4.     Acordo de Cumprimento

 

 

RELATÓRIO Nº 19/03[1]

CASO 11.725

ACORDO DE CUMPRIMENTO

CARMELO SORIA ESPINOZA

CHILE

6 de março de 2003

 

 

I.        RESUMO

 

1.    Em 15 de fevereiro de 1997, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada a "Comissão" ou a "CIDH") recebeu uma denúncia contra o Estado de Chile (doravante denominado "Estado chileno" ou "Chile"), pela  violação de seu direito de acesso à justiça pela  falta de investigação sobre a morte de Carmelo Soria Espinoza. Após a  tramitação do caso perante a CIDH, em 19 de novembro de 1999, foi publicado o relatório 133/99, no qual a Comissão encontrou violações aos artigos 1, 2, 8 e 25 da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada a "Convenção Americana") por parte do Estado chileno, e efetuou recomendações.

 

2.    Em 21 de janeiro de 2003, a Comissão recebeu um compromisso assinado  pelo  Estado para o cumprimento das recomendações da  CIDH, bem como a aceitação dos  peticionários em relação a este compromisso. No  presente relatório a Comissão transcreve  o conteúdo de ambos documentos, ratifica os termos do acordo, e insta o Estado a cumprir com as recomendações formuladas pela  CIDH no  relatório 133/99 relativo a este caso.

 

II.       FATOS

 

3.    O senhor Carmelo Soria Espinoza, de 54 anos de idade, e de dupla nacionalidade espanhola e chilena, era Chefe da  Seção Editorial e de Publicações do Centro Latinoamericano de Demografía (CELADE) no Chile. O CELADE é um órgão da  Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL), pertencente ao sistema da  Organização das Nações Unidas (ONU), motivo pelo qual o senhor Soria tinha status de funcionário internacional.  Em 14 de julho de 1976, ao sair de seu trabalho, foi sequestrado por agentes de segurança da Direção Nacional de Inteligência (DINA) e posteriormente assassinado. Seu cadáver foi deixado junto a seu automóvel, num riacho. Os tribunais chilenos determinaram a participação de agentes do Estado no crime, bem como sua identidade. Entretanto, por aplicação do decreto-lei 2.191, conhecido como decreto de autoanistia, os processos penais foram definitivamente arquivados, ficando impune o crime cometido por estes agentes.

 

III.    TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

 

4.    Em 15 de fevereiro de 1997, Carmen Soria González Vera, filha da vítima, assistida pelo  advogado Alfonso Insunza Bascuñán, apresentou à Comissão uma petição datada de 31 de janeiro de 1997, mediante a qual denunciou a violação por parte do Estado chileno do direito ao acesso à justiça no  caso do senhor Carmelo Soria Espinoza e solicitou a Comissão que declarasse que o decreto de anistia é incompatível com as obrigações do Chile de acordo com a Convenção Americana. Em 24 de fevereiro de 1997, a Comissão encaminhou a denúncia ao Estado dando assim início ao trâmite correspondente, conforme as normas regulamentares da  CIDH.

 

5.    Depois de cumprido o trâmite respectivo, em 5 de maio de 1999, a Comissão adotou o Relatório 79/99 sobre o presente caso, com base no  artigo 50 da  Convenção Americana. Neste relatório, a Comissão recomendou ao Estado que estabelecesse as responsabilidades das pessoas identificadas como culpadas pelo assassinato de Carmelo Soria Espinoza mediante um devido processo judicial; que se desse cumprimento as disposições do Convênio sobre Prevenção e Punição de Delitos contra Pessoas Internacionalmente Protegidas, de modo que as violações de direitos humanos dos  funcionários internacionais sujeitos à proteção internacional sejam devidamente investigadas e os culpados efetivamente sancionados ou, caso contrário,  que aceite a habilitação da  jurisdição universal para tais fins; que deixasse sem efeito o Decreto-Lei Nº 2.191 de 1978, de modo que as violações de direitos humanos do governo militar de facto possam ser investigadas e sancionadas; e que adjudicasse aos familiares da  vítima uma indenização que incluisse tanto os danos patrimoniais como extra-patrimoniais, incluindo o dano moral.

 

6.    O Relatório foi encaminhado ao Estado chileno com as recomendações pertinentes, concedendo-lhes o plazo de dois meses a partir da data de seu envio para que informasse sobre o seu cumprimento. O Estado chileno remeteu suas observações em 29 de setembro de 1999. Em 18 de outubro de 1999, a Comissão aprovou o relatório 110/99, conforme o artigo 51 da  Convenção e o transmitiu ao Estado com um mês de prazo para apresentar informação sobre o cumprimento das recomendações. Em 19 de novembro de 1999,  a Comissão decidiu a publicação do relatório antes mencionado.

 

7.    Em 21 de janeiro de 2003, a Comissão recebeu um compromisso firmado pelo  Estado, para o cumprimento das recomendações da  CIDH, bem como a aceitação dos  peticionários em relação a este compromisso.

 

IV.      COMPROMISSOS ASSINADOS PELAS PARTES

 

8.    O compromisso subscrito pelo  Estado estabelece:

 

Para dar cumprimento às  recomendações estabelecidas pela  Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) através de seu relatório 133/99, no  caso de referência [Caso Nº 11.725], o Governo chileno apresenta a seguinte proposta de cumprimento elaborada conforme os critérios aceitos perante essa instância.

 

A proposta incorpora os aspectos materiais e simbólicos dentro do espirito e as possibilidades certas que tem o Governo para dar uma solução satisfatória à parte afetada.

 

 

I.         Antecedentes:

 

1.      No  relatório 133/99, a CIDH concluiu que depois da análise da  sentença de 24 de maio de 1996 da  Corte Suprema de Justiça de Chile, agentes do Estrado “violaram o direito à liberdade e integridade pessoal e a vida de Carmelo Soria consagrado no  artigo I da  Declaração Americana dos  Direitos e Deveres do Homem”. A Comissão concluiu que o arquivamento definitivo do processo penal aberto devido à detenção e desaparecimento de Carmelo Soria afeta o direito à justiça dos  peticionários e, portanto, o Estado chileno violou suas obrigações internacionais consagradas nos  artigos 8 e 25, 1(1) e 2 da  Convenção Americana.

 

A CIDH também determinou que o decreto-lei N° 2.191 é incompatível com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ratificada por Chile em 1990 e que, portanto, a sentença da  Corte Suprema que declara constitucional e de aplicação obrigatória o decreto-lei sobre anistia, viola os artigos 1(1) e 2 da  Convenção.

 

A CIDH assinalou que o Estado Chileno não havia cumprido com o artigo 2 da Convenção Americana por não ter adaptado sua legislação às disposições da  Convenção.

 

A CIDH considerou, ademais, que o Estado deixou de cumprir com o Convênio sobre Prevenção e Punição de Delitos contra Pessoas Internacionalmente Reconhecidas por ter adotado o decreto-lei sobre anistia, e porque seus órgãos administrativos de justiça não puniram os autores dos  delitos cometidos contra o senhor Carmelo Soria Espinoza.

 

2.      A CIDH recomendou ao Estado Chileno as seguintes medidas:

 

-          Determinar as responsabilidades das pessoas identificadas como culpadas do assassinato de Carmelo Soria mediante um devido processo judicial, para que sejam  efetivamente sancionados  seja garantido eficazmente aos familiares da  vítima o direito à justiça consagrado nos  artigos 8 e 25 da  Convenção Americana.

 

-          Dar cumprimento as disposições do Convênio sobre Prevenção e Punição de Delitos contra Pessoas Protegidas, de modo que as violações de direitos humanos dos  funcionários internacionais sujeitos à proteção internacional, como o assassinato do Sr. Carmelo Soria, em sua condição de funcionário da  Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), sejam devidamente investigadas e os culpados efetivamente sancionados. Caso o Estado chileno considere que não pode cumprir com sua obrigação de punir os responsáveis, deve, em consequência, aceitar a habilitação da  jurisdição universal para tais fins.

 

-          Adequar sua legislação interna às disposições da  Convenção Americana sobre Direitos Humanos de maneira que se deixe sem efeito o Decreto-Lei No. 2.191 promulgado em 1978, de modo que as violações de direitos humanos do governo militar de facto contra Carmelo Soria Espinoza possam ser investigadas e sancionadas.

 

-          Adotar as medidas necessárias para que os familiares da vítima recebam uma adequada e oportuna reparação que compreenda uma plena satisfação pelas violações dos  direitos humanos aqui estabelecidas, bem como o pagamento de uma justa indenização compensatória pelos  danos patrimoniais e extrapatrimoniais, incluindo  o dano moral.

 

3.      A família do senhor Carmelo Soria Espinoza, a sua vez, manifestou seu interesse em dar por concluida a gestão judicial que iniciou perante um tribunal chileno para buscar a responsabilidade extra-contratual do Estado

 

II.       Objetivos e alcances da  proposta de cumprimento de recomendações feitas pelo  Governo do Chile:

 

A proposta que o Governo de Chile apresenta perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos é um acordo entre as partes (Governo e peticionários) que tem os seguinte objetivos:

 

-          Por fim definitivo à ação internacional, em especial as medidas adotadas pela  Comissão para dar seguimento as recomendações contidas no  Relatório 133/99.

 

-          Servir de base para por fim à demanda judicial que busca a responsabilidade extra-contratual do Estado, pela  morte do senhor  Carmelo Soria, entitulada "Soria contra o Estado”, que está em trâmite no Quarto Juizado Civil de Santiago, sob o  Nº C-2219-2000.

-          Evitar o exercício de posteriores ações judiciais por responsabilidades do Estado, sejam vinculadas à ação de seus agentes ou por prejuízos  patrimoniais ou extra-patrimoniais, incluindo dano moral.

 

III.      Elementos da  proposta de cumprimento:

 

a)       A família do senhor Carmelo Soria Espinoza (doravante denominada a peticionária) porá fim definitivo à gestão que realiza perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e expressamente assinala que dá por cumpridas todas as recomendações contidas no  Relatório 133/99 da  Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

 

b)       A peticionária aceita as medidas de reparação simbólica que oferece o Estado chileno consistentes em:

 

-          Uma declaração pública feita pelo Governo do Chile reconhecendo a responsabilidade do Estado, pela  ação de seus agentes, na  morte do senhor Carmelo Soria Espinoza.

 

-          Nesta  mesma declaração,  se oferece levantar uma obra que recorde a  memória do senhor Carmelo Soria Espinoza, em um lugar de Santiago designado por sua família.

 

c)       A peticionária desistirá da  demanda apresentada perante o Quarto Guisado Civil de Santiago por responsabilidade extra-contratual do Estado, entitulada “Soria contra o Estado”, sob o Rol Nº C-2219-2000, assinalando que aceita por fim ao processo judicial e que as reparações acordadas perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos serão as únicas exigíveis ao Estado e que, em consequência, não interporá posteriores ações judiciais por responsabilidade do Estado, sejam vinculadas à ação de seus agentes ou por prejuízos patrimoniais ou extrapatrimoniais, incluindo dano moral.  A cópia autenticada da  resolução judicial que aprove a desistência deverá ser apresentada perante a Comissão pela parte peticionária, para efeitos de acreditar o cumprimento do acordo.

 

d)       O  Estado chileno compromete-se ao pagamento de uma cifra única e total de um milhão quinhentos mil dólares dos  Estados Unidos da América, por conceito de indenização a favor da  família do senhor Carmelo Soria Espinoza, que será realizada mediante um pagamento exgratia fato através da  Secretaria Geral das Nações Unidas, em virtude de um Acordo a ser subscrito entre o Governo de Chile e a Organização das Nações Unidas.

 

e)       O Governo de Chile afirma que o senhor Carmelo Soria Espinoza trabalhava como funcionário internacional das Nações Unidas, designado para a Comissão Econômica para América Latina, CEPAL, como pessoal superior desta última, comprovando o carácter de funcionário internacional senior.

 

f)        O Governo do Chile apresentará perante os Tribunais de Justiça chilenos uma solicitação para reabrir a ação penal referente à responsabilidade daqueles responsáveis pela morte do senhor Carmelo Soria Espinoza.

 

As propostas apresentadas pelo  Governo do Chile para o cumprimento das recomendações da  Comissão Interamericana de Direitos Humanos, tem como objeto por fim à controvérsia que atualmente existe entre o Estado chileno e a família do senhor Carmelo Soria Espinoza, constante do caso Nº 11.725.

 

9.    O compromisso subscrito pelo  peticionário, e dirigido à CIDH, assinala:

 

Carmen Soria González – Vera, assistida pelo  advogado Alfonso Insunza Bascuñan afirma:

 

Temos conhecimento da proposta de cumprimento das recomendações do relatório 133/99 apresentada pelo  Governo do Chile a essa Comissão, e manifestamos que a conhecemos em todas as suas partes, sendo seus elementos textualmente os seguintes:

 

a)          A família do senhor Carmelo Soria Espinoza (doravante denominada a peticionária) porá fim definitivo à gestão que realiza perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e expressamente assinala que dá por cumpridas todas as recomendações contidas no  Relatório 133/99 da  Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

 

b)         A peticionária aceita as medidas de reparação simbólica que oferece o Estado chileno consistentes em:

 

-          Uma declaração pública feita pelo Governo do Chile reconhecendo a responsabilidade do Estado, pela  ação de seus agentes, na  morte do senhor Carmelo Soria Espinoza.

 

-          Nesta  mesma declaração,  se oferece levantar uma obra que recorde a  memória do senhor Carmelo Soria Espinoza, em um lugar de Santiago designado por sua família.

 

c)       A peticionária desistirá da  demanda apresentada perante o Quarto Guisado Civil de Santiago por responsabilidade extra-contratual do Estado, entitulada “Soria contra o Estado”, sob o Rol Nº C-2219-2000, assinalando que aceita por fim ao processo judicial e que as reparações acordadas perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos serão as únicas exigíveis ao Estado e que, em consequência, não interporá posteriores ações judiciais por responsabilidade do Estado, sejam vinculadas à ação de seus agentes ou por prejuízos patrimoniais ou extrapatrimoniais, incluindo dano moral.  A cópia autenticada da  resolução judicial que aprove a desistência deverá ser apresentada perante a Comissão pela parte peticionária, para efeitos de acreditar o cumprimento do acordo.

 

d)          O  Estado chileno compromete-se ao pagamento de uma cifra única e total de um milhão quinhentos mil dólares dos  Estados Unidos da América, por conceito de indenização a favor da  família do senhor Carmelo Soria Espinoza, que será realizada mediante um pagamento exgratia fato através da  Secretaria Geral das Nações Unidas, em virtude de um Acordo a ser subscrito entre o Governo de Chile e a Organização das Nações Unidas.

 

e)          O Governo de Chile afirma que o senhor Carmelo Soria Espinoza trabalhava como funcionário internacional das Nações Unidas, designado para a Comissão Econômica para América Latina, CEPAL, como pessoal superior desta última, comprovando o carácter de funcionário internacional senior.

 

f)           O Governo do Chile apresentará perante os Tribunais de Justiça chilenos uma solicitação para reabrir a ação penal referente à responsabilidade daqueles responsáveis pela morte do senhor Carmelo Soria Espinoza.

 

 

Em relação a esta proposta, manifestamos nossa absoluta conformidade e aceitação, pois cumpre com as recomendações do relatório 133-99 dessa Comissão.

 

PORTANTO:

 

Solicitamos ao Sr. Secretário Executivo ter por aceita em sua totalidade a proposta do Governo Chileno sobre cumprimento do relatório 133-99.

 

VI.      CONCLUSÕES

 

10.           A Comissão Interamericana reconhece a vontade do Estado chileno de resolver este caso através do cumprimento das recomendações realizadas no relatório 133/99, incluindo o pagamento de uma indenização pelos danos sofridos e o julgamento e punição dos  responsáveis pela  morte de Carmelo Soria.

 

11.           A Comissão, conforme suas faculdades estabelecidas em Convênios e Regulamentos, continuará acompanhando o cumprimento das recomendações contidas em seu relatório.

 

A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

 

DECIDE:

 

1.     Registrar os termos do compromisso assumido pelo  Estado do Chile e aceito  pelos  peticionários no  presente caso.

 

2.     Acolher com prazer a vontade manifestada pelo  Governo para cumprir com as recomendações da  CIDH.

 

3.     Instar o Estado a tomar as medidas necessárias para cumprir com os compromissos pendentes.

 

4.     Continuar supervisionando o cumprimento do acordo alcançado pelas partes e das recomendações realizadas pela  Comissão.

 

5.     Publicar o presente relatório e incluí-lo em seu Relatório Anual a ser enviado à Assembléia Geral da OEA.

 

Dado e assinado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de Washington, D.C., no dia  6 de março de 2003. (Assinado): Marta Altolaguirre, Presidenta; Clare Kamau Roberts, Segundo Vice-Presidente; Comissionados: Robert K. Goldman, Juan Méndez, Julio Prado Vallejo e Susana Villarán.


 


[1] O membro da  Comissão José Zalaquett, de nacionalidade chilena, não participou do  exame e a votação deste caso em obediência ao artigo 17(2)(a) do Regulamento .