a organização peticionária alega que em 5 de fevereiro de 1989 ocorreu uma tentativa de motim nas celas do 42° Distrito Policial do Parque São Lucas, na Zona Leste da cidade de São Paulo. Declara ainda que, com o intento de prevenir distúrbios, cerca de 50 detentos foram encarcerados em uma cela forte de um metro por três, dentro da qual foram jogados gases lacrimogêneos e que 18 dos detentos morreram por asfixia e 12 foram hospitalizados. O centro de detenção, que tem capacidade para 32 pessoas em quatro celas, alojava naquele momento - segundo consta da denúncia - 63 detentos. No tocante aos fundamentos de direito, a organização peticionária alega, inter alia: que estes fatos violam os direitos à vida e à integridade pessoal das vítimas (artigos I da Declaração Americana e 4 e 5 da Convenção) e as normas mínimas sobre as condições de detenção. Concretamente, a organização peticionária pede que a CIDH intervenha urgentemente para preservar "a saúde e segurança" dos detentos sobreviventes.

 

2.       Em 8 de fevereiro de 1989, de acordo com o artigo 34 do Regulamento da Comissão, foram transmitidas ao Governo do Brasil as partes pertinentes da denúncia apresentada pelo reclamante, concedendo-lhe um prazo de 90 dias para apresentar a informação que considerasse relevante a respeito dos fatos denunciados.

 

3.       Em sua contestação de 12 de julho de 1989, o Governo informou, inter alia: 1) que haviam sido iniciadas as investigações policiais previstas na lei a fim de apurar a responsabilidade criminal e administrativa dos policiais envolvidos, os quais haviam sido suspensos de forma preventiva; 2) que as chamadas "celas fortes" dos Distritos Policiais tinham sido desativadas; e 3) que a investigação do caso por parte das autoridades competentes estava sendo acompanhada pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa do Ministério da Justiça, que havia recebido uma denúncia sobre o caso. Finalmente, o Governo opôs uma exceção de inadmissibilidade por falta de esgotamento dos recursos da jurisdição interna (artigos 46.1, "a", da Convenção Americana; artigos 37.1 e 32, "d", do Regulamento da Comissão). Manifestou, além disso, sua estranheza diante do fato de que a petição houvesse sido considerada "admissível em principio" (artigo 34.1, "c", do Regulamento da Comissão), tendo em vista que os recursos internos para apurar a responsabilidade dos envolvidos ainda estavam em tramitação. Esta resposta do Governo foi transmitida em 13 de julho de 1989 ao reclamante, ao qual foi concedido um prazo de 30 dias para apresentar suas observações.

 

4.       Em 25 de agosto de 1989, a parte reclamante formulou suas observações, afirmando, inter alia: Que, embora tivessem sido iniciadas as investigações, estas estavam sendo conduzidas lentamente. Que, contrariamente ao alegado pelo Governo, os policiais envolvidos não tinham sido suspensos de suas funções, mas tinham sido transferidos para a Corregedoria da Polícia, organismo que, paradoxalmente, é o encarregado de investigar o crime que lhes é imputado. Que, na referida entidade, desempenhavam normalmente suas funções, sem estar submetidos a qualquer suspensão administrativa nem a qualquer separação de funções que facilitasse a investigação. Que, no centro penal, havia sido iniciado um processo por homicídio qualificado contra o Doutor Carlos Eduardo Vasconcelos, Delegado Titular do 42° Distrito Policial, o Doutor Celso José da Cruz, advogado, investigador que estava no comando no momento da chacina, e José Ribeiro, carcereiro. Que, além disso, havia um inquérito separado contra os membros da Polícia Militar perante o Tribunal de Justiça da Polícia Militar, e que o sumário deveria concluir-se em 18 de outubro de 1989. Quanto à afirmação do Governo de que o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana estava acompanhando o processo, a parte reclamante asseverou que este não tem faculdades de ordem jurídica, mas apenas éticas. Declarou, finalmente, que os recursos internos haviam-se mostrado ineficazes, motivo pelo qual não se deveria exigir o esgotamento prévio dos mesmos.

 

5.       A parte reclamante solicitou, entre outras coisas, que "o Governo do Brasil fosse aprazado para apresentar informação que demonstrasse que os recursos internos eram eficazes e apropriados, com indicação mais precisa e detalhada quanto aos resultados alcançados mediante os mesmos". Essas observações do peticionário foram transmitidas em 31 de agosto de 1989 ao Governo, ao qual foram concedidos 30 dias para apresentar suas observações finais.

 

          6.       Em 29 de setembro de 1989, o Governo apresentou suas observações finais e destacou, inter alia, o seguinte: Que o inquérito policial instaurado para investigar a participação dos policiais civis (inquérito policial N° 16/89) passara a fazer parte do processo penal N ° 227/89, e havia sido remetido à 1 e Vara do Júri de São Paulo. Ressaltou, a seguir, que o inquérito policial-militar iniciado para apurar a responsabilidade dos policiais militares envolvidos se encontrava na 3a Auditoria da Justiça Militar. Que também havia sido iniciado um processo disciplinar administrativo contra os policiais envolvidos. Que haviam sido iniciadas ações cíveis de reparação de danos. Que os funcionários diretamente envolvidos tinham sido suspensos por 30 dias imediatamente depois dos fatos, e que alguns dos implicados civis haviam sido posteriormente transferidos para a corregedoria de Polícia, - onde não haviam desempenhado funções administrativas mas haviam passado a desempenhar funções de mera vigilância do prédio da Corregedoria. Que, portanto, não haviam sido esgotados os recursos da jurisdição interna. As observações finais do Governo foram transmitidas ao reclamante em 6 de outubro de 1989.

 

7.       Concluída a tramitação regulamentar no período compreendido entre 6 de outubro de 1989 e 12 de dezembro de 1994, foram recebidas informações adicionais nas seguintes datas: 22 de novembro de 1989;[2] 18 de janeiro de 1990; 26 de janeiro de 1990 (Nota N ° 22 de 16 de janeiro de 1990);[3] 3 de março de 1990;[4] 5 de junho de 1990; 22 de dezembro de 1992; 24 de outubro de 1993; 22 de fevereiro de 1994;[5] 16 de setembro de 1994;[6] 2 de dezembro de 1994;[7] e 10 de agosto de 1995.

 

8.       De acordo com o artigo 48.1, "f", da Convenção, a Comissão, em carta datada de 23 de outubro de 1995, colocou-se à disposição das partes a fim de chegar a uma solução amistosa a respeito do assunto. Nessa carta, a Comissão concedeu um prazo de 45 dias para que o Governo informasse se estava interessado em buscar essa solução, comunicando-lhe que, se não desse a conhecer sua posição a respeito dentro desse prazo, seria considerada esgotada a possibilidade de alcançar uma solução amistosa. O Governo não deu a conhecer sua posição dentro desse prazo, nem posteriormente.

 

Tendo em vista esses antecedentes, a Comissão passa a considerar:

 

II.       COMPETÊNCIA DA COMISSÃO

 

9.       A Comissão é competente, de acordo com o disposto nos artigos 26[8] e 51[9] de seu Regulamento, para conhecer da presente denúncia de violação dos direitos à vida e à integridade estabelecidos na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem[10] e para pronunciar-se a seu respeito.

 

10.     Também é competente para examinar denúncias contra o Estado brasileiro por violações de direitos humanos com fundamento no disposto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no artigo 26 de seu Regulamento.

 

11.     Em primeiro. lugar, é competente com base na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, pois os fatos que deram origem à presente denúncia ocorreram antes da data em que o Estado brasileiro tivesse depositado seu instrumento de adesão à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (25 de setembro de 1992).

 

12.     Em segundo lugar, a Comissão é também competente para examinar determinadas violações com base na Convenção Americana, na medida em que estas decorrem da negação continuada do direito às garantias judiciais (artigo 8 da Convenção Americana) e do direito à proteção judicial (artigo 25 da Convenção Americana). No presente caso, as violações tiveram seu início quando o Brasil estava sujeito à Declaração Americana, continuando subseqüentemente à ratificação pelo Estado, da Convenção Americana. 0 Estado brasileiro, ao depositar seu instrumento de adesão à Convenção Americana, assumiu, de conformidade com a jurisprudência da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a obrigação explícita de investigar e punir os culpados, especialmente os policiais militares envolvidos. Não obstante, no presente caso, não ofereceu as devidas garantias judiciais nem proteção judicial às vítimas nem a seus familiares, o que se manifesta na morosidade dos processos judiciais, especialmente na Justiça Militar que, até a época em que o relatório elaborado com base no artigo 50 da Convenção foi aprovado, passados sete anos dos fatos, se encontra na etapa inicial do processo. Ao agir desta maneira, tampouco cumpriu com o que estabelece o artigo 1.1 da Convenção, ou seja, o dever de respeitar os direitos e liberdades reconhecidos na mesma e de garantir seu livre a pleno exercício a toda pessoa sujeita à sua jurisdição. Desses deveres, a critério da Comissão, e conforme ressaltou a Corte Interamericana de Direitos Humanos, se deriva o de organizar todo o aparato governamental e as estruturas através das quais se manifesta o exercício do poder público de forma a poderem garantir juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos. Deriva-se, da mesma maneira, o dever de prevenir, investigar e punir ao qual acabamos de nos referir, bem como o de procurar, se possível, restabelecer o direito violado e, quando for o caso, pagar a indenização pelos danos ocasionados.[11]

 

13.     Por conseguinte, a Comissão é competente ratione temporis para conhecer do caso sub judice e decidir de acordo com a Declaração Americana (artigo XVIII) e também de acordo com a Convenção Americana no que diz respeito aos processos que têm sido instaurados na justiça penal brasileira, especialmente na penal militar, por constituírem violações continuadas dos artigos 8 e 25 da Convenção com referência ao artigo 1.1, da mesma.[12]

 

14.     Ao analisar este caso, a Comissão considerou importante ter em mente a jurisprudência da Comissão Européia de Direitos Humanos que, embora tenha reconhecido e aplicado reiteradamente o princípio da irretroatividade dos tratados,[13] estabeleceu, em algumas de suas decisões, uma distinção entre as situações nas quais as violações possuem um caráter não continuado, consumando-se inteiramente em um momento determinado e as situações ou violações de caráter continuado. A Comissão Européia tem-se considerado incompetente ratione temporis para conhecer do primeiro tipo de situação porém, tem-se declarado competente para examinar as situações de natureza continuada.

 

15.     A esse respeito, a Comissão Européia pronunciou-se da seguinte maneira:

Ora, segundo os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos, para cada uma das Partes Contratantes, a Convenção é válida apenas em relação a fatos posteriores à sua entrada em vigor no que diz respeito a esta Parte. No caso de que tais fatos consistam em uma série de processos legais que se prolongam durante vários meses, à data de entrada em vigor da Convenção no tocante ao Estado em questão serve para dividir o período em duas partes, a primeira das quais escapa à jurisdição da Comissão, enquanto a segunda não pode ser rejeitada com estes argumentos.[14]

 

16.     Nesta mesma ordem de idéias, a Comissão Européia assim se expressou quanto a outro caso relacionado com a aplicação do artigo 25 da Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais e seus Protocolos:

 

O demandante apresentou diversas queixas relativas aos processos criminais instaurados contra ele nos tribunais italianos.

A Comissão deve determinar, em primeiro lugar, se e até que ponto ela é competente ratione temporis para conhecer de ditas queixas.

Neste contexto, remete-se à sua jurisprudência anterior que estabelece que, se os fatos consistem em uma série de procedimentos legais, a data de entrada em vigor do Convênio a respeito do Estado em questão serve para dividir o período em duas partes, a primeira das quais escapa à jurisdição da Comissão ratione temporis, enquanto a segunda não pode ser rejeitada por esse motivo. Ao contrário, quando um tribunal promulga sentença após a entrada em vigor do Convênio com respeito ao Estado interessado, a Comissão é competente ratione temporis para garantir que os processos instaurados perante um tribunal sejam incorporados à sua decisão final que, por conseguinte, abrangeria qualquer falha que poderiam ter tido.[15]

          17.     Em relação à aplicabilidade da doutrina da Comissão Européia ao sistema interamericano, o seguinte foi estabelecido:

 

... a doutrina estabelecida pela Comissão Européia e pelo Comitê de Direitos Humanos do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos é aplicável ao sistema inter americano, visto que estes órgãos têm se declarado competentes para conhecer de fatos anteriores à data de entrada em vigor da Convenção para tal Estado, sempre e na medida em que tais atos caracterizem uma continuada violação da Convenção que possa prolongar-se mais além daquela data.[16]

 

          III.      ADMISSIBILIDADE DA PETIÇAO

 

          18.     Os requisitos formais de admissibilidade estão previstos no artigo 46.1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, segundo o qual, para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44[17] ou 45 seja admitida pela Comissão, será necessário:

 

a) que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos;

 

b) que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva; que a matéria da petição ou comunicação não esteja pendente de outro procedimento de solução internacional, e

 

d) que, no caso do artigo 44, a petição contenha o nome, a nacionalidade, a profissão, o domicílio e a assinatura da pessoa ou pessoas ou do representante legal da entidade que submeter a petição.

 

19.     A presente petição preenche o requisito formal de admissibilidade previsto no artigo 46, inciso 1, alíneas "c" e "d" da Convenção, porquanto a matéria da petição não está pendente de outro processo de solução internacional. Preenche, além disso, o requisito contemplado na alínea "d", pois contém o nome e a assinatura do representante legal da entidade que submete a petição, uma organização não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização. A petição, ainda, está escrita em papel timbrado da referida entidade, no qual consta o nome e o endereço da mesma. Por conseguinte, a Comissão dá por preenchido este requisito.

 

20.     Cabe agora considerar se a referida petição preenche os requisitos formais de admissibilidade previstos no inciso 1, alíneas "a" e "b" transcritos ou se, no caso de não o fazer, aplicam-se as exceções previstas no inciso 2 da mesma disposição, que determina:

 

As disposições das alíneas "a" e "b" do inciso 1 deste artigo não se aplicarão quando:

a) não existir, na legislação interna do Estado de que se tratar, o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos que se alegue tenham sido violados;

b) não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los; e

c) houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos.

 

          21.     A este respeito, o Governo do Brasil reivindicou uma exceção preliminar de falta de esgotamento dos recursos da jurisdição interna, baseado no fato de que a denúncia em questão fora feita quase imediatamente depois dos fatos denunciados, ou seja, antes que tivesse havido tempo para dar andamento aos recursos da jurisdição interna. Baseia-se, também, no fato de que os referidos recursos ainda se encontram em tramitação.

 

          22.     A parte peticionária, por sua vez, alegou a ineficácia dos recursos da jurisdição interna e a demora injustificada na tramitação dos casos contra os responsáveis pelos fatos ocorridos no 42° Distrito Policial, bem como a aplicação da exceção prevista no artigo 46.2, da Convenção. Alegou, ainda, que o argumento do Governo no sentido de que a denúncia fora apresentada demasiadamente rápido, não tendo havido tempo para que se desse andamento aos processos da jurisdição interna poderia ter sido válido em 1989, não procedendo contudo atualmente. Isto, porque já se passaram mais de seis anos desde que os processos judiciais iniciaram-se, sem que tenha sido proferida uma decisão definitiva a respeito, em especial no tocante aos processos que tramitam na Justiça Militar.

 

23.     Conforme ressaltou a Corte Interamericana de Direitos Humanos:

 

A regra do prévio esgotamento dos recursos internos permite ao Estado resolver o problema segundo seu direito interno antes de ver-se em face de um processo internacional, o que se aplica especialmente à jurisdição internacional dos direitos humanos, por ser esta "coadjuvante ou complementar" da que oferece o direito interno (Convenção Americana, Preâmbulo).[18]

 

24.     Esta regra -- segundo a Corte -- tem implicações que estão contempladas na Convenção. Uma delas é a obrigação assumida pelos Estados partes de assegurar às vítimas de violações de direitos humanos os recursos da jurisdição interna efetivos (artigo 25 da Convenção); outra, é a de que esses recursos se concretizem de acordo com as regras do devido processo legal (artigo 8.1, da Convenção). Isto tudo se produz no âmbito de aplicação do artigo 1.1, da Convenção, que estabelece a obrigação do Estado de garantir a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição o livre e pleno exercício dos direitos reconhecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.[19]

 

25.     Ora, é óbvio que o ônus da prova em relação ao esgotamento dos recursos da jurisdição interna corresponde ao Estado que alega seu não esgotamento. Isto compreende o dever de indicar os recursos internos a serem esgotados e sua eficácia.[20]

 

26.     No caso sub judice, o Governo do Brasil limitou-se a alegar a falta de esgotamento dos referidos recursos, sem enumerar quais deles seriam eventualmente utilizáveis. Além disso, não contestou as alegações relacionadas com a falta de eficácia dos recursos intentados nem apresentou qualquer prova documental a respeito.

 

27.     Considerando que o Governo não opôs objeção à maior parte das alegações dos peticionários nem justificou a demora e a falta de eficácia dos recursos da jurisdição interna, a Comissão deve estabelecer suas conclusões prescindindo de uma participação mais ativa daquele.[21]

 

28.     No presente caso, conforme consta dos autos, os recursos da jurisdição interna não haviam sido esgotados no momento de ser apresentada a denúncia. Tampouco hoje, sete anos depois, encontram-se esgotados, com exceção do caso de um dos policiais civis envolvidos que foi absolvido. Com efeito, de acordo com a informação recebida até o momento da elaboração deste relatório, os casos de dois dos policiais civis se encontram em fase de apelação, e os processos perante a Justiça Penal Militar ainda se encontram na etapa de coleta dos depoimentos das testemunhas da acusação.

 

29.     A fundamentação da proteção internacional dos direitos humanos, (referida no artigo 46.1, da Convenção) encontra sua raiz na necessidade de salvaguardar a vítima do exercício arbitrário do poder público.[22] As exceções contempladas no artigo 46.2, da Convenção, precisamente, buscam garantir a ação internacional quando os recursos da jurisdição interna e o próprio sistema jurídico interno não são efetivos para assegurar o respeito aos direitos humanos das vítimas.

 

30.     Assim sendo, o requisito formal relativo à inexistência de recursos internos que garantam o principio do devido processo (artigo 46.2 "a", da Convenção) se refere não apenas a uma ausência formal de recursos da jurisdição interna como também ao caso de que os mesmos não se revelem adequados. A negação (artigo 46.2 "b", da Convenção) e a demora injustificada da justiça (artigo 46.2 "c",. .a Convenção), por outro lado, também estão vinculadas com a eficácia dos referidos recursos.[23]

 

31.     Neste sentido, os princípios do direito internacional geralmente reconhecidos se referem aos fatos tanto de que os recursos internos existam formalmente como de que sejam adequados para proteger a situação jurídica infringida, além de eficazes para produzir o resultado para o qual foram concebidos.[24] Por este motivo, seu esgotamento não deve ser entendido como a necessidade de realizar, mecanicamente, tramitações formais, mas em cada caso deve ser analisada a possibilidade razoável de obter o remédio.[25] Nesta mesma ordem de idéias, o direito de aduzir a falta de esgotamento dos recursos internos como fundamento de uma declaração de inadmissibilidade de uma petição não pode levar a "que seja detida ou retardada até a inutilidade, a atuação internacional em auxílio da vítima indefesa".[26] Em outras palavras, se a tramitação dos recursos internos demora[27] de maneira injustificada, pode-se deduzir que eles perderam sua eficácia para produzir o resultado para o qual foram estabelecidos, o que "torna indefesa a vítima".[28] Nessa instância é que devem ser aplicados os mecanismos de proteção internacional, entre outros, as exceções previstas no artigo 46.2, da Convenção.

 

32.     No caso sub judice, o Governo teve a oportunidade de refutar os argumentos das partes peticionárias com relação à eficácia dos recursos internos intentados e do próprio sistema judiciário, em especial da Justiça Militar. Também teve a oportunidade de refutar as alegações relacionadas com a demora e falta de diligência na tramitação dos processos e, portanto, a falta de empenho por parte das autoridades judiciais e do Ministério Público,[29] sobretudo no foro militar, a quem cabe dar andamento ao processo. Contudo, não o fez e apenas em uma ocasião se limitou a dizer: "... não houve demora injustificada na tramitação dos processos".[30]

 

33.     Os fatos provados indicam, porém, que se passaram sete anos desde a ocorrência dos fatos[31] não tendo sido ainda prolatada sentença com referência a nenhum dos 28 policiais militares envolvidos tendo sido proferida sentença definitiva apenas no caso de um dos policiais civis implicados, o qual foi absolvido.[32]

34.     Em virtude do exposto, a Comissão considera que, neste caso, é aplicável a exceção prevista no artigo 46, inciso 2, alínea "c", da Convenção, referente à demora injustificada dos processos penais, em especial, dos que tramitam perante a Justiça Penal Militar.[33]

 

35.     A Comissão conclui, por conseguinte, que a denúncia sub judice é admissível conforme o disposto no artigo 46, inciso 2, alínea "c", antes citado.

 

IV.      QUESTÕES DE FUNDO

 

A.      RESPONSABILIDADE DO ESTADO FEDERAL DO BRASIL PELOS ATOS DE SEUS AGENTES

 

36.     0 Estado brasileiro não refutou a informação apresentada pelas partes peticionárias a respeito dos fatos ocorridos em 5 de fevereiro de 1989 na cela do 42° Distrito Policial do Parque São Lucas, da cidade de São Paulo, os quais também foram divulgados pela imprensa e por outros meios de comunicação locais e internacionais[34] e foram objeto de estudo por parte de instituições brasileiras de reputação inegável no campo da defesa e promoção dos direitos humanos.[35] Nessa ocasião, cerca de 50 detentos foram encarcerados em uma solitária de um metro por três, dentro da qual agentes do Estado jogaram gases lacrimogêneos. Dezoito dos detentos morreram por asfixia, e 12 foram hospitalizados.

 

37.     Das informações enviadas à Comissão, depreende-se que foram agentes do Estado que ordenaram e executaram os atos que produziram a morte de 18 detentos e as lesões em outros 12, e que o Estado brasileiro aceita esta responsabilidade. 0 referido Estado, além disso, não contestou as alegações das partes peticionárias[36] no sentido de que os detentos, que estavam despidos e indefesos, foram previamente torturados pelos encarregados de sua custódia.[37]

 

38.     Pelo contrário, declara em suas comunicações, inter alia, que foram iniciadas investigações policiais para "apuração da responsabilidade criminal e administrativa dos policiais envolvidos";[38] que "os policiais civis envolvidos foram suspensos preventivamente";[39] que, "com vistas a evitar a ocorrência de episódios semelhantes no futuro, decidiu-se que as chamadas celas fortes dos distritos policiais permanecerão desativadas"[40] e que "os funcionários diretamente envolvidos no episódio cumpriram suspensão preventiva por período de 30 dias imediatamente após o ocorrido",[41] o que constitui um reconhecimento tácito de que o incidente que culminou com a morte de 18 presos foi causado por agentes do Estado. Afirmativas do mesmo teor se encontram em várias das comunicações que o Governo enviou à Comissão no decorrer da tramitação da denúncia.[42]

 

39.     0 direito internacional atribui responsabilidade ao Estado pela atuação de seus diversos órgãos e unidades constituintes, tanto durante, como fora do exercício regular de suas funções. Isto abrange os órgãos superiores do Estado, como o Poder Executivo, o Legislativo e o Judiciário, bem como os atos e omissões de seus funcionários ou agentes subalternos,[43] isto porque o Estado, sendo uma pessoa jurídica fictícia, somente pode atuar através de seus empregados e organismos.[44]

 

40.     A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em sua sentença de 29 de julho de 1988 (caso Velásquez Rodríguez), estabeleceu a este respeito o seguinte:

 

Constitui um principio de direito internacional que o Estado responda pelos atos de seus agentes ao amparo de seu caráter oficial e pelas omissões dos mesmos, ainda quando fora dos limites de sua ação do direito interno.[45]

 

41.     Ou seja, o Governo é responsável, no caso em questão, pela conduta de seus agentes policiais que infligiram tratamento desumano a cerca de 50 prisioneiros foram encarcerados em uma  solitária de dimensões mínimas e que morreram ou ficaram lesionados em decorrência de terem sido jogados gases lacrimogêneos no interior da mesma. É também responsável pelas ações ou omissões dos agentes encarregados de apurar os fatos e pelas do Poder Judiciário, especialmente da Justiça Militar que, sete anos após a ocorrência desses fatos, ainda não cumpriu com sua obrigação de investigar e punir os culpados.

 

42.     Ora, sendo o Brasil um Estado federal, é o Governo nacional quem deve responder na esfera internacional. Com efeito, o artigo 28 da Convenção dispõe:

 

1. Quando se tratar de um Estado Parte constituído como Estado federal, o Governo nacional do aludido Estado Parte cumprirá todas as disposições da presente convenção, relacionadas com as matérias sobre as quais exerce competência legislativa e judicial

 

2. No tocante às disposições relativas às matérias que correspondem à competência das entidades componentes da federação, o Governo nacional deve tomar medidas pertinentes, em conformidade com sua constituição e suas leis, a fim de que as autoridades competentes possam adotar as disposições cabíveis para o cumprimento desta Convenção.

 

43.     Diante do exposto, a Comissão conclui que, no caso sub judice, o Estado federal do Brasil deve responder na esfera internacional pelos atos dos agentes encarregados da custódia dos detentos e da guarda, administração e tutela do centro de detenção onde ocorreram os fatos. É um fato incontroverso que esses agentes empregaram meios excessivos e irracionais para controlar um grupo de presos, o que resultou na morte de 18 destes e lesões em vários outros. É responsável, também, por não ter cumprido o artigo XVIII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (direito à justiça), que assegura um processo simples e breve, mediante o qual a justiça proteja a pessoa contra atos de autoridade que violem qualquer dos seus direitos fundamentais; por não ter cumprido o artigo 1.1, da Convenção Americana em conjunto com os artigos 8 e 25 do mesmo, que estabelece a obrigação do Estado tanto de respeitar os direitos e as liberdades reconhecidos na Convenção como de garantis seu exercício e, finalmente, por não haver cumprido com a obrigação que deriva desta disposição e que consiste no dever de "prevenir, investigar e punir" as violações dos direitos reconhecidos pela Convenção.[46]

 

44.     A Comissão conclui ainda, que é responsabilidade do Estado brasileiro tomar as medidas pertinentes, segundo o disposto no artigo 28 da Convenção Americana, de conformidade com sua Constituição e suas leis, no sentido de que as autoridades competentes de seus Estados federados adotem as medidas cabíveis para cumprir com a Convenção.

 

B.       DIREITO À VIDA

 

45.     Em 5 de fevereiro de 1989, cerca de 50 detentos foram encarcerados numa solitária de um metro por três, dentro da qual os agentes do Estado jogaram gases lacrimogêneos. Dezoito dos detentos morreram por asfixia e 12 foram hospitalizados. Tendo em vista que o Estado brasileiro ratificou a Convenção Americana após os fatos que motivaram a presente denúncia[47], as partes peticionárias alegam que essas ocorrências violam, "pelo menos", o direito à vida das vitimas, estabelecido no artigo 1 da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

 

46.     Em virtude do princípio da irretroatividade dos tratados, à qual fez referência quando tratou de sua competência, a Comissão considera que lhe cabe examinar os fatos ocorridos em 5 de fevereiro de 1989 no 42° Distrito Policial, não à luz do artigo 4 da Convenção Americana mas à luz do artigo I da Declaração Americana, no que diz respeito ao direito à vida.

 

47.     0 artigo I da Declaração Americana estabelece:

 

Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa.

 

48.     A disposição transcrita estabelece, como principio básico, a proibição de que se prive arbitrariamente da vida, a qualquer pessoa.

 

49.     Conforme o expressado anteriormente, é um principio do direito internacional que o Estado responda pelos atos de seus agentes realizados ao amparo de seu caráter oficial, assim como pelas omissões dos mesmos, ainda que atuem fora dos limites de sua competência ou que violem o direito interno.[48] Esta responsabilidade do Estado se estende, entre outras, à violação do direito à vida resultante da ação ou omissão dos agentes do Estado.[49]

 

50.     No presente caso, o fato de ter encarcerado tantas pessoas em uma cela de um metro por três, obstruído a única ventilação da mesma e jogado em seu interior gases lacrimogêneos, constituem atos dos agentes do Estado que ignoraram de maneira consciente e temerária o direito à vida dos presos e atuaram sem levar em consideração as prováveis conseqüências de seus atos. Essas ações resultaram na morte de 18 detentos, que morreram por asfixia entre seus próprios excrementos e vômito. Por conseguinte, a Comissão considera que o Estado brasileiro, em decorrência da ação de seus agentes, violou o direito à vida (artigo I da Declaração Americana) das 18 pessoas falecidas nessas circunstâncias.

 

          C.      DIREITO À SEGURANÇA E À INTEGRIDADE PESSOAL

 

51.     Com base no princípio da irretroatividade dos tratados ao qual fez referência anteriormente, a Comissão considera que lhe cabe examinar os fatos ocorridos em 5 de fevereiro de 1989 no 42° Distrito Policial não à luz do artigo 5 da Convenção Americana de Direitos Humanos mas à luz do artigo I da Declaração Americana, no que diz respeito ao direito à segurança e à integridade pessoal.

 

52.     A este respeito, a Comissão considera que os agentes do Estado brasileiro afetaram a saúde física, psíquica e moral de 50 detentos no 42° Distrito Policial ao agredi-los, amontoá-los numa cela de punição de um metro por três e jogar gases lacrimogêneos para dentro da referida cela, a qual tivera obstruída sua única fonte de ventilação. Em decorrência desses atos, 18 dos detentos morreram e 12 foram hospitalizados. Essas ações ignoraram de maneira temerária e consciente os direitos humanos das vítimas que morreram ou saíram da cela de punição cobertas de urina, fezes e vômito devido aos efeitos dos gases e da falta de ventilação.

 

53.     Esses atos, que são imputáveis ao Estado brasileiro por terem sido cometidos por agentes do Estado no exercício de suas funções, constituem uma violação do artigo I da Declaração Americana, que garante, entre outros, o direito à segurança e à integridade da pessoa. Esta disposição determina, no que cabe:

 

Todo ser humano tem direito ... à segurança de sua pessoa.

 

54.     Com relação ao tema das prisões e das condições de detenção, a Convenção considera procedente transcrever o Comunicado de Imprensa N° 12/95 emitido por ela ao finalizar sua visita in loco ao Brasil, no tocante a esta matéria:

 

Na visita ao estabelecimento carcerário de Carandirú e à 3° Delegacia Policial de São Paulo, a Comissão pode confirmar o declarado por suas autoridades no sentido de que existe uma crise generalizada nos referidos estabelecimentos. A superpopulação assume características graves, com prisioneiros amontoados em lugares insalubres, de dimensões reduzidas, ou em pátios ao ar livre, convivendo processados sem condenação, presos condenados pela primeira vez e reincidentes. Os serviços sanitários praticamente são inexistentes nesses estabelecimentos. Por outro lado, há prisioneiros com direito de transferência para regimes carcerários mais abertos que não podem ser transferidos por falta de espaço nos estabelecimentos correspondentes. Quanto a este aspecto, a CIDH recomenda às autoridades a aplicação imediata das normas internacionais de direitos humanos e da própria legislação do Brasil sobre prisões, inclusive a adoção de medidas urgentes para superar a dramática situação que pode comprovar nessa visita.

 

55.     Finalmente, a Comissão acredita ser necessário observar que durante sua visita in loco ao Brasil, realizada no período compreendido entre 27 de novembro e 8 de dezembro de 1995, teve a oportunidade de verificar que ainda existem celas fortes nos estabelecimentos carcerários, o que contradiz a informação prestada pelo Governo federal em sua nota de resposta de 12 de julho de 1989 no sentido de que as referidas celas fortes tinham sido desativadas.

 

D.      DIREITO ÀS GARANTIAS JUDICIAIS E À PROTEÇÃO JUDICIAL

 

56.     Os peticionários alegam que a morosidade do processo penal militar e o tempo transcorrido (sete anos), sem que tenha sido proferida uma decisão definitiva contra os policiais envolvidos nos fatos que motivaram a presente denúncia, constituem uma violação do direito às "garantias judiciais" e à "proteção judicial" (artigos 8 e 25 da Convenção, respectivamente). O Governo, por seu lado, não contesta a alegação.

 

57.     A Comissão considera que neste caso é aplicável, em primeiro lugar, o artigo XVIII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que consagra o direito à justiça. Esta disposição estabelece:

 

Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve poder contar, outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justiça a proteja contra atos de autoridades que violem, em seu prejuízo, qualquer dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente.

 

58.     Cabe agora determinar se são aplicáveis os artigos 8 (direito às garantias judiciais) e 25 (direito à proteção judicial) da Convenção Americana.

 

59.     Conforme já foi dito, no caso aqui analisado, o Brasil depositou seu instrumento de adesão à Convenção Americana em 25 de setembro de 1992, data na qual, depois de transcorridos mais de três anos desde os fatos do caso, ainda se prolongavam os processos judiciais destinados a investigar e punir os policiais envolvidos nos mesmos.[50] A obrigação de investigar se prolonga no tempo. A inação do Estado brasileiro, ao não investigar de maneira eficaz após o dia 25 de setembro de 1992, configura, por si só, uma violação específica e independente do direito à vida e à integridade pessoal das vítimas. A violação do direito à justiça e do dever de adotar disposições de direito interno, com referência aos direitos consagrados nos artigos 1.1, 8 e 25 da Convenção, constitui, da mesma forma, exemplo de denegação de justiça.

 

60.     0 Estado brasileiro assumiu, de conformidade com a Convenção, a obrigação de investigar e punir os policiais envolvidos, dever este que deriva do artigo 1.1, da Convenção e de caráter contínuo até a solução do caso. Ademais, segundo a Comissão, dessa obrigação deriva também o dever concreto de oferecer as garantias judiciais necessárias (artigo 8 da Convenção) bem como a proteção judicial (artigo 25 do mesmo instrumento) às vítimas e seus familiares.

 

61.     Consoante essa mesma linha de pensamento, a Corte Interamericana de Direitos Humanos indicou que são considerados ineficazes os recursos que, pelas condições gerais em um país ou ainda, pelas circunstâncias particulares de um determinado caso, resultem ilusórios. Isso pode ocorrer, por exemplo, ... quando o Poder Judiciário (a Justiça Militar, no caso) carecer da independência necessária para decidir com imparcialidade ...[51].

 

62.     De acordo com o artigo 1.1 da Convenção, os Estados Partes têm a obrigação de reconhecer e respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa sujeita à sua jurisdição através das garantias judiciais necessárias para assegurar que eles sejam efetivos. Uma dessas garantias e, precisamente, o direito que toda a pessoa tem de ser ouvida dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal independente e imparcial. (Artigo 8 da Convenção).

 

63.     Com efeito, somente um tribunal independente e imparcial pode assegurar o livre e pleno exercício dos direitos humanos. Em contrapartida, um juiz ou um tribunal militar que atue como juiz e parte no julgamento dos crimes comuns cometidos pelos membros da corporação policial militar,[52] não pode oferecer as garantias necessárias para assegurar o exercício desses direitos às vítimas e a seus familiares. Prova disso é a morosidade dos processos judiciais perante a Justiça Penal Militar do Brasil, os incidentes dilatórios que retardam injustificadamente as decisões judiciais contra os policiais militares envolvidos, a condescendência e a resultante impunidade que propicia a violência policial.

 

64.     0 objetivo fundamental da justiça especial militar é manter a disciplina dos integrantes das Forças Armadas no exercício de suas funções militares. Portanto, esta competência não deve ser estendida, em nenhuma circunstância, ao julgamento dos crimes comuns cometidos contra a população civil por parte dos policiais militares no exercício de suas funções policiais.

 

65.     No caso sub judice, a Comissão considera que a falta de eficiência para punir os policiais envolvidos, especialmente da Justiça Penal Militar, comprometeu a responsabilidade internacional do Estado brasileiro. Com efeito, a demora injustificada na decisão dos processos judiciais relacionados com o ocorrido no 42° Distrito Policial não somente eximiu os peticionários da obrigação de esgotar os recursos da jurisdição interna - conforme foi observado no capítulo relativo à admissibilidade - como também violou o artigo 8 (garantias judiciais) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao privar as vítimas e seus familiares do direito a que seu caso fosse solucionado "dentro de um prazo razoável", conforme prescreve a referida norma.

 

66.     Por outro lado, ao submeter o caso ao julgamento da Justiça Militar, cuja morosidade, ineficiência e parcialidade ficaram demonstradas no presente caso,[53] violou também o artigo 25 (proteção judicial) da Convenção no tocante ao direito de toda pessoa a ser ouvida "por um juiz ou tribunal ... independente e imparcial". Referido artigo dispõe:

 

Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juizes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

 

67.     A este respeito, a Comissão considera importante transcrever, no que é pertinente, o Comunicado de Imprensa N ° 12/95, emitido ao finalizar sua visita in loco ao Brasil. No mesmo, declarou, inter alia, o seguinte:

 

A Comissão também recebeu informação sobre atos de violência cometidos pela policia e sobre a impunidade no tratamento desses assuntos. A este respeito, a Comissão considera que seria um passo fundamental para combater a violência policial a aprovação de uma lei que garantisse que todo crime cometido por policiais militares contra os civis fosse julgado pela justiça comum. A Comissão considera, outrossim, que devem ser estabelecidos processos eficientes para receber e considerar queixas contra agentes da polícia. (o sublinhado não é do original).

 

68.     Esta conclusão da Comissão se enquadra no artigo 1.1, da Convenção, no qual é feita referência à obrigação dos Estados partes de garantir o livre e pleno exercício dos direitos reconhecidos na Convenção a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição. Desta obrigação deriva o dever de organizar o aparato e as estruturas governamentais através dos quais se manifesta o exercício do poder público, bem como o dever de prevenir, investigar e punir toda violação dos direitos reconhecidos pela Convenção e o de procurar, se isso for procedente, restabelecer o direito ferido e, quando for o caso, pagar uma indenização pelos danos ocasionados.[54]

 

69.     Enquadra-se, da mesma forma, nas obrigações derivadas do artigo 2 da Convenção, que estabelece a obrigação dos Estados partes de adequar suas leis internas às disposições da Convenção Americana. A mencionada disposição estabelece:

 

Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.

 

70.     Para finalizar, a Comissão considera pertinente ressaltar que, tal como o declarou a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a obrigação de garantir o livre e pleno exercício dos direitos humanos, contemplada no artigo 1.1, da Convenção:

 

...não se esgota com a existência de uma ordem normativa no sentido de tornar possível o cumprimento desta obrigação, mas comporta a necessidade de uma conduta governamental que assegure a existência, na realidade, de uma eficaz garantia do livre e pleno exercício dos direitos humanos.

 

71.     Com base no anterior, a Comissão conclui que, no caso sub jiudice o Estado brasileiro violou os artigos XVIII da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e os artigos 8 e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação com o artigo 1.1 do mesmo instrumento legal.

 

72.     Por todo acima exposto, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos concorda em:

 

1.       Declarar o Estado brasileiro responsável pela violação dos artigos I (direito à vida, à segurança e integridade pessoais) e XVIII (direito à justiça) da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem bem como dos artigos 8 (garantias judiciais) e 25 (proteção judicial) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, combinados com o artigo 1.1, do mesmo instrumento legal.

2.       Recomendar ao Estado brasileiro que adote as medidas legislativas necessárias para transferir para a justiça penal comum a competência para o julgamento dos crimes comuns cometidos pelos policiais militares.

          3.       Recomendar ao Estado brasileiro que desative as solitárias (celas fortes).

          4.       Solicitar ao Estado brasileiro que puna, de acordo com a gravidade dos crimes cometidos, os policiais civis e militares envolvidos nos fatos que são motivo do caso sub judice.

5.       Recomendar ao Estado brasileiro que, nos casos em que ainda não o tenha feito, pague uma indenização compensatória justa e adequada aos familiares das vítimas pelos danos causados em conseqüência do descumprimento das referidas disposições.

6.       Solicitar ao Estado brasileiro que informe à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, dentro do prazo de 90 dias, a respeito das medidas que tenham sido adotadas no sentido de cumprir as recomendações estabelecidas no presente relatório.

7.       Enviar o presente relatório ao Estado brasileiro, através do Governo federal, de acordo com o inciso 2 do artigo 50, da Convenção Americana, e informá-lo de que, de acordo com o mesmo artigo, não está autorizado a publicá-lo.

 

V.      ATUALIZAÇÕES POSTERIORES AO RELATÓRIO 16/96

 

73.     A Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 6 de março de 1996, no curso de seu 910 período de sessões e, de acordo com o artigo 50 da Convenção Americana, aprovou o relatório de mérito no. 16/96. Este foi transmitido ao Estado com recomendações da Comissão em 15 de julho de 1996. No referido relatório a Comissão solicitou ao Estado brasileiro que informasse, no prazo de três meses, a respeito das medidas que tivessem sido adotadas a fim de cumprir as recomendações feitas pela Comissão. A resposta do Governo a esse respeito foi recebida em 21 de outubro de 1996, resposta esta comentada no presente relatório.

 

74.     Neste sentido a resposta do Governo datada de 17 de outubro de 1996, disse textualmente que:

 

"Tenho a honra de transmitir à Vossa Excelência, em aditamento à nota 228, de 30 de agosto de 1996, informações do Governo brasileiro relativas às recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos a respeito do caso 10.301 (Parque São Lucas), contidas no relatório N° 16/96, aprovado pela Comissão em seu 91* período de sessões:

1) Recomendação: Transferência para a Justiça Comum do Julgamento de Crimes Comuns Cometidos por Policiais Militares

"Foi aprovada em 7 de agosto de 1996 a Lei N° 9.299 que altera dispositivos do Código Penal Militar e do Código de Processo Penal Militar, proporcionando a transferência para a Justiça comum da competência sobre o processo e julgamento de crimes dolosos contra a vida praticados por policiais militares contra civis.

Não obstante algumas restrições com relação a seu conteúdo e alcance, não resta dúvida de que o advento da nova lei significa um marco em relação à defesa dos direitos humanos no país.

Sendo norma de natureza processual, a aplicação da Lei N° 9.299/96 foi imediata, desencadeando, em todo o país, transferências de competência para a Justiça comum de processos com tramitação não iniciada - por exemplo os relativos aos episódios de Corumbiara e Eldorado do Carajás - como também de processos criminais cuja instrução foi iniciada no âmbito da Justiça Militar. Nessa última situação figura o processo criminal destinado a apurar responsabilidades no contexto do caso Parque São Lucas.

Efetivamente, o processo N° 35.887/89, que tramitava perante a Terceira Auditoria Militar do Estado de São Paulo, foi remetido, em 14 de agosto de 1996, à Justiça criminal do Estado, em conseqüência de decisão escrita e fundamentada pelo Juiz Auditor. O processo foi recebido pelo juiz criminal do Primeiro Tribunal de Júri Popular da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, tendo sido registrado sob o número 2576/96­ unidade I.

2) Recomendação: Punição dos Policiais Civis e Militares Envolvidos

As investigações sobre o incidente apontaram o envolvimento de policiais civis e militares. Em conseqüência, foram iniciados o trâmites legais para a responsabilização dos culpados, havendo a acusação considerado participações múltiplas pela prática de dezoito homicídios qualificados e trinta e duas tentativas de homicídio.

Dos três policiais civis envolvidos, o carcereiro José Ribeiro foi processado criminalmente e julgado culpado pelo Tribunal de Júri Popular, tendo sido condenado à pena de 45 anos de reclusão e seis meses de detenção. Houve novo julgamento, pedido pela defesa, que resultou em confirmação da pena. Seguiram-se duas apelações - uma, do Ministério Público, no sentido do aumento da pena, e a outra, da defesa, pretendendo a renovação do julgamento. Os recursos de apelação (Processo TJ N° 188.066.3/4) foram distribuídos à Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que entendeu que a prisão só poderá ocorrer após o julgamento das apelações. O acusado teve sua prisão relaxada após haver cumprido mais de dois anos da pena.

Outro policial civil, Carlos Eduardo de Vasconcelos, foi processado criminalmente e absolvido pelo Tribunal de Júri Popular do Estado de São Paulo. A absolvição foi objeto de recurso de apelação pelo Ministério Público do Estado, estando sob apreciação da Quinta Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo.

0 terceiro policial civil, Celso José da Cruz, foi processado criminalmente e julgado culpado pelo Tribunal de Júri Popular da capital do Estado de São Paulo, tendo sido condenado à pena de quinhentos e dezesseis anos de reclusão. Houve recurso de apelação pela defesa, que resultou em nova decisão condenatória mas diminuiu a pena para cinqüenta e quatro anos de reclusão. A mesma Quinta Câmara Criminal entendeu por receber um recurso de protesto por novo júri, o que motivou a interposição de recurso especial por parte do Ministério Público do Estado de São Paulo, que foi recentemente remetido à apreciação e julgamento do Superior Tribunal de Justiça. Após denegar sucessivos pedidos de habeas corpus em favor do acusado, a Quinta Câmara Criminal houve por bem, deferindo embargos suscitados pela defesa, decidir pela soltura do acusado, que se encontrava preso no Presidio Especial da Polícia Civil há mais de dois anos. Por essa razão o acusado deve aguardar em liberdade o julgamento do recurso especial e, na hipótese de a decisão do Superior Tribunal de Justiça não acolher as razões do Ministério Público, a realização de novo júri.

Finalmente, em relação aos vinte e nove policiais militares envolvidos - dentre os quais um oficial, cinco sargentos, um cabo e vinte e um soldados - os mesmos deverão ser julgados pelo Primeiro Tribunal de Júri da Capital, em decorrência da transferência de competência determinada pela Lei 2.299, comentada acima.

3) Recomendação: Pagamento de Indenizações Compensatórias Adequadas aos Familiares das Vítimas

Concluídos o inquérito policial e o inquérito policial militar sobre o incidente, o Ministério Público do Estado de São Paulo colocou-se à disposição dos familiares das vitimas para o propositura de ações judiciais de indenização reparatória, objetivando a responsabilização civil do Governo do Estado de São Paulo pela ação ilícita de seus agentes públicos. Em conseqüência foram ajuizadas as seguintes ações:

- Juízo da Primeira Vara da Fazenda Pública - Processo N° 127/89, Ação reparatória de dano decorrente de ato ilícito. Autor: Geraldo Cardoso de Paula. Réu: Fazenda do Estado de São Paulo.

- Juízo da Segunda Vara da Fazenda Pública - Processo N° 118/89, Ação reparatória de dano decorrente de ato ilícito. Autor: Antonio Pernomiam e Luiza Pernomiam. Réu: Fazenda do Estado de São Paulo.

- Juízo da Terceira Vara da Fazenda Pública - Processo N° 128/89, Ação reparatória de dano decorrente de ato ilícito. Autor: Aparecida Inês Fabri Jesuíno. Réu: Fazenda do Estado de São Paulo.

- Juízo da Quinta Vara da Fazenda Pública - Processo N° 90/89. Ação reparatória de dano decorrente de ato ilícito. Autor: Carmem Silva de Souza, Irandi Cardozo de Araujo, Maria Dilma Barbosa Bastos, Juvenal Raymundo Bernardo, Octília de Oliveira Bernardo. Réu: Fazenda do Estado de São Paulo.

- Juízo da Quinta Vara da Fazenda Pública - Processo N° 90/89. Ação reparatória de dano decorrente de ato ilícito. Autor: Antonio Carlos de Souza. Réu: Fazenda do Estado de São Paulo.

- Juízo da Quinta Vara da Fazenda Pública - Processo N° 90/89. Ação reparatória de dano decorrente de ato ilícito. Autor: Ministério Público de São Paulo. Réu: Fazenda Pública do Estado de São Paulo.

- Juízo da Sexta Vara da Fazenda Pública - Processo N° 125/89. Ação reparatória de dano decorrente de ato ilícito. Autor: Silvia Cristina de Oliveira Lucio. Réu: Fazenda do Estado de São Paulo.

- Juízo da Décima Vara da Fazenda Pública - Processo N° 117/89. Ação reparatória de dano decorrente de ato ilícito. Autor: Joaquim Saraiva. Réu: Fazenda do Estado de São Paulo.

As referidas ações indenizatórias estão em sua maioria em grau de recurso, encontrando-se uma delas na fase de liquidação da sentença. Cabe esclarecer que a sistemática administrativa brasileira exige que os órgãos contenciosos que representam o poder público recorram sempre que for permitido. Outra observação pertinente é a de que nenhuma das sentenças proferidas em decorrência dessas ações manifestou entendimento contrário ao direito à indenização.

4) Recomendação: Desativação das solitárias (celas fortes)

A legislação penitenciária brasileira encontra-se em sintonia com as recomendações das Nações Unidas sobre o tratamento penitenciário e os direitos dos detidos. Assim sendo, a situação que provocou a morte dos presos - o encarceramento de vários deles em um cubículo - é prática proibida.

O que se aceita, ainda, é o isolamento individual, quando for constatada sua necessidade, desde que em local adequado e com a ventilação necessária. Os abusos e práticas ilegais vem sendo combatidos pelo Governo. No caso específico do Estado de São Paulo foi firmado recentemente convênio entre o Governo Federal e o Governo do Estado para a modernização tem como objetivo inicial a desativação da Casa de Detenção do Carandiru constitui símbolo de uma nova política penitenciária para o país.

Observações Finais

Em face das considerações apresentadas, é de se concluir que as recomendações formuladas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos com relação ao caso Parque São Lucas estão perfeitamente alinhadas com as atuais preocupações do Governo Federal na área da defesa dos direitos humanos e na busca de mecanismos para aperfeiçoar a prestação da justiça, com a conseqüente redução da impunidade.

A recomendação relativa à transferência para a justiça comum do processo e julgamento de crimes comuns praticados por policiais militares encontra-se atendida nos termos da Lei N° 9.299/96. No contexto específico do caso Parque São Lucas, a recomendação foi atendida por meio da transferência para a Justiça comum do Estado de São Paulo do processo criminal movido contra os policiais militares envolvidos no incidente.

A recomendação referente à desativação das celas fortes encontra respaldo na legislação penitenciária vigente, sendo objetivo do Governo brasileiro intensificar esforços para que sejam efetivamente banidas e punidas práticas ilegais de isolamento de presos em cubículos.

Com relação às recomendações de pagamento de indenizações e punição dos responsáveis, deve prosseguir o trabalho desenvolvido pelo Ministério da Justiça, por intermédio do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, para que as autoridades do Estado de São Paulo logrem concluir no mais breve prazo possível as ações cíveis e criminais destinadas à punição dos culpados e à indenização dos familiares das vítimas.

Será necessário, para tanto, empenho do Ministério Público do Estado de São Paulo e do poder Judiciário do Estado. A esse respeito, convém destacar o engajamento demonstrado pela Secretaria de Justiça e de Cidadania do Estado, bem como pela Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo, no sentido de acelerar os atos necessários. 0 Procurador Geral de Justiça de São Paulo designou, para esse fim, um Promotor de Justiça encarregado de acompanhar cada uma das ações relativas ao caso, velando por sua rápida tramitação. Por sua vez, o Ministério da Justiça e o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana continuarão a desempenhar as tarefas de monitoramento e orientação das autoridades estaduais com vistas ao rápido encaminhamento dos processos destinados a indenizar os familiares das vitimas e a punir os culpados.

A Missão Permanente junto à Organização dos Estados Americanos seguirá transmitindo à Secretaria Executiva da Comissão Interamericana de Direitos Humanos toda e qualquer informação superveniente, de natureza administrativa ou judicial, relativa ao episódio do Parque São Lucas.

Aproveito a oportunidade para renovar a Vossa Excelência os protestos da minha distinta consideração."

 

ANÁLISE DA RESPOSTA DO GOVERNO AS RECOMENDAÇÕES DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS:

 

          1.       Da Transferência para a Justiça Comum do julgamento de crimes comuns cometidos por policiais militares.

 

75.     0 Governo informou que a Lei n° 9.299/96, alterou dispositivos do Código Penal Militar e do Código de Processo Penal Militar, transferindo para o âmbito da Justiça Comum, a competência para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida praticados por policiais militares contra civis. Dessa forma, o processo criminal relativo ao massacre ocorrido no Parque São Lucas foi remetido à Justiça Criminal do Estado, em 14 de agosto de 1996.

 

76.     Tais fatos demonstram a intenção positiva do Governo em cumprir com as recomendações formuladas pela Comissão. Contudo, as sérias restrições referentes ao conteúdo e alcance da Lei n° 9.299/96, as quais são reconhecidas pelo próprio Governo brasileiro em sua resposta , continuam impedindo que o Estado brasileiro cumpra com as obrigações assumidas perante a Convenção Americana. Isso decorre do fato que, antes de mais nada, conforme essa lei, somente os crimes que sejam dolosos e ainda, somente os que sejam contra a vida, serão transferidos para a competência da Justiça Comum, permanecendo os não dolosos contra a vida e os dolosos que não sejam contra a vida, sob a competência da Justiça Militar. Dessa forma, essa lei não cumpre os fins a que se destinaria ou seja, proteger não só o direito à vida, como também todos os outros direitos garantidos pela Convenção, em toda a sua extensão, independentemente do dolo do agente.

 

77.     Além disso, conforme a Lei n° 9.299/96 a investigação dos crimes cometidos pela policia militar continuarão a ser conduzidas por esta mesma polícia. Isso significa que a imparcialidade necessária à administração da justiça, estabelecida nos artigos 1, 25 e 8 da Convenção Americana, continua em risco.

 

78.     A Comissão considera essas restrições inaceitáveis e observa que não há razão alguma que justifique a permanência da competência da Justiça Militar para julgar os crimes cometidos pela polícia militar contra civis. Considera ainda, que o Estado brasileiro deve adotar legislação que transfira para a competência da Justiça Comum, todos os crimes cometidos pelos membros da polícia militar contra civis e não somente os crimes dolosos contra a vida.

 

          2.       Da Punição dos Policiais Civis e Militares

 

79.     A resposta oferecida pelo Governo demonstrou ter havido esforços judiciais para punir os culpados pelo massacre. Em relação aos vinte e nove policiais militares envolvidos, a Comissão salienta a importância da decisão que fez com que o processo fosse remetido à Justiça Comum. Entretanto, não pode deixar de observar que o crime ocorreu em 5 de fevereiro de 1989, ou seja, há oito anos atrás e que, apesar disso, os policiais militares continuam atualmente impunes e em liberdade aguardando um julgamento que deverá ocorrer ainda em 1 ° instância.

 

80.     Em relação aos policiais civis, a resposta do Governo informou que estes também continuam impunes e em liberdade enquanto aguardam julgamento definitivo.

 

81.     0 Governo não informou se houve sanções administrativas significativas tanto em relação aos policiais civis, quanto em relação aos militares. Dessa forma, a Comissão conclui através de resposta apresentada pelo Governo em 29 de setembro de 1989, que os policiais continuam exercendo atribuições dentro das corporações policiais. A Comissão observa que a permanência de tais policiais dentro da Polícia põe em risco a vida e segurança de terceiros e agrava a impunidade.

 

82.     A Comissão considera que a demora no julgamento e punição dos culpados perpetua a injustiça e não condiz com as obrigações assumidas pelo Estado brasileiro perante a Convenção Americana, a qual preconiza em seu artigo 25 o direito a um recurso simples e rápido visando a proteção contra atos que violem os direitos fundamentais da pessoa. 

 

 

          3.       Do Pagamento de Indenizações Compensatórias

 

84.     A resposta do Governo informou que o Ministério Público colocou-se à disposição das famílias das vitimas para a propositura de ações judiciais de indenização reparatória. Entretanto, referidas ações encontram-se ainda, quase oito anos após sua propositura, em grau de recurso. A Comissão, reconhecendo os esforços atuais do Governo para compensar economicamente a algumas das famílias das vítimas, reitera a necessidade de um julgamento mais célere dado que a demora em proferir uma decisão definitiva viola o dever do Estado de assegurar as garantias judiciais estabelecido pela Convenção Americana e agrava o sofrimento dos familiares das vítimas.

 

          4.       Desativação das solitárias (celas fortes)

 

85.     0 Governo afirmou que a legislação penitenciária brasileira encontra-se em sintonia com as recomendações das Nações Unidas sobre o tratamento penitenciário e os direitos dos detidos e que, dessa forma, o isolamento individual consiste em prática aceitável. Contudo, a utilização de celas fortes deve obedecer a padrões mínimos requeridos pelas normas internacionais, ou seja, deve ser constatada não só a sua necessidade, como também de que esteja instalada em local adequado e com a ventilação necessária, ficando definitivamente proibido qualquer tratamento desumano ou degradante. A resposta do Governo a essa recomendação da Comissão contradiz informação prestada anteriormente, em 12 de julho de 1989, quando o Governo informou que, para prevenir episódios semelhantes havia sido decidido que as chamadas celas fortes dos distritos policiais permaneceriam desativadas. Em face ao descumprimento dessa recomendação formulada ao Governo brasileiro, a Comissão continuará monitorando o cumprimento das mencionadas normas internacionais.

 

VI.      CONCLUSÕES

 

a.       Comissão Interamericana de Direitos Humanos conclui que o Estado do Brasil violou neste caso, os direitos humanos de Arnaldo Alves de Souza, Antonio Permoniam Filho, Amaury Raymundo Bernardo, Tomaz Badovinac, Izac Dias da Silva, Francisco Roberto de Lima, Romualdo de Souza, Wagner Saraiva, Paulo Roberto Jesuíno, Jorge Domingues de Paula, Robervaldo Moreira dos Santos, Ednaldo José da Fonseca, Manoel Sivestre da Silva, Roberto Paes da Silva, Antonio Carlos de Souza, Francisco Marion da Silva Barbosa, Luiz de Matos e Reginaldo Avelino de Araújo, consagrados pelos artigos I e XVIII da Declaração Americana, bem como pelos artigos 8 e 25 da Convenção Americana e que não cumpriu com as obrigações estabelecidas no artigo 1 da mesma convenção.

 

 

b.       Comissão reconhece os esforços realizados pelo Governo para punir os autores das violações e pagar indenizações pelas violações cometidas pelos seus agentes. Neste aspecto, alguns dos membros policiais responsável pelos fatos em questão, foram processados e condenados, Vários dos processos judiciais destinados a indenizar financeiramente os familiares das vítimas estão prestes a serem completados.

 

          c.       Estado promulgou uma nova lei, a de n° 9.299/96, que estabelece a competência da Justiça Comum sobre os crimes dolosos contra a vida cometidos pelos membros da policia militar. Sob os efeitos dessa lei, os processos judiciais referentes aos agentes policiais militares envolvidos no incidente a que se refere este caso, foram já transferidos à Justiça Comum uma vez que envolvem esse tipo de crime.

 

d.       lei n° 9.299/96, entretanto, não atribui competência à justiça penal comum para julgar outros crimes comuns cometidos pelos membros da polícia militar, não transferindo tampouco, a competência para investigar os crimes, independentemente de sua natureza. Todos estes crimes continuam a serem investigados por órgãos militares. Em conseqüência, algumas das violações praticadas pelos membros da polícia militar considerados neste caso, tais como tortura e maus-tratos não podem, sob a presente lei, ser transferidas à investigação ou competência da Justiça Comum.

 

e.       em relação à punição dos responsáveis, a Comissão considera ser inescusável a lentidão no andamento dos processos diante da gravidade e clareza das violações ocorridas. 0 fato de permanecerem os culpados em liberdade e exercendo atribuições dentro da corporação policial demonstra o descumprimento do Estado do Brasil com as obrigações assumidas perante a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

 

f.       Comissão reconhece a intenção do Governo brasileiro de adequar as celas especiais de isolamento e máxima segurança aos padrões internacionais. A Comissão continuará monitorando seu uso.

 

85.     essa forma, não tendo o Estado brasileiro adotado no prazo concedido pelo Relatório No. 16/96, as medidas estipuladas para remediar a situação decorrente das violações denunciadas e ainda, permitindo a impunidade dos responsáveis por ditas violações, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos decide adotar o presente Relatório, enviá-lo ao Governo do Brasil e decidir, no momento oportuno o modo de sua publicação, conforme o artigo 51 da Convenção Americana e o artigo 48 de seu Regulamento.

 

 

VII.     PUBLICAÇÃO

 

86.     Em 24 de março de 1997, a Comissão encaminhou o  relatório 10/97 --cujo texto está transcrito acima-- ao Estado brasileiro, de conformidade com o estabelecido no artigo 51(2) da Convenção, e lhe outorgou um prazo adicional de trinta dias para o cumprimento das recomendações transcritas supra (parágrafo 72). Na  mesma data, a CIDH encaminhou este relatório à peticionária. Em 22 de setembro de 1997, o Estado brasileiro manifestou que aceitava a oferta de solução amistosa efetuada pela CIDH antes da aprovação do relatório de mérito, e proporcionou informação sobre ações realizadas em  relação ao cumprimento das recomendações contidas no relatório Nº 10/97. A partir desta data, com a participação ativa de ambas partes e o patrocínio da CIDH, deu-se início a um processo de solução amistosa no presente caso. Em 29 de setembro de 1997, a Comissão convidou ambas partes para uma audiência, que foi celebrada em 8 de outubro de 1997, a fim de tratar sobre uma possível solução amistosa a respeito do cumprimento das recomendações efetuadas no citado relatório. 

 

87.     Em 22 de dezembro de 1997, o Estado proporcionou informação adicional relacionada com o cumprimento das recomendações contidas no  Relatório Nº 10/97. Em 15 de janeiro de 1998, as partes celebraram uma reunião em São Paulo. Em 18 de maio de 1998, foi efetuada uma reunião de trabalho na  CIDH, oportunidade em que ambas partes e a CIDH assinaram um documento preliminar de solução amistosa. A sua vez, a Secretaria da CIDH comprometeu-se em elaborar e enviar às partes para sua assinatura um projeto de ata final de solução amistosa.

 

 88.    Posteriormente, a CIDH realizou vários esforços para concretizar a assinatura da ata final de solução amistosa, que incluíram uma visita ao Brasil do Presidente da Comissão, sem resultados positivos. Em 27 de junho de 2002, a Comissão enviou uma comunicação a ambas partes solicitando informação atualizada sobre o cumprimento das recomendações contidas no  relatório Nº 10/97. Em 15 de agosto de 2002, a co-peticionária Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) apresentou a informação solicitada, mas o Estado brasileiro não respondeu. Em 22 de outubro de 2002, a CIDH encaminhou ao Estado a resposta da peticionária, e lhe  solicitou que apresentasse observações em um prazo de trinta dias, sendo que o Brasil tampouco respondeu a esta solicitação de observações.

 

89.     Em 27 de fevereiro de 2003, no  marco do 117° período ordinário de sessões da CIDH, foi realizada uma reunião de trabalho na CIDH, convocada pela  Comissão a fim de dar  seguimento ao cumprimento das recomendações efetuadas pela  CIDH em seu relatório Nº 10/97. Nesta reunião foi acordado que o Estado proporcionaria informação à CIDH sobre o cumprimento das recomendações, e que ambas partes estudariam a possibilidade de reunirem-se para atualizar informação sobre o cumprimento das recomendações.

 

90.     Em 10 de março de 2003, o Estado enviou à CIDH informação atualizada sobre os processos referentes aos policiais envolvidos nos fatos denunciados no  presente caso. Em 14 de maio de 2003, esta informação foi encaminhada à peticionária, e lhe foi solicitado que apresentasse as observações que considerara oportunas a respeito desta informação dentro de um prazo de trinta dias, sendo que a peticionária não apresentou observações.

 

91.     Tendo em consideração os mencionados antecedentes, a Comissão, antes de pronunciar-se sobre a publicação do relatório de  mérito no presente caso, estima  pertinente, com base na informação atualizada que ambas partes enviaram, registrar o grau de cumprimento das recomendações efetuadas no  relatório de mérito Nº 10/97 (parágrafo 72, supra).

 

92.     A este respeito, a Comissão estima que a recomendação em que solicita ao Brasil que “adote as medidas legislativas necessárias para transferir para a justiça penal comum o julgamento dos crimes comuns cometidos por policiais militares em exercício de suas funções de ordem pública” foi parcialmente cumprida. Com efeito, a  CIDH reitera que embora a Lei Nº 9.299/96 constitua um progresso importante na  matéria, resulta insuficiente, pois somente transfere aos tribunais da justiça ordinária o conhecimento de crimes dolosos contra a vida cometidos por policiais militares em exercício de suas funções, e mantém a competência da polícia militar para investigar todos os crimes cometidos por policiais militares.

 

          93.     Em relação à recomendação em que determina ao Estado que  “desative as celas de isolamento (“celas fortes”),  a Comissão reitera que esta recomendação continua pendente de cumprimento. 

 

94.     No que se refere à recomendação em que se pede ao Estado “que puna, de acordo com a gravidade dos delitos cometidos, os policiais civis e militares envolvidos nos fatos que deram origem ao caso sub judice”, a Comissão observa que  conforme  a informação enviada por Brasil em 10 de março de 2003, deu-se início  a uma ação penal em 1989 contra 32 pessoas em relação aos fatos do presente caso: José Ribeiro (carcereiro); Celso José da Cruz (investigador policial), Carlos Eduardo de Vasconcelos (delegado policial) e 29 policiais militares.

 

          95.     Desta informação surge igualmente que José Ribero foi condenado, mediante sentença transitada em julgado, a 45 anos e 6 meses de reclusão, e que ele está cumprindo pena numa prisão de São Paulo. A sua vez, Celso José da Cruz e Carlos Eduardo de Vasconcelos foram absolvidos, e as decisões respectivas foram apeladas, estando atualmente esperando decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ambos estão em liberdade. Finalmente, e com relação aos 29 policiais militares que foram também denunciados como partícipes dos fatos, foi decidio que seriam levados a julgamento. Esta decisão foi recorrida pelo Ministério Público, mas até a presente data o recurso ainda não havia sido resolvido. Portanto, esta recomendação não foi totalmente cumprida.

 

          96.     No que concerne à recomendação em que se solicita ao “Estado brasileiro (...) nos casos em que ainda não o tenha feito, pague uma indenização compensatória justa e adequada aos familiares das vítimas”, a Comissão observa que o Governo do Estado de São Paulo publicou o Decreto 42.788, em 8 de janeiro de 1998, autorizando o pagamento de indenizações aos familiares das vítimas que morreram, por conceito de dano moral e por um valor de 300 salários mínimos por dependente. A este  respeito, foi criado um grupo de trabalho na Procuradoria Geral do Estado para identificar os beneficiários e o valor da indenização. A CIDH foi informada de que as tarefas deste grupo de trabalho obtiveram, a final, os seguintes resultados: foi paga uma indenização aos familiares de sete das vítimas, não foram encontrados familiares de outras sete vítimas, foi determinando que não haveria beneficiários em relação a duas das vítimas, e que, os familiares de duas das vítimas interpuseram ações judiciais contra o Estado por dano material e moral, e o Estado estava esperando o resultado destes processos antes de pagar a indenização. A Comissão reconhece a importância do pagamento de indenizações mediante a adoção de medidas administrativas, mas deve indicar que ainda existem vítimas e familiares que não receberam indenizações, cujos direitos devem ser preservados.

 

97.     Em virtude das considerações expostas anteriormente, e do  disposto nos artigos 51(3) da Convenção Americana e 45 de seu Regulamento, a Comissão decide reiterar as conclusões e as recomendações contidas nos capítulos IV e VII supra; publicar o presente relatório e inclui-lo em seu Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA. A Comissão, em cumprimento de seu mandato, continuará avaliando as medidas adotadas pelo Estado brasileiro com respeito as recomendações formuladas, até que estas tenham sido cumpridas.

          Passado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., aos 8 dias de outubro do ano de 2003.

 

(Assinado): José Zalaquett, Presidente; Clare K. Roberts, Primeiro Vice-presidente; Susana Villarán, Segunda Vice-presidenta; Comissionados: Robert K. Goldman, Julio Prado Vallejo.

 


 


[1] Lista apresentada pelas entidades peticionárias em 15 de agosto de 1995.

[2] Nessa comunicação, a parte peticionária ressalta que os policiais civis, primeiro, haviam sido suspensos, mas logo haviam sido transferidos para a Corregedoria de Polícia com funções burocráticas e de vigilância do prédio.

[3] Nessa comunicação, o Governo confirmou que três dos policiais se encontravam à disposição da Corregedoria, negou que os policiais envolvidos estivessem trabalhando em contato com a Comissão encarregada de investigar os fatos e ressaltou que apenas dois, deles faziam trabalho noturno de vigilância do prédio, sem estar envolvidos com as investigações do caso.

[4] Nessa comunicação, o peticionário observou que o processo penal militar estava avançando mais lentamente do que o normal, pois a primeira audiência fora adiada três vezes; na primeira, por razões de saúde de um acusado; na segunda, porque a agenda do juiz estava sobrecarregada; e na terceira, porque o acusado simplesmente não havia comparecido, adiamento este que era inaceitável.

[5] Nessa comunicação, a parte peticionária informou que Celso José da Cruz fora considerado culpado (homicídio doloso) pela morte dos 18 presos e condenado a 516 anos de prisão; que o júri aceitara os argumentos da Promotoria de que Cruz havia agido com a intenção de matar quando encarcerou os presos numa cela pequena, sem ventilação e com crueldade intencional, impedindo que se defendessem. Que, por sua parte, José Ribeiro, policial civil que atuavacomo carcereiro, fora condenado a 45 anos de prisão, com o direito de apelar em liberdade, e que a Promotoria planejava apelar dessa sentença por haver sido mais branda do que a de Celso José da Cruz. A parte peticionária também solicitou que o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) fosse incluído como co­peticionário neste caso, solicitação que foi aceita pela Comissão.

[6] As partes peticionárias informaram nesta comunicação que o policial civil Carlos Eduardo Vasconcelos havia sido absolvido das 18 acusações de homicídio pelo júri em um julgamento realizado entre 8 e 12 de agosto de 1994, e que o segundo julgamento de José Ribeiro deveria começar em 30 de agosto de 1994.

[7] O Governo informou nesta comunicação que o policial civil Celso José da Cruz que, em primeira instância, fora condenado a 516 anos e sete meses de prisão, tivera reduzida sua pena, em segunda instância, para 54 anos e sete meses de prisão. Que o policial civil José Ribeiro, carcereiro, fora condenado a 45 anos de prisão e que, tendo em vista o fato de que tanto o réu quanto a promotoria haviam interposto recurso contra a aludida sentença, o processo continuava tramitando na Primeira Vara do Tribunal do Júri de São Paulo. Que o terceiro policial civil acusado, o Delegado Carlos Eduardo Vasconcelos, fora absolvido por um júri popular em 12 de agosto de 1994, e que o Ministério Público havia recorrido da sentença, encontrando-se o processo em fase de apelação e que o processo penal militar se encontrava na etapa de audiência de testemunhas, havendo sido concluída a etapa do interrogatório dos indiciados.

[8] O artigo 26 do Regulamento da Comissão vigente quando da aprobação do relatório de mérito no presente caso dispunha: “Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não - governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização pode apresentar à Comissão petições de conformidade com este Regulamento, em seu próprio nome ou no de terceiras pessoas, sobre presumidas violações de um direito humano reconhecido, conforme o caso, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem”.

[9] O artigo 51 do Regulamento da Comissão vigente quando da aprobação do relatório de mérito no presente caso dispunha: “A Comissão receberá e examinará a petição que contenha denúncia sobre presumidas violações dos direitos humanos consagrados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem com relação aos Estados membros da Organização que não sejam Partes na Convenção Americana sobre Direitos Humanos”.

[10] A mencionada Declaração, cuja Ata Final foi firmada em 2 de maio de 1948 em Bogotá, Colômbia, pelos Delegados Plenipotenciários do Ilustre Governo do Brasil, constitui uma fonte de obrigação internacional para o Brasil.

[11] Vide, Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença Velásquez Rodríquez, 29 de julho de 1988, par. 166.

[12] Vide, por exemplo, Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Anuário Interamericano de Direitos Humanos, 1990, Caso n 9850, Decisão de 4 de outubro de 1990, Informe n° 74/90, pags. 175/177.

[13] Vide, por exemplo, Dec. Adm Com Ap 214/56 (9 de junho de 1958), II YB 214, 230-231; Dec Adm Com Ap 343/57 (2 de setembro de 1959), II YB 412, 454; Dec Adm Com Ap 899/60 (9 de março de 1962), V YB 136, 142; Dec Adm Com Ap (18 de setembro de 1961), IV YB 324, 334; Dec Adm com Ap (26 de julho de 1963), VI YB 332, 344.

[14] Comissão Européia de Direitos Humanos, Decisiones e Informes, v. 7, Solicitud n° 7211/75, Decisión del 6 de octubre de 1976 (Suíça), pg. 107.

[15] Comissão Européia de Direitos Humanos, Dec Adm Com Ap 8261/78 (11 de outubro de 1979), 18 D & R 150, 151.

[16] Andrés Aguilar, Derechos Humanos en las Américas, pág. 202.

[17] 0 artigo 44 da Convenção estabelece que “Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violações desta Convenção por um Estado Parte”.

[18] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, 29 de julho de 1988, par. 61.

[19] Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, par. 62.

[20] Corte Interamericana de Direitos Humanos; casos: Velásquez Rodríguez, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, par. 88; Fairén Garbi y Solís Corrales, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, par. 87; Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, par. 59; Godínez Cruz, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987, par. 90; Gangaram Panday, Exceções Preliminares, Sentença de 4 de dezembro de 1991, par. 38; Neira Alegría y otros, Exceções Preliminares, Sentença de 11 de dezembro de 1991, par. 40, e Castillo Páez, Exceções Preliminares, Sentença de 30 de janeiro de 1996, par. 40.

[21] Vide, Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença Velásquez Rodríguez, 29 de julho de 1988, par. 137.

[22] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Godínez Cruz, Sentença de 26 de junho de 1987, par. 95.

[23] PINTO, Mónica, La Denuncia ante la comisión Interamericana de Derechos Humanos, Editores del Puerto, 1993. pg. 64.

[24] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, pars. 62-66; Caso Fairén Garbi y Solís Corrales, Exceções Preliminares, de 15 de março de 1989, par. 86-90; Caso Godínez Cruz, Sentença de 20 de janeiro de 1989, pars. 65-69.

[25] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença Velásquez Rodríguez, 29 de julho de 1988, par. 72; Sentença Fairén Garbi y Solís Corrales, Exceções Preliminares, 15 de março de 1989, par. 97; Sentença Godínez Cruz, 20 de janeiro de 1989, par. 75.

[26] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença de 26 de junho de 1987, par. 95.

[27] Este tipo de demora exerce um efeito negativo sobre a eficácia dos recursos da jurisdição interna, pois conduz à deterioração das provas, especialmente dos depoimentos das testemunhas, as quais, transcorridos tantos anos, podem mudar-se, ou tendem a esquecer-se dos fatos. Isto, sem dúvida, cerceia a eficácia dos processos destinados a apurar as responsabilidades e a condenar os culpados.

[28] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Godínez Cruz, Sentença de 26 de junho de 1987, par. 95.

[29] A este respeito, é necessário ter presente que nos delitos de ação pública e mesmo naqueles que dependem de instância privada (matéria criminal) o Estado tem a obrigação intransferível de processar os delitos, ou seja, de preservar a ordem pública e garantir o direito à justiça. Nestes casos, por conseguinte, nao é válido exigir da vítima ou de seus familiares o esgotamento dos recursos internos. Com efeito, cabe ao Estado, por intermédio do Ministério Público, aplicar a lei penal promovendo e agilizando as etapas processuais até sua conclusão. Com respeito a este ponto, vide, por exemplo, o Relatório N° 12/95, Caso 11.218, Nicarágua, OEA/L/II.90.Doc.16, 13 de setembro 1995, pars. 7-19. Como diz um tratadista brasileiro, o Ministério Público é "representante da lei e fiscal de sua execução". Vide TORRES, Luis Cláudio Alves, Prática do Processo Penal Militar, Rio de Janeiro, Ed. Destaque, 1993. pg. 31. Quanto ao necessário empenho que o ministério Público deve demonstrar no exercício da ação processual, vide Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez. Sentença de 29 de julho de 1988, par. 79. Na mesma sentença, a Corte Interamericana de Direitos Humanos declarou que a obrigação de investigar "deve ter um sentido e ser assumida pelo Estado como um dever jurídico próprio e não como uma simples gestão de interesses particulares, que depende da iniciativa processual da vítima ou de seus familiares ou do fornecimento privado de elementos probatórios, sem que a autoridade pública busque efetivamente a verdade". Idem, pg. 73, par. 177.

[30] Nota N° 22 do Governo do Brasil, de 16 de janeiro de 1990, recebida em 26 de janeiro de 1990.

[31] Os fatos ocorreram em 5 de fevereiro de 1989, ou seja, há sete anos.

[32] 0 Governo do Brasil informou que, em decorrência do processo criminal 227/89, instaurado para julgar os policiais civis envolvidos, foram indiciados os policiais civis José Ribeiro, Carlos Eduardo Vasconcelos e Celso José da Cruz (vide informação prestada pelo Governo do Brasil em 29 de setembro de 1989).

Da mesma forma, e fazendo sempre referência à informação prestada pelas partes, no processo criminal 227/89 o indiciado Celso José da Cruz foi condenado em 29 de setembro de 1993 a 516 anos e sete meses de prisão em primeira instancia e a 54 anos e sete meses de prisão em segunda instância. Segundo informações do peticionário, ele apelou e aguarda o julgamento em liberdade, o indiciado José Ribeiro foi condenado em 10 de dezembro de 1993 a 45 anos de prisão em primeira instância com direito a apelar em liberdade, havendo tanto a promotoria como a defesa interposto recurso contra a referida sentença, e o indiciado Carlos Eduardo Vasconcelos foi absolvido em 12 de agosto de 1994, tendo o Ministério Público interposto um recurso contra a referida sentença em 15 de agosto do mesmo ano (informações adicionais prestadas pelo Governo em 18 de outubro de 1993 e 2 de dezembro de 1994). Até a data de elaboração deste relatório, não foram julgados os dois últimos recursos de apelação, apesar de transcorrido mais de um ano e meio desde a interposição dos mencionados recursos pelo Ministério Público.

[33] Conforme a informação recebida do Governo em 2 de dezembro de 1994, a ação interposta na Justiça Militar contra os 28 policiais militares envolvidos no crime se encontrava na fase de audiência das testemunhas da acusação, havendo-se concluído o interrogatório dos réus. Esta informação foi confirmada em 10 de agosto de 1995 pelas organizações peticionárias.

[34] Vide, por exemplo, "Brazilian Deaths Coincide with U. S. Rights Report: 18 Men suffocate in São Paulo Jail cell", R. House, Washington Post, 16 de fevereiro de 1989, p. El. Embora estes recortes de jornal não tenham o caráter de prova documental propriamente dita, "constituem a manifestação de fatos públicos e notórios que, como tais, dispensam provas, por si mesmos" (Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença Velásquez Rodríguez, 29 de julho de 1988, par. 146).

[35] Vide OS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL, 95, São Paulo, Univ. São Paulo, Núcleo de Estudos da Violência e Comissão Teotônio Vilela, São Paulo: NEV:CTV, 1995. (Capítulo IV. Sistema Policial e Carcerário; 13. Relato de um massacre. Morte de 18 detentos no 42° Distrito Policial, Parque São Lucas, São Paulo, pgs. 139ss., onde se confirma e amplia o relato dos fatos).

[36] Informação adicional enviada pelas partes peticionárias em 10 de agosto de 1995, recebida em 15 de agosto de 1995. Esta informação não foi contestada pelo Governo do Brasil.

[37] Segundo noticiário da imprensa, os mortos pertenciam a um grupo de 51 prisioneiros que haviam sido fechados despidos numa solitária. Quando, três horas depois, os funcionários policiais encarregados da custodia dos presos foram abrir a porta da cela, nove tinham morrido por asfixia; outros nove morreram posteriormente no hospital. Doze dos sobreviventes que depuseram em um inquérito preliminar declararam- segundo o Washington Post - que, com a ajuda de membros da força policial militar, o funcionário policial do turno, detetive Celso José da Cruz, havia forçado os homens a entrar na cela como castigo por uma tentativa de fuga de 64 presos, ocorrida dois dias antes. Os homens declararam que tinham sido golpeados com cacetes e que tinha sido jogado um fogo de artifício dentro da cela. Um dos membros da Comissão de Direitos Humanos de São Paulo que entrevistou os sobreviventes, o Pe. Agostinho Duarte de Oliveira Guerra, declarou: Isto foi não apenas um tratamento degradante e desumano, mas tortura. BRAZILIAN DEATHS COINCIDE WITH U. S. RIGHTS REPORT: 18 Men Suffocate in São Paulo Jail Cell, R. House, Washington Post, 16 de fevereiro de 1989, pg. E1.

[38] Resposta do Governo do Brasil de 12 de julho de 1989.

[39] Idem.

[40] Idem.

[41] Nota de Resposta do Governo do Brasil de 29 de setembro de 1989.

[42] Vide, por exemplo, a informação enviada pelo Governo em 22 de setembro de 1992, a em 2 de dezembro de 1994.

[43] Vide, BENADAVA, Santiago. Derecho Internacional Público. Editorial Jurídica de Chile pg. 151.

[44] A seguinte citação ilustra de maneira simples e eloquente o que acabamos de dizer:

Na administração do Estado deste país as funções atribuídas aos ministros (constitucionalmente atribuídas aos ministros porque são constitucionalmente responsáveis) são funções tão diversas que nenhum ministro poderia jamais cumpri-las pessoalmente. As obrigações impostas e os poderes concedidos aos ministros são exercidos habitualmente sob sua autoridade por funcionários responsáveis por cada ministério. Se assim não fosse, os assuntos públicos não poderiam ser levados adiante. Constitucionalmente, as decisões desses funcionários são naturalmente decisões do ministro. O ministro é responsável. É ele que deve responder perante o Parlamento por qualquer ato que os funcionários tenham praticado sob sua autoridade e, se para um assunto importante, ele designasse um funcionário de categoria inferior, do qual não caberia esperar o cumprimento competente da tarefa atribuída, o ministro teria de responder por isso perante o Parlamento. Todo o sistema de organização e administração por departamentos se baseia no pressuposto de que os ministros, por serem responsáveis diante do Parlamento, velarão para que as tarefas importantes sejam atribuídas a funcionários experientes. E se não agem dessa forma, o Parlamento é o lugar para onde terão de ser enviadas as queixas oportunas. (o sublinhado não é do original). Vide, Julgamento de Lord Green, M.R., In: Carltona Ltda. vs. Commissioners of Works and others (1943) 2 All E.R. 560, citado em Comissão de Direitos Humanos, Subcomissão de Prevenção de Discriminações e Proteção às Minorias, 450 Período de Sessões, E/CN.4/Sub.2/ 1993/21, 25 de junho de1993, nota de rodapé 108. pg. 81

[45] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 9 de julho de 1988, par. 170.

[46] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, par. 172.

[47] Os fatos que culminaram com a morte de 18 presos no 42° Distrito Policial de São Paulo ocorreram em 5 de fevereiro de 1989, e o Ilustre Governo do Brasil ratificou a Convenção em 25 de setembro de 1992.

[48] Vide Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença Velásquez Rodríguez, 29 de julho de 1988, par. 164.

[49] Vide, por exemplo, a decisão do Comitê de Direitos Humanos relacionada com a morte repentina de um preso politico. Na mesma é declarado:

Embora a Comissão não possa chegar a uma conclusão definitiva sobre o fato de Hugo Dermit ter ou nao cometido suicidio, ter sido impelido a comete-lo ou ter sido morto de outro modo enquanto estava preso, a conclusão iniludível é a de que, de qualquer modo, as autoridades uruguaias foram responsáveis, por ação ou omissão, por não haver adotado medidas adequadas para proteger sua vida conforme impõe o artigo 6, inciso 1, do Pacto. Comitê de Direitos Humanos, Dermit vs. Uruguai (N° 84/1981), par. 9.2, Relatório 1983. pg. 135.

[50] Vide, por exemplo, Dec Adm com Ap 232/57, I YB 246; Dec Adm Com Ap 7211/75 (6 de outubro de 1976), 7 D&R 104, 106-107.

[51] Corte Interamericana de Direitos Humanos, opinião consultiva N° 9, 6 de outubro de 1987, par. 24.

[52] As polícias militares do Brasil não fazem parte do Exército nem são por ele coordenadas, pois subordinam-se, juntamente com as policias civis, aos governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (artigo 144, inciso IV, parágrafo 6 da Constituição Federal vigente). Não obstante, são unidades auxiliares e de reserva do Exército. Vide Ministério das Relações Exteriores, "Relatório Inicial Brasileiro Relativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, Ministério das Relações Exteriores, Fundação Alexandre de Gusmão e Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo", 1994, pg. 34. 0 artigo 42 da Constituição, por outro lado, estabelece que os integrantes das polícias militares são servidores militares. Diz a respeito:

São servidores militares federais os integrantes das Forças Armadas e servidores militares dos Estados, Territórios e Distrito Federal os integrantes de suas polícias militares e de seus corpos de bombeiros militares.

[53] Vide, entre outros, o comunicado de imprensa emitido pela CIDH ao encerrar sua visita in loco ao Brasil, no qual a Comissão menciona os problemas que emergiram dos depoimentos prestados pelas organizações de direitos humanos e representantes da sociedade civil. Entre esses problemas se destacam, no tocante ao tema ao qual se refere o caso sub judice, a administração da justiça, inclusive as faculdades do Ministério Público, a violência policial e a impunidade, o sistema penitenciário e a competência dos Tribunais Militares para julgar delitos comuns cometidos pela Polícia Militar. A Comissão ainda acrescentou:

Sem prejuízo da análise detalhada a que a CIDH realizará dos aludidos temas em sua reunião de fevereiro do próximo ano, a Comissão deseja ressaltar nesta ocasião que um poder judiciário eficaz é requisito essencial de um sistema moderno de democracia. Conforme acentua o Pacto de San José, os habitantes dos Estados Partes na Convenção tem direito a recorrer à justiça em um prazo razoável. O artigo 25 do mencionado instrumento estabelece o direito de toda pessoa a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais. Os Estados membros, por sua vez, se comprometem a garantir o exercício desse recurso. A este respeito, a Comissão observa com preocupação as dificuldades que se antepõem ao exercício do referido direito no Brasil, em especial no tocante ao processo de uma causa dentro de um prazo razoável.

[54] Corte Interamericana de Direitos Humanos, caso Velásquez Rodríguez, Sentença de 29 de julho de 1988, par. 169.