RELATÓRIO ANUAL 1996

RÉPLICA DOS PETICIONÁRIOS À RESPOSTA DO GOVERNO DOS ESTADOS UNIDOS À DENÚNCIA

81. Os peticionários fizeram múltiplas exposições que continham vários argumentos sobre a admissibilidade 8/ da petição e em relação às violações por parte do Governo dos Estados Unidos de vários instrumentos internacionais de direitos humanos constantes da parte III deste relatório. Ademais, os peticionários apresentaram uma réplica à resposta do Governo dos Estados Unidos argumentando o seguinte.9/

 

82. Neste caso, não há provas perante a Comissão de que outro país tenha violado suas obrigações previstas no direito internacional quanto ao processo das solicitações de asilo e refúgio dos haitianos. Nenhum outro país se juntou ao programa de interdição do Governo dos Estados Unidos, nem iniciou seu próprio programa de interdição. O fato bem conhecido é que os haitianos estão "sofrendo graves violações dos direitos humanos sob a ditadura militar", o que acrescenta urgência à petição e torna premente a necessidade de que o Governo dos Estados Unidos ofereça asilo justo, pleno e não-discriminatório aos haitianos que fogem de seu país. O Governo dos Estados Unidos não apresenta elementos que comprovem sua queixa de que "só pequena percentagem de haitianos desejosos de sair do Haiti são de fato refugiados de boa-fé". Os peticionários nunca objetaram os esforços envidados pelos Estados Unidos para salvar e resgatar as pessoas no mar. Esta denúncia não tem nada a ver com o resgate e auxílio das pessoas no mar. Pelo contrário, impugna a política do Governo dos Estados Unidos de forçar o retorno das pessoas a um país em que se cometem graves e sistemáticas violações dos direitos humanos, sem oferecer entrevistas de asilo justas, plenas e não-discriminatórias, de acordo com o direito internacional.

 

83. Um governo não pode evitar que a Comissão reveja uma política ilegal, simplesmente modificando a política periodicamente. O Governo dos Estados Unidos deixou de conceder entrevistas aos haitianos interditados em abril de 1992 e essa mudança de política é impugnada pelos peticionários em várias exposições e audiências perante a Comissão, uma vez que, como reiteradamente manifestou o Presidente Clinton e outros altos funcionários do Governo dos Estados Unidos, sua política é revista e modificada constantemente. Permanece a preocupação quanto a se as políticas do Governo impugnadas nesta denúncia foram legais. De fato, a política de agora consiste em uma vez mais conceder ao boat people entrevistas em alto mar, forçando o regresso da grande maioria dos haitianos, negando-se a admitir qualquer haitiano interditado nos Estados Unidos e recusando-se a conceder uma revisão judicial de qualquer dos processos ou decisões adotadas. Espera-se que uma decisão da Comissão em relação à política inicial do Governo dos Estados Unidos de conceder entrevistas inadequadas e mais tarde negá-las sirva de guia para a conduta do Governo dos Estados Unidos e de outros governos em suas políticas e práticas atuais e futuras.

 

84. O Governo dos Estados Unidos admite que dos 55.694 solicitantes em abril de 1994, somente 15.293 foram entrevistados e somente 2.937 obtiveram o visto de refugiado. Conforme reconhece o Governo dos Estados Unidos, em outra nova mudança de política, atualmente só se tramitam no Haiti certas categorias de solicitação de visto de refugiado para funcionários de nível alto e médio do Governo de Aristide etc. As diferentes respostas e testemunhos dos peticionários demonstraram que as atuais condições do sistema de processamento de solicitações dentro do próprio país são inadequadas e perigosas. Finalmente, a pedido do Governo dos Estados Unidos e de outros governos, não há atualmente vôos comerciais saindo do Haiti ou voltando. Esse é o principal obstáculo, inclusive para alguns haitianos que obtiveram o visto de refugiado para sair do país. Seja qual for a intenção do programa de processamento no país, não se desculpa a ilegalidade do programa de interdição dos Estados Unidos.

 

85. Enquanto o Governo dos Estados Unidos alega que os haitianos repatriados não têm problemas ao regressarem ao Haiti, muitos deles são detidos; o próprio Governo dos Estados Unidos admitiu que tenha sido recentemente negado a funcionários de sua Embaixada acesso aos detentos, e que os Estados Unidos ... não têm capacidade para desvirtuar os relatórios de suposta perseguição após o regresso das pessoas. Enquanto o Governo dos Estados Unidos agora declara que somente os proprietários dos botes e os contrabandistas são detidos ao regressarem, uma comunicação do Departamento de Estado de 1993, que os reclamantes apresentaram à Comissão em 26 de abril de 1994, manifesta claramente que as autoridades haitianas "interrogaram todos os repatriados, como era usual. ... O interrogatório ... parece referir-se a uma expedição de pesca para as pessoas consideradas pela polícia como problemáticas, e talvez tenha por finalidade intimidar os repatriados".

 

86. A resposta dos peticionários de 12 de abril de 1994 também apresenta elementos que comprovam o dano sofrido pelos haitianos repatriados a força pelo Governo dos Estados Unidos, inclusive declarações juramentadas de Fito Jean e Dukens Luma, que testemunharam perante a Comissão em seu último período de sessões. O testemunho e a declaração juramentada de Pierre Esperance também descreve a perseguição enfrentada pelos haitianos repatriados pela Guarda Costeira dos Estados Unidos. Conforme admite o Governo dos Estados Unidos, "este não pode garantir a segurança de todos os repatriados haitianos. Só as autoridades haitianas têm meios de proporcionar tais garantias". O Governo dos Estados Unidos naturalmente sabe que "as autoridades haitianas" não usam de suas faculdades para garantir os direitos fundamentais. Os haitianos arriscam suas vidas ao fugir, precisamente pelo brutal poder exercido pelas autoridades haitianas, e o Governo dos Estados Unidos sugere que pode proteger as pessoas repatriadas pelos barcos da Guarda Costeira.

 

87. O Governo dos Estados Unidos argumenta que não há um dever jurídico que obrigue os Estados Unidos a aceitar os haitianos fugitivos, inclusive os portadores de legítimas solicitações de refúgio. Estamos respeitosamente em desacordo pelos motivos expostos em nossas declarações anteriores e na própria resolução sobre medidas provisórias aprovada pela Comissão em fevereiro de 1993. A interdição dos nacionais haitianos com plena e justa oportunidade de solicitar asilo e seu regresso forçado ao Haiti viola vários artigos da Declaração Americana, da Convenção Americana, de outros instrumentos internacionais e de direito consuetudinário. Contrária à posição do Governo dos Estados Unidos, a Declaração Americana adquiriu força jurídica vinculatória, uma vez que os Estados Unidos são um Estado membro da OEA e ratificaram a Carta da OEA. Ver, por exemplo, o caso Nº 2141 (Estados Unidos, resolução 23/81, OEA/Ser.L/V/II.52 Doc.48, 6 de março de 1981) e o parecer consultivo OC-10/89 (Colômbia), de 14 de julho de 1989, da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

 

88. O direito internacional consuetudinário, neste caso, foi violado porque houve uma adoção uniformemente extensiva e virtual de uma política de non-refoulement (não-devolução) em todo o mundo. A política de interdição dos haitianos por sua origem nacional (enquanto, coincidentemente, de maneira deliberada se admitem outros, tais como os nacionais de Cuba) e seu regresso forçado ao Haiti, sem entrevistas de tipo algum para obtenção de asilo, claramente violam o princípio do non-refoulement.

 

89. Enquanto o Governo dos Estados Unidos insta o governo militar de facto no Haiti a que cumpra as resoluções da OEA e das Nações Unidas, não cumpre ele as comunicações enviadas pela Comissão sobre a realização de seu programa de interdição. Enquanto o Governo dos Estados Unidos condenava "em princípio e na prática" a política britânica no passado de interdição e repatriação de boat people que fugia do Vietnã para Hong Kong, (New York Times, de 25 de janeiro de 1990), iniciava ele seu próprio programa de interdição e repatriação forçada de um único grupo de pessoas: haitianos negros, pobres. Não há dúvida de que a maioria de tais haitianos está fugindo da violência política, dos derramamentos de sangue, dos desaparecimentos e das mortes. Desde que foi apresentada esta petição, o Governo dos Estados Unidos teve quatro anos para modificar sua política e torná-la coerente com o direito internacional e as normas de conduta legal e moral.

 

90. Pelo contrário, ele falhou, apresentando-se perante a Comissão em defesa de sua conduta ilegal como um programa para "salvar" e "resgatar" os haitianos que fogem de seu país. Poucos haitianos e, certamente, nenhum dos que apresentaram declaração juramentada e testemunha neste caso descreveriam a interdição e o regresso forçado como uma experiência "salvadora" ou "de resgate". Uma vez mais, urgentemente solicitamos à Comissão que tome uma decisão final sobre os méritos deste caso. Esperamos que essa decisão final se refira à política do Governo dos Estados Unidos previamente a 1992 de conceder as chamadas "entrevistas" a bordo de embarcações da Guarda Costeira antes de devolver a força mais de 99% dos haitianos interditados; e à sua política posterior a 1992 de não conceder absolutamente entrevistas para asilo.

 

RESPOSTA DO GOVERNO DOS ESTADOS UNIDOS À SOLICITAÇÃO DA COMISSÃO DE 26 DE SETEMBRO DE 1994

91. O Governo dos Estados Unidos apresentou sua resposta 10/ à solicitação da Comissão relativa à interpretação e aplicabilidade dos artigos da Declaração Americana que se alegou foram violados pelos fatos que configuram este caso e declara o seguinte:

 

92. Desde a apresentação do resumo dos méritos, em 4 de maio de 1994, pelos Estados Unidos, houve ocorrências significativas tanto na política de migração haitiana dos Estados Unidos, como no próprio Haiti, das quais a mais notável é a restauração da democracia no Haiti. Tais ocorrências converteram esta denúncia alternativamente em discutível ou inadmissível pelo esgotamento dos recursos internos, conforme se expressa mais detalhadamente no memorando anexo. Ademais, o Governo considera que a denúncia não estabelece violação alguma da Declaração Americana. A maioria das disposições da Declaração Americana citadas pelos peticionários simplesmente não são relevantes para os fatos deste caso.

 

93. O artigo pertinente ao programa de interdição (artigo XXVII, relativo ao direito de asilo) não exige que os Estados Unidos admitam haitianos que fogem para os Estados Unidos, nem impede que os Estados Unidos repatriem haitianos, mesmo aqueles que pudessem ter um temor autêntico de perseguição. Os Estados Unidos consideram que o programa de interdição é uma abordagem sadia da migração ilegal de haitianos pelo mar. A política dos Estados Unidos foi e continua a ser uma resposta legal e humanitária à migração ilegal e à tragédia potencial dos haitianos que arriscam a vida no mar. O Governo dos Estados Unidos respeitosamente solicita à Comissão uma das seguintes alternativas: declarar esta denúncia discutível, inadmissível, ou que não há violação alguma da Declaração Americana.

 

94. No período entre a suspensão da política de repatriação direta e o regresso do Presidente Aristide ao Haiti, mais de 20.000 haitianos foram interceptados pela Guarda Costeira e levados a refúgios seguros. Em 11 de janeiro de 1995, mais de 16.000 haitianos haviam regressado voluntariamente ao Haiti de Guantánamo. Os Estados Unidos consideram que, com a retirada dos líderes golpistas, a restauração da democracia e o melhoramento da situação de segurança no país, há alguns poucos haitianos, se é que os há, que não podem regressar com segurança ao Haiti. Em 29 de dezembro de 1994, funcionários dos Estados Unidos na baía de Guantánamo anunciaram aos haitianos que ali permaneciam que, se decidissem regressar voluntariamente ao Haiti antes de 5 de janeiro, seriam elegíveis para o recebimento de benefícios da repatriação, inclusive uma remuneração de 200 dólares haitianos (cerca de 80 dólares estadunidenses) e para a participação em programas de trabalho. Foram informados de que praticamente todos os haitianos deveriam regressar ao Haiti, dado o melhoramento das condições locais, e que as pessoas que acreditavam não poderem regressar em condições seguras teriam a oportunidade de se fazerem ouvir em suas demandas.

 

95. Calcula-se que 670 dos haitianos que então restavam decidiram valer-se desses benefícios. Em 5 de janeiro, os Estados Unidos começaram a repatriar os haitianos que restavam. Como parte desse processo, concedeu-se a todos os haitianos, se o desejassem, a oportunidade de manifestar qualquer preocupação quanto ao seu regresso ao Haiti. Funcionários do Serviço de Imigração e Naturalização estão avaliando tais preocupações à luz das condições no Haiti e não enviarão de regresso ao Haiti neste momento nenhum haitiano com relação ao qual haja motivos fundamentados para crer que — não obstante a mudança das circunstâncias e desde que os motivos não sejam disputas pessoais — haveria risco se a pessoa fosse devolvida ao Haiti. Em 17 de janeiro, 60 casos foram considerados para futuras entrevistas com funcionários do Serviço de Imigração e Naturalização.

 

96. O significado de "segurança" do artigo I 11/ — O artigo I da Declaração sofreu substanciais modificações previamente à sua redação final. Os arquivos sobre a negociação deste artigo sugerem insistentemente que o direito à segurança, como os peticionários parecem perceber, não é o que tinham em mente aqueles que formularam a Declaração. O projeto original da Comissão Jurídica continha artigos separados para o direito à vida (inspirado na Declaração Americana da Independência) e o direito à liberdade pessoal e não continha artigo algum sobre a segurança das pessoas. O anexo aclaratório da Comissão Jurídica destaca o valor de consagrar esse direito fundamental de maneira geral, deixando para disposição posterior a definição dos aspectos específicos do direito e as restrições que forem necessárias. As mudanças introduzidas pelo projeto revisto da Comissão Jurídica nestes dois artigos não são matéria desta discussão.

 

97. Aplicação dos fatos do presente caso — Os Estados Unidos defendem que a proteção da vida, da liberdade e da segurança das pessoas são um princípio solene que deve orientar as ações de todos os Estados. Na preservação desse princípio, continuamos a procurar a plena realização da segurança pessoal dos indivíduos em qualquer lugar. Entretanto, o direito à segurança das pessoas, conforme é entendido na Declaração Americana, simplesmente não é relevante para a situação de fato do programa de interdição de haitianos. O direito à segurança das pessoas não cria uma obrigação para os Estados de admitir pessoas que fogem de seu país pelo mar, nem impede que se proceda à sua repatriação, mesmo no caso de um refugiado de boa-fé. Tampouco exige que se proporcione refúgio seguro. Como se discutiu em nossa exposição de 4 de maio, os Estados Unidos não dispõem de provas que indiquem que os haitianos repatriados tenham sido objeto de abuso ou acosso em conseqüência de sua condição de interdito repatriado. Na supervisão dos repatriados, os Estados Unidos não encontrou evidência de perseguição sistemática dos boat people devolvidos. A integridade física dos haitianos interceptados simplesmente não foi afetada pelas ações dos Estados Unidos.

 

98. Levar os haitianos resgatados e interditados para a baía de Guantánamo a fim de proporcionar-lhes refúgio seguro maximiza a segurança das pessoas. Os haitianos não estão sendo privados de sua liberdade na baía de Guantánamo, como também estão em liberdade para regressar ao Haiti ou ir-se para outro país que os aceite. A restrição de seus movimentos em Guantánamo é necessária em virtude das exigências de operação de uma instalação militar em território hostil. A segurança dos haitianos exige que não possam andar livres além do perímetro dos acampamentos, onde há campos minados e outros riscos. Mediante a disponibilidade do processo em seu próprio país, os Estados Unidos criaram, para os haitianos com autêntico temor de perseguição por motivo de raça, religião, nacionalidade ou filiação a determinado grupo social ou político, a possibilidade de reinstalar-se nos Estados Unidos sem ter de arriscar suas vidas no mar ou cruzando a fronteira para a República Dominicana. Nenhum outro país ofereceu tais meios de proteção da vida, da liberdade e da segurança do haitianos.

 

99. Significado do artigo II — O direito de igualdade perante a lei foi concebido por aqueles que formularam o projeto de Declaração Americana como o mais importante, uma vez que "qualificou" todos os demais direitos (Anexo aclaratório do projeto preliminar de Declaração, página 72), está implícito em todos os demais (Idem, página 103) e constitui o pilar teórico sobre o qual repousam todos os demais direitos. O direito à igualdade é, em essência, um direito derivado, uma vez que primeiro deve haver um direito substantivo — por exemplo, incluído numa lei — e então este deve ser aplicado de maneira que todas as pessoas sejam iguais perante a referida lei. Esse direito não necessariamente proíbe diferente tratamento, por exemplo, aos estrangeiros comparativamente aos nacionais. Em resumo, o direito de igualdade perante a lei é um direito de igualdade com respeito à aplicação dos direitos substantivos consagrados na Declaração como direitos fundamentais. Por conseguinte, a Comissão deve considerar primeiro que direitos consagrados na Declaração Americana são aplicáveis à situação do programa haitiano de interdição, o significado desses direitos aplicados neste contexto e, então, avaliar se tais direitos substantivos estão sendo aplicados de maneira coerente com o consagrado no artigo II. Como se observou na introdução desta exposição, os Estados Unidos consideram que o único direito consagrado na Declaração Americana que é relevante para o programa haitiano de interdição é o direito de asilo consagrado no artigo XXVII. Por conseguinte, aos olhos dos Estados Unidos, a decisão da Comissão deve centrar-se no disposto no artigo XXVII e em se o direito de asilo ali consagrado vem sendo aplicado de maneira coerente com a igualdade perante a lei estipulada na artigo II.

 

100. Acresce que, mesmo com respeito aos direitos particulares, o artigo II, como outros artigos estabelecidos em outros instrumentos de direitos humanos, "não proíbe o estabelecimento de alguma diferença de tratamento no exercício dos direitos e liberdade reconhecidas ..." na Declaração, desde que a diferença seja objetiva e razoável. Caso relativo a aspectos relacionados com leis no uso de idiomas na educação na Bélgica, 1EHRR 252.

 

101. Aplicação dos fatos neste caso — Os Estados Unidos reafirmam os objetivos estabelecidos no artigo II da Declaração. A igualdade perante a lei permanece profundamente afiançada em nossa jurisprudência interna como um dos princípios do sistema jurídico dos Estados Unidos. A jurisprudência dos Estados Unidos neste ponto é resumida de maneira breve pelo Instituto de Lei Americana em seu (Terceiro) Restabelecimento da Lei de Relações Exteriores dos Estados Unidos (1987). A seção 722 do Restabelecimento diz o seguinte:

 

a) Um estrangeiro nos Estados Unidos tem direito a garantias constitucionais diferentes daquelas expressamente reservadas aos cidadãos.

b) De acordo com a subseção 1, um estrangeiro nos Estados Unidos não pode ser privado da proteção igualitária das leis, mas a proteção igualitária não impede as distinções razoáveis entre estrangeiros e cidadãos, ou entre diferentes categorias de estrangeiros.

102. Os direitos legais dos estrangeiros consagrados no Restabelecimento foram mais desenvolvidos mediante diversas opiniões da Corte Suprema dos Estados Unidos. Mediante tais decisões, os Estados Unidos reconheceram um compromisso de acordo com as Emendas Quinta e Décima Quarta da Constituição, segundo as quais o Governo deve proporcionar a mesma proteção jurídica a todas as pessoas "dentro da jurisdição" dos Estados Unidos. Pyler versus Doe, 457 US 202 (1982). A lei também é clara no sentido de que o Governo dos Estados Unidos não tem uma obrigação jurídica, segundo a Constituição, de proporcionar a mesma proteção às pessoas que se encontram fora da jurisdição do país. Estados Unidos ex. rel. Turner versus Williams, 194 US 279, 292 (1904); Mathews versus Díaz, 426 US 67, 79 (1976). No caso Díaz, a Corte Suprema dos Estados Unidos assinalou que "grande número de disposições constitucionais e legais fundamenta-se na premissa de que uma distinção legítima entre cidadãos e estrangeiros pode justificar os atributos e benefícios para uma categoria que não se concedam à outra... A totalidade do Título 8º do Código dos Estados Unidos, que rege os estrangeiros e a nacionalidade, fundamenta-se na legitimidade de distinguir entre cidadãos e estrangeiros. Considerável número de disposições legais federais dispõem tratamento diferente para os estrangeiros e os cidadãos". 426 US 67, 78.

 

103. A política dos Estados Unidos a esse respeito é coerente com o Restabelecimento e com os princípios estabelecidos no artigo II da Declaração. Os Estados Unidos consideram que suas leis de imigração e sobre refugiados tratam os estrangeiros de maneira justa, coerente e eqüitativa. Com efeito, como país de imigrantes, os Estados Unidos valoram as normas de proteção e contam com algumas das mais amplas que qualquer dos países do mundo. Os Estados Unidos devem considerar os fatores políticos e econômicos particulares do Haiti ao determinar a melhor forma de honrar os compromissos criados pela Convenção sobre Refugiados e as demais normas aplicáveis.

 

104. Sem prejuízo da análise jurídica de que não assiste aos haitianos nem a nacionais de qualquer outro país o direito de ingressar nos Estados Unidos ou de evitar sua repatriação, também cumpre assinalar que as ações dos Estados Unidos não se referem aos haitianos unicamente. Os Estados Unidos adotaram uma política relacionada com os estrangeiros que procurem ingressar nos Estados Unidos por mar ilegalmente. Essa política consta da Proclamação Presidencial 4865, de 29 de setembro de 1981, FR 28829, 46 Fed. Reg. 48.107, e da Ordem Executiva 12807, de maio de 1992, que substituiu a Ordem Executiva 12324, de 29 de setembro de 1981, e reflete o fato de que não há, para os estrangeiros sem a documentação adequada o direito de ingressar nos Estados Unidos. Tais documentos não diferenciam, nem na teoria nem na prática, as bases de nenhum dos fatores enumerados no artigo II. Os estrangeiros chineses que procurem entrar ilegalmente nos Estados Unidos por mar, ao serem interceptados pela Guarda Costeira dos Estados Unidos, também serão impedidos de ingressar nos Estados Unidos, se possível com a cooperação de outros países de trânsito. Os estrangeiros chineses que, nesse contexto, aleguem que temem ser perseguidos se regressarem à China, não necessariamente são levados aos Estados Unidos para que apresentem pedido de asilo. Em vez disso, suas queixas são bem examinadas por funcionários do país hóspede, por funcionários do Serviço de Imigração e Naturalização dos Estados Unidos ou por funcionários do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

 

105. Os nacionais de Cuba encontrados no mar, desde agosto do corrente ano, também foram levados às instalações do refúgio de segurança da baía de Guantánamo, e alguns foram transladados ao refúgio de segurança do Panamá. Alguns nacionais de Cuba foram admitidos nos Estados Unidos, por motivos relacionados com as circunstâncias particulares por longo tempo existentes em seu país, as quais não são relevantes para o caso dos nacionais do Haiti. Os Estados Unidos não têm conhecimento de petições de asilo nos Estados Unidos de nacionais de outro país interceptados no mar.

 

106. As diferenças de tratamento desses grupos de estrangeiros são permitidas em primeira instância porque não há um direito subjacente que implique que devam ser tratados de igual maneira. As diferenças de tratamento desses grupos de estrangeiros pelos Estados Unidos são razoavelmente relacionadas com as condições existentes em seu país de origem e as respectivas diferentes políticas dos Estados Unidos com respeito a esses países. Tais distinções são exercícios de formulação de política absolutamente permitidos e não implicam desafio com base em discriminações proibidas.

 

107. O significado do artigo XVII e sua aplicação à situação de fato — Após rever os antecedentes da negociação desse artigo, os Estados Unidos não encontram onde está a relevância do mesmo ante o programa de interdição de haitianos. Não aparece em parte alguma o tema da política e ações dos Estados Unidos que se relacionam com o artigo. Não parece que se possa apresentar uma possível negação da personalidade jurídica neste caso. Tampouco parece que direitos civis básicos possam estar em discussão. Os Estados Unidos não podem referir-se de maneira significativa à aplicação do artigo XVII aos fatos deste caso. Contudo, os Estados Unidos reconhecem e cumprem plenamente, como uma proposição geral, o princípio estipulado no artigo XVII. Todas as pessoas gozam do direito natural de exercer os direitos civis inerentes à condição humana. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966) referem-se a isso. Os Estados Unidos consideram o reconhecimento dos direitos civis básicos consagrados no artigo XVII como elemento necessário à sociedade democrática, na qual se acham comprometidos todos os Estados membros da OEA.

 

108. Conquanto seja incontroverso o fato de que todas as pessoas têm direitos civis básicos, o artigo XVII não significa que todos os Estados estejam obrigados a conceder os mesmos direitos civis a todos os indivíduos onde quer que se encontrem do mesmo modo que o fazem com seus próprios nacionais. Os Estados Unidos protegeram e continuam a proteger em seus tribunais nacionais os direitos civis básicos de todos os nacionais dos Estados Unidos e de todas as pessoas localizadas "dentro da jurisdição" de suas fronteiras nacionais. Pyler versus Doe, supra. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos se negam a reconhecer, como aparentemente o fazem os peticionários, que um Estado tenha a obrigação jurídica de estender a proteção dos direitos civis estabelecidos em suas leis internas ou nos diferentes tratados internacionais de direitos humanos aos estrangeiros que se achem fora de suas fronteiras, sem que declarem expressamente seu propósito. Sale versos Conselho de Centros Haitianos, 113 S. Ct 2549, 2565. Isso é verdade, também no caso de contato entre as autoridades dos Estados Unidos e nacionais de outros países fora dos Estados Unidos, por exemplo, a bordo de barcos da Guarda Costeira ou nas instalações navais norte-americanas na baía de Guantánamo, em Cuba. Não se sugere em absoluto que tais ações possam vulnerar direitos civis em caso algum. Conforme se observou, o conceito geral do refúgio de segurança é oferecer proteção voluntária às pessoas que sentem que a necessitam.

 

109. Significado do artigo XVIII — O artigo XVIII baseia-se nos artigos XI (direito à segurança contra a detenção arbitrária) e o XII (direto ao devido processo), do texto do projeto preliminar da Comissão Jurídica. O artigo XI do projeto original assinalava, entre outras coisas, que toda pessoa acusada de um delito poderia ter direito a julgamento imediato e a tratamento adequado ("humano" no texto final da Comissão Jurídica) durante o tempo de detenção. O artigo XII assinalava que toda pessoa acusada de um delito devia ter direito a os, que seu caso fosse levado a juízo imparcial e público ("a juízo legal, imparcial e público de seu caso", segundo a minuta final da Comissão Jurídica), a defrontar-se com testemunhas e a ser julgada por tribunais previamente estabelecidos pela lei, anteriormente à comissão do delito ("e a ser julgado pela lei vigente no momento em que se cometeu o delito e por tribunais previamente estabelecidos", no texto final da Comissão Jurídica). Esses dois artigos referem-se à situação de uma pessoa acusada de delito e, nesse sentido, não são relevantes nesta discussão. O texto revisto do Grupo de Trabalho da Sexta Comissão converteu-se no texto aprovado. O artigo XVIII não exige dos tribunais que se pronunciem com determinado resultado a respeito da suposta negação de direitos jurídicos. Em vez disso, o artigo refere-se à garantia de que haja um processo disponível para assegurar o respeito aos direitos jurídicos.

 

110. Aplicação aos fatos do presente caso — Os Estados Unidos se comprometeram e estão firmemente empenhados em manter um sistema judicial justo e eficiente, capaz de determinar os direitos jurídicos do indivíduo. A proteção judicial dos direitos individuais representa uma das funções mais importantes e respeitadas do sistema judiciário dos Estados Unidos. Primeiro, deve existir, em todo caso, um direito subjacente. Como se demonstrou reiteradamente nos tribunais dos Estados Unidos ao serem consideradas as diferentes queixas apresentadas pelos peticionários no correr dos anos em relação ao programa de interdição de haitianos, os estrangeiros que se encontrem fora dos Estados Unidos não possuem direitos gerais segundo as leis estadunidenses, exceto as previstas nas leis de imigração dos Estados Unidos. Mais especificamente, os estrangeiros que se encontrem fora dos Estados Unidos não têm o direito de alegar prerrogativas processuais na consideração de seus pedidos de asilo, ou de evitar a repatriação, mesmo ante a perseguição de seus governantes. Essa disposição foi firme e definitivamente estabelecida pela Corte Suprema dos Estados Unidos no caso Sale. A Corte esclareceu que nem a lei de imigração dos Estados Unidos (seção 243, h, da Lei de Imigração e Nacionalidade)e, nem o artigo 33 da Convenção sobre Refugiados exige o ingresso nos Estados Unidos ou impedem a repatriação de nacionais do Haiti encontrados fora dos Estados Unidos por funcionários estadunidenses. Uma vez que tais direitos jurídicos não existem segundo as leis dos Estados Unidos, não há direitos a proteger perante os tribunais.

 

111. Tampouco, a nosso ver, outros Estados membros da OEA interpretam o artigo XVIII como uma exigência a suas autoridades no sentido de admitir não-nacionais à procura de asilo ou oferecer processos extraterritoriais. A denúncia dos peticionários de que lhes foram negados os direitos relativos às condições de tratamento em Guantánamo não é reconhecida na lei dos Estados Unidos. Não há precedentes fixados por nenhuma Corte dos Estados Unidos que respaldem a denúncia dos peticionários. (A decisão do Distrito Oriental de Nova York limitou-se aos haitianos que haviam sido investigados de acordo com a política anterior de investigações, que precede a decisão do caso Sale do Supremo Tribunal e já não tem validade à luz do recente mandato do Supremo Tribunal. A decisão do Tribunal do Segundo Distrito de Apelações e as ordens do Tribunal do Distrito foram anuladas e já não servem de precedente). No litígio ainda pendente perante o Tribunal de Apelações, os peticionários alegam, entre outras violações, a violação dos direitos constitucionais no tratamento dos haitianos em Guantánamo com respeito ao tema de sua admissão nos Estados Unidos e sua repatriação. Mesmo na ausência de um direito subjacente houve ampla oportunidade de recorrer aos tribunais. Os peticionários tiveram acesso reiterado, exaustivo e contínuo aos tribunais dos Estados Unidos para fazer valer as supostas denegações de seus direitos e deu-se ampla e plena consideração a suas denúncias por parte dos tribunais dos Estados Unidos, em todos os níveis. (Ver antecedentes dos litígios perante os tribunais dos Estados Unidos, acrescenta a exposição de 4 de maio dos Estados Unidos, em como os antecedentes do atual litígio, mencionado no início desta exposição). Aqui não houve denegação de processos.

 

112. Significado do artigo XXIV — O artigo XXIV deriva do artigo VII do texto do projeto preliminar da Comissão Jurídica, que estabelece, em essência, que toda pessoa tem o direito, exercido mediante ação individual ou coletiva, de apresentar ao governo petições para a compensação de faltas ou por qualquer outro assunto de interesse público ou privado. Claro está que, desde a discussão da Comissão Jurídica, o direito de que aqui se trata é evidentemente mais amplo que o direito de acudir aos tribunais do artigo XVIII. Enquanto este se orienta para a reparação dos direitos jurídicos por parte das autoridades judiciárias, o artigo XXIV destina-se a questionar o público de maneira mais geral, no sentido de estimular o debate público sobre um tema ou estabelecer a responsabilidade de funcionários públicos mediante punição pública por suas ações ou omissões, ou de chamar a atenção das autoridades para o tema. "Pedir" a uma autoridade competente, desse ponto de vista, por conseguinte, pode ser qualquer coisa, desde solicitar pelos meios de comunicação ou escrever uma carta a um funcionário eleito ou designado, ou em nome de um grupo, para chamar a atenção sobre determinado assunto. Esse artigo seria satisfeito mediante a interposição de um recurso perante os tribunais.

 

113. Aplicação dos fatos do presente caso — O artigo XXIV não exige a criação de processos especiais para os estrangeiros fora do território dos Estados Unidos e, por conseguinte, não é relevante para o programa de interdição de haitianos. Os peticionários, neste caso, não somente durante o tempo de tramitação do processo perante a Comissão, mas desde o início do programa de interdição de haitianos em 1981 por parte dos Estados Unidos, exerceram, sem restrições, seu direito de petição com respeito ao programa. Os peticionários levaram o tema do programa de interdição de haitianos à atenção do público americano e dos funcionários dos Estados Unidos por todos os mecanismos disponíveis e perante as próprias autoridades competentes dos Estados Unidos. Utilizaram os meios de comunicação em todas as suas formas (imprensa, rádio e televisão); solicitaram a funcionários dos Estados Unidos, de todos os ramos do poder público — legislativo, executivo e judiciário — em todos os níveis do Governo, mediante correspondência por escrito, encontros pessoais, audiências públicas, iniciativas legislativas, impugnações jurídicas individuais e coletivas e, inclusive, chamaram a atenção internacional para o programa de interdição de haitianos.

 

114. O Governo dos Estados Unidos não impediu aos peticionários que realizassem nenhum de seus esforços. Os peticionários foram e continuam a ser recebidos e ouvidos por funcionários dos Estados Unidos em todos os foros mencionados. Sem dúvida alguma, os peticionários comprometeram o público americano e os funcionários dos Estados Unidos em permanente debate sobre a política de interdição de haitianos. É justo dizer que os peticionários influenciaram consideravelmente essa política ao longo dos anos. Outros grupos interessados desempenharam papel vital em concentrar a atenção nacional no tema que os preocupa e em representar os interesses de seu eleitorado. O fato de que os pontos de vista políticos dos peticionários não tenham sido assumidos em todos os aspectos pelo Governo dos Estados Unidos, ou por uma maioria do povo americano, não significa que seus direitos tenham sido violados e que seu direito de petição tenha sido vulnerado pelos Estados Unidos. Os Estados Unidos reconhecem o papel positivo que desempenharam os peticionários no debate sobre a política de interdição e sua evolução nesses quase quinze anos de existência. Os Estados Unidos esperam que os peticionários continuem advogando em nome de seu eleitorado nos anos vindouros, mesmo com as mudanças fundamentais ocorridas no Haiti. Os Estados Unidos acolhem com satisfação a discussão permanente.

 

115. Significado do artigo XXVII — Relacionado com o direito de asilo, o artigo primeiramente apareceu no texto do Grupo de Trabalho da Sexta Comissão e foi promovido pela Delegação da Bolívia. O texto do Grupo de Trabalho não continha a frase "de acordo com as leis de cada país", mas incluía outra que dizia "de acordo com os convênios internacionais". Esta última foi incluída na proposta apresentada à Sexta Comissão pela Delegação da Bolívia no documento CB-163/C. VI-9. O significado da inclusão da frase "de acordo com as leis de cada país" é explicitamente reconhecer e preservar a soberania estatal sobre as questões de imigração, inclusive em relação ao tema da admissão de refugiados. Como se deduz da negociação posterior da Convenção das Nações Unidas de 1951 Relativa ao Estatuto dos Refugiados, a ausência de uma obrigação de admitir os refugiados sugere a possibilidade de que um refugiado seja deixado num lugar de perseguição, uma vez que a maioria dos fluxos de refugiados são os que cruzam as fronteiras em busca de asilo em países vizinhos.

 

116. A frase "de acordo com os convênios internacionais", embora não seja clara nos registros da negociação, sugere a pouca disposição no contexto da Declaração Americana de assumir qualquer obrigação jurídica além das já existentes, ou seriam assumidas na esfera de negociações internacionais de natureza vinculatória. Embora a Convenção sobre Refugiados de 1951 seja posterior à Declaração Americana, já havia então longa tradição de convênios internacionais relativos a asilo na região da América Latina, a começar pelo Título II do Tratado de Direito Penal Internacional, Montevidéu, 1889, e inclusive a Convenção de Havana, que estabelece as normas a serem observadas para a concessão de asilo, de 20 de fevereiro de 1928 (132 LNTS 323), a Convenção de Montevidéu sobre Asilo Político, de 26 de dezembro de 1933 e o Tratado de Montevidéu sobre Asilo Político, de 4 de agosto de 1939. Esses convênios refletem o enfoque particular latino-americano do tema do asilo, centrado nas noções de asilo territorial e diplomático, e não foram adotados pelos Estados Unidos. Os Estados Unidos aderiram ao enfoque consagrado na Convenção sobre Refugiados de 1951. Uma vez que não é de todo claro que a tradição latino-americana do asilo requeira algo mais do que a prática dos Estados Unidos reflete, os Estados Unidos não são parte nas convenções latino-americanas sobre asilo e, por conseguinte, não se acham juridicamente a elas vinculados. Estas não proporcionam, conseqüentemente, diretrizes para este caso.

 

117. Na jurisprudência européia, anteriormente à adoção da Convenção sobre Refugiados de 1951, havia vários acordos internacionais sobre refugiados, nenhum dos quais exigia a admissão de um refugiado de fora do território, nem proibia a repatriação de um refugiado que ainda não tivesse chegado ao território nacional de um Estado, mas nenhum deles foi ratificado pelos Estados Unidos. Esses convênios não são relevantes numa discussão sobre o ponto a que se refere o artigo XXVII, porquanto não se aplicam aos fatos deste caso.

 

118. Também cumpre assinalar que o direito de obter asilo num território estrangeiro é um direito indeterminado, que não é específico de nenhum Estado em particular. Não cria a obrigação para nenhum Estado especificamente de oferecer asilo a uma pessoa que esteja à procura deste. A formulação reflete as noções históricas expressas por Atle Grahl-Madsen em seu trabalho sobre refugiados, segundo as quais o direito de asilo é um direito do indivíduo de impor-se contra seu Estado de origem, de modo que o Estado permita ao indivíduo abandoná-lo; e um direito do Estado que oferece o asilo de impor-se ao Estado de origem, exercendo desse modo o direito de conceder asilo a nacionais de outros países. Grahl-Madsen, El Estatuto de los Refugiados en el Derecho Internacional (A.W. Sijthoff-Leyden, 1966) (Ver, em especial, a discussão sobre o direito de asilo, Vol. II, páginas 3-193). Isto se pode entender mais facilmente no sentido do direito internacional tradicional de que uma pessoa é responsabilidade de um Estado e seu sujeito e, por conseguinte, consiste no direito do indivíduo (ou de outro Estado) de impor-se contra seu Estado de origem, o que deve ser protegido pelo direito aos direitos humanos. Esse ponto de vista sobre o significado do direito de asilo do artigo XXVII reflete-se na jurisdição da Comissão na resolução Nº 6/82, Caso 7898 (Cuba), de 8 de março de 1982, e na resolução 6/82, Caso 7602 (Cuba), também de 8 de março de 1982, as quais incluem conclusões da Comissão com respeito a violações do artigo XXVII nos casos de nacionais de Cuba que foram impedidos pelo Governo cubano de deixar o país.

 

119. Aplicação aos fatos do presente caso — O programa de interdição de haitianos dos Estados Unidos, em cada uma de suas formas, desde o início do processo, foi e continua a ser coerente com o direito de procurar e obter asilo em outros países consagrado no artigo XXVII da Declaração Americana. Como se esclareceu na exposição anterior sobre o significado do artigo XXVII, o direito de procurar e obter asilo, segundo a Declaração, deve ser implementado de acordo com as leis nacionais. Conforme se argumentou minuciosamente na exposição sobre o mérito apresentada pelos Estados Unidos em 4 de maio de 1994, as leis dos Estados Unidos sobre a questão do "direito de asilo" dos haitianos interditados no mar estão perfeitamente claras no programa de interdição de haitianos; os haitianos interditados no mar pelos Estados Unidos não estão autorizados a ingressar nos Estados Unidos ou a impedir sua repatriação, mesmo que sejam considerados refugiados segundo os parâmetros da Convenção sobre Refugiados de 1951 ou os parâmetros da lei dos Estados Unidos.

 

120. Os haitianos dentro dos Estados Unidos não foram e não serão enviados de regresso ao Haiti sem que lhes seja dada a oportunidade de apresentar às autoridades competentes solicitação de asilo que desejem formular e delas receber resposta. Qualquer ação dos Estados Unidos no sentido de oferecer aos haitianos interditados meios adicionais de obtenção de asilo — tais como o refúgio de segurança na baía de Guantámano, no navio da Marinha em águas territoriais da Jamaica e, inclusive, no próprio Haiti — foram e continuam a ser totalmente discricionárias, de acordo tanto com o direito internacional como com o direito interno dos Estados Unidos. Esses benefícios adicionais proporcionados aos haitianos objeto de interdição ao longo dos anos são unicamente isso — benefícios adicionais — e não a fonte de obrigações ou normas jurídicas vinculatórias.

 

121. A política dos Estados Unidos relacionada com a interdição e repatriação de nacionais do Haiti foi e continua a ser coerentes com os parâmetros de direitos humanos estabelecidos na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Protegeu a vida dos haitianos no mar, oferecendo tanto proteção temporária fora dos Estados Unidos como reassentamento permanente nos Estados Unidos a inumeráveis haitianos que necessitavam dessa proteção, e deu um enfoque humano ao manejo das tentativas de ingresso nos Estados Unidos em violação das leis de imigração dos Estados Unidos. Ademais, essa política permite aos Estados Unidos reter, nos ramos do poder público, a faculdade de implementar a política exterior, a qual finalmente restaurou a democracia e os direitos humanos no Haiti. Os Estados Unidos insistem em que a Comissão deve afirmar que as políticas de interdição e repatriação são aceitáveis e coerentes com os princípios humanitários expressos na Declaração.

 

RESPOSTA DOS PETICIONÁRIOS 12/ À SOLICITAÇÃO DA COMISSÃO

122. Significado do artigo I — O direito à "segurança" também se encontra na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no artigo 7.1: "Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais", na Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu artigo 3, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, artigo 9.1, e na Convenção Européia sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana encontrou uma violação da garantia de segurança do artigo I — "onde um Ministro do Interior envia uma mensagem a um homem cuja detenção tinha sido decretada, dizendo em nome da Guarda Nacional que, se não se deixa capturar, eles não poderão garantir-lhe a vida". Direito Internacional dos Direitos Humanos, 142, citando o Caso 2509 (Panamá) AR 1979/80, 63. O artigo I protege o direito "à vida, à liberdade e à segurança" de todas as pessoas. O direito "à vida" sugere o significado do direito a não pôr fim à vida de outra pessoa arbitrariamente. O direito "à liberdade" sugere a aplicação do direito de estar isento de detenção arbitrária. O direito "à segurança" sugere o significado de estar livre de detenção arbitrária e do perigo ou risco de dano ou menosprezo da pessoa.

 

123. Aplicação do artigo I — O Governo dos Estados Unidos insiste em que seu programa de interdição "salva vidas de haitianos no mar" e realmente é um programa de "resgate" humanitário. Nota do Governo dos Estados Unidos, de 4 de maio de 1994 (doravante "nota do Governo"), página 3. Os peticionários nunca objetaram os esforços que o Governo dos Estados Unidos possa envidar para salvar e resgatar as pessoas do mar. Essa petição impugna a política do Governo dos Estados Unidos de realizar interdições forçadas e devolver as pessoas a um país onde há violações generalizadas dos direitos humanos, sem oferecer-lhes entrevistas de asilo justas, plenas e não-discriminatórias, em cumprimento ao direito internacional.13/ Durante o período de tramitação do caso, só se ofereceu aos haitianos interceptados a oportunidade de entrevistas superficiais, ou não foram em absoluto entrevistados. A declaração de David I. afirma, em parte, que: "Nosso barco zarpou em 7 de fevereiro de 1989 com 179 pessoas a bordo. Sete horas depois, às 10h50, fomos interceptados pela Guarda Costeira norte-americana. Disseram eles que se não subíamos a bordo de sua embarcação, nos obrigariam a fazê-lo a força. Obrigaram-nos a subir a bordo de seu barco e incendiaram o nosso. A partir do momento em subimos a bordo de seu barco não nos fizeram pergunta alguma. Não havia ali nenhum inspetor de imigração que nos perguntasse algo. Fomos devolvidos a Port-au-Prince em 9 de fevereiro de 1989". Declaração de David I. Documento dos peticionários 5.1-3.

 

124. A declaração de Salomon P. afirma, em parte, o seguinte: "Fomos interceptados pela Guarda Costeira e devolvidos a Port-au-Prince em 2 de abril de 1989. Queimaram nosso barco. Disseram-nos que não chegaríamos a Miami. Enquanto estivemos a bordo, nos perguntaram por que saímos do Haiti. Tais perguntas foram formuladas ao grupo. Percebemos então que estávamos sendo conduzidos para Port-au-Prince. Queimaram nossas roupas, nossos sapatos. Algumas das pessoas regressaram descalças e Port-au-Prince. Eu fui um deles". Declaração de Salomón P. Documento dos peticionários 5. A Declaração de Guerresony D. afirma, na parte pertinente, que "A Guarda Costeira dos Estados Unidos interceptou a embarcação dois dias depois que partimos ... Sem que nos perguntassem nada, nos meteram num barco da Guarda Costeira americana. Nessa operação, houve pessoas que receberam golpes ... houve pessoas cujas roupas foram rasgadas porque resistiram. Eu não falei com ninguém ... norte-americano ou italiano ... que se aproximasse de mim para falar a bordo do barco da Guarda Costeira até que este aportou em Port-au-Prince em 9 de março de 1989". Declaração de Guerresony D., Documento dos peticionários 5.

 

125. A declaração de Monel A. afirma, na parte pertinente, que "Depois de três dias, a Guarda Costeira norte-americana nos interceptou. Afundaram nosso barco. Nos puseram no convés, dizendo que nos levariam a Miami. A bordo do barco, perguntaram-nos por que motivo havíamos partido. Essa pergunta foi feita ao grupo. Pensávamos que íamos para Miami, mas em 2 de abril nos encontramos num cais de Port-au-Prince em meio ao conflito armado entre os Leopardos e a Guarda Presidencial". Declaração de Monel A. Documento dos peticionários 5.14/

 

126. Dukens Luma, que testemunhou perante a Comissão em 26 de fevereiro de 1993, disse que "depois de haver sido interceptado a primeira vez, fomos recolhidos pela Guarda Costeira norte-americana e submetidos a breve interrogatório. A entrevista foi demais. Eu estava fraco e não me sentia bem. Sentia intensa dor numa das pernas. Nem o entrevistador norte-americano nem o intérprete haitiano se identificaram perante mim. Eu estava com medo deles, pois não sabia quem eram ... Quando me perguntaram por que havia saído do Haiti, disse-lhes que havia saído por problemas políticos. Falei-lhes dos perigos que ali havia para as pessoas como eu, e de como quebrara a perna fugindo dos militares. Queria falar-lhes mais do Mouvement Peyizan Papaye (MPP) e de outras atividades políticas que me causaram problemas com o governo militar, mas foi interrompido. A entrevista durou somente três minutos em total".

 

127. Apesar das promessas feitas pelo governo haitiano (em intercâmbio de notas diplomáticas) de que as pessoas devolvidas não seriam castigadas por deixar o Haiti, os boat people involuntariamente interceptados e devolvidos pelo Governo dos Estados Unidos foram rotineiramente detidos uma vez que chegavam ao Haiti. Nos dias 7, 8 e 13 de maio de 1990, 43 (quarenta e três) haitianos devolvidos, inclusive alguns dos que foram detidos no Centro de Detenção de Krome do SNI de Miami, Flórida, foram imediatamente detidos e enviados à Penitenciária Nacional pelas autoridades militares do Haiti logo que chegaram a Port-au-Prince. Em 5 de junho de 1990, outro grupo de 31 (trinta e um) haitianos deportados de Krome foi detido logo que chegou ao Haiti; essas pessoas declararam haver sido avisadas de que, dali em diante, seu paradeiro seria monitorado bem de perto pelo Governo.15/

 

128. O Governo dos Estados Unidos negou aos haitianos seu direito à "segurança" segundo o artigo I da Declaração Americana. Primeiro, o programa de interdição do Governo dos Estados Unidos não tem amparo legal para deter os haitianos em águas internacionais, destruir suas embarcações e forçar seu regresso a uma situação perigosa no Haiti, sem entrevistas para determinar sua condição de refugiados. O direito internacional não consagra o refoulement, o proíbe. Ver discussão sobre o non-refoulement, previsto no artigo XXVII. Segundo, o Governo dos Estados Unidos não seguiu os procedimentos estabelecidos pela lei. Tanto antes como depois da emissão da Ordem Kennebunkport de 1992, o Governo dos Estados Unidos deixou de oferecer entrevistas adequadas a fim de determinar se a repatriação conduziria a uma devolução forçada (a um refoulement). Muitos dos haitianos interditados não foram interrogados em absoluto sobre suas solicitações de asilo. Outros foram interrogados em grupos. Outros, como Dukens Luma, foram entrevistados durante poucos minutos, mas suas entrevistas terminavam quando começavam a falar de seus motivos para solicitar asilo.

 

129. Significado do artigo II, o direito à igualdade perante a lei — Este direito foi definido como "o direito de todas as pessoas a igual proteção da lei sem discriminação". Bjorn Stomorken e Leo Zwaak, Terminología de Derechos Humanos en el Derecho Internacional: Um Thesaurus (Dordrecht, Países Baixos; Publicaciones Martinus Nihoff, 1988). Esse direito está previsto no artigo 24 da Convenção Americana: "Todas as pessoas são iguais perante a lei". Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, "a igual proteção da lei". Encontra-se linguagem similar no artigo 7 da Declaração Universal: "Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação alguma a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação violatória desta Declaração e contra qualquer incitação a essa discriminação"16./

 

130. O direito à igualdade perante a lei não significa que as disposições jurídicas devam ser as mesmas para todas as pessoas, mas que a aplicação deve ser igual, sem discriminação. Isso demonstra nos trabalhos preparatórios do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. "A disposição tinha por objetivo assegurar a eqüidade, não a identidade, de tratamento e não impede as diferenças razoáveis entre indivíduos ou grupos de indivíduos". Nota do texto do projeto de Pacto Internacional sobre Direitos Humanos, 10 UN, GOAR, Anexos (tema 28 da agenda, item II) 1, 61, UN. Doc.A/292 (1955).

 

131. Aplicação do artigo II — O Governo dos Estados Unidos negou aos refugiados haitianos seus direitos consagrados no artigo II da Declaração Americana. O Governo dos Estados Unidos dispensou aos refugiados haitianos tratamento desigual comparativamente a outros grupos de refugiados em circunstâncias análogas. Na lei de refugiados de 1980, os Estados Unidos reformaram a Lei de Imigração e Nacionalidade (INA), entre outras mudanças, revogando as limitações geográficas e ideológicas que favoreceram no passado os refugiados que fugiam do comunismo ou de outros países no Oriente Médio e redefiniram "refugiado" a fim de adaptá-lo às definições utilizadas na Convenção das Nações Unidas de 1951 e no Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados. Vialet, J., Breve historia de la Política de Inmigración de los Estados Unidos, especialista da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos; documento Nº 88-713 EPW, de 25 de novembro de 1988, impresso pela Comissão Jurídica da Câmara de Representantes, 8ª edição (abril de 1989); Serviço de Publicações do Governo, Washington, D.C., 1989, página 425.

 

132. A Comissão de Advogados dos Direitos Humanos, sediada nos Estados Unidos, informou em 1990 que o programa de interdição é parte de um padrão de discriminação praticado contra os haitianos pelo Governo dos Estados Unidos desde fins da década de 70. Mediante investigação inadequada e detenção arbitrária, o Governo tem reiteradamente demonstrado sua predisposição com os haitianos. Lawyers Committee for Human Rights, Refoulement de refugiados: o retorno forçado de haitianos segundo o Acordo de Interdição EUA-Haiti (março de 1990).

 

133. Embora o Haiti seja um território saturado de violência política, o Governo dos Estados Unidos estabeleceu que somente 6 (seis) de cada 21 000 fugitivos haitianos (boat people) não fossem devolvidos a força ao Haiti e que a eles fosse permitido solicitar asilo político nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o Governo dos Estados Unidos considerou que mais de 50% de todos os nicaragüenses tinham motivo legítimo para solicitar asilo político. O Governo dos Estados Unidos também considerou que a grande maioria dos que procuravam asilo, provenientes dos países comunistas, também tinham reclamação política de asilo.

134. Num caso da jurisdição interna chamado Molaire versus Smith, 743 F. Supp. 839 (S.D. Fla. 1990), a Corte manifestou que o INS "se havia ocupado rotineiramente em dissimular táticas para o manejo dos haitianos à procura de asilo nos Estados Unidos e os havia individualizado a fim de dar-lhes tratamento discriminatório especial. Repetidamente, a Corte e outros tribunais federais concluíram que o INS está comprometido em práticas e políticas ilegais com respeito aos haitianos ...". Abstractos de Diez Casos, 6 Inte. J of Refugee L. 110, 115 (1994).

 

135. Em novembro, dezembro e janeiro de 1991-1992, o Serviço de Imigração e Naturalização calculou que 15.081 haitianos foram objeto de interdição.17/ Dos 10.459 supostamente entrevistados, 9.058 (87,6%) foram considerados deportáveis imediatamente. Somente 1.401 (13,4%) foram "filtrados", ou seja, considerados pelos funcionários investigadores como suscetíveis de terem reclamação plausível de asilo. Dos haitianos aos quais se permitiu apresentar pedidos de asilo, historicamente só se concede efetivamente asilo a 1,8%. Ver Refugee Reports, Vol. XII, Nº 12, 30 de dezembro de 1991, página 12. Essas cifras parecem escandalosamente baixas para os grupos internacionais de direitos humanos, que declararam haver mais de 1.500 mortes, 300 detenções e a perseguição maciça do movimento pró-Aristide, que obrigou que mais de 200.000 pessoas se escondessem. Ver Anistia Internacional, Haiti, a tragédia dos direitos humanos: as violações dos direitos humanos desde o golpe. Janeiro de 1992, páginas 5 e 6. Os grupos de direitos humanos calculam que o número de haitianos com solicitações viáveis de asilo eram aproximadamente 60% a 70% dos haitianos interditados. Ver Comissão de Advogados de São Francisco para Assuntos Urbanos. Refugiados Haitianos: fatos atuais e leis vigentes, 3 de fevereiro de 1992, n.1. Não há diferenciação alguma razoável entre os refugiados haitianos e os refugiados de outro país. Entretanto, o Governo dos Estados Unidos rotineiramente discrimina os haitianos interditados ao passo que acolhe os refugiados de outros países, inclusive dezenas de milhares de cubanos.

 

136. Significado e aplicação do artigo XVII — Este importante direito refere-se ao reconhecimento da personalidade jurídica das pessoas. Ao discutir a Convenção Americana, o então Vice-Presidente da Comissão Interamericana, Marco Gerardo Monroy Cabra, escreveu que a personalidade jurídica abrange o direito ao reconhecimento civil e à capacidade jurídica. Os direitos e deveres estabelecidos pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos. 30 Am., ULR 21. 25 (1981). A Declaração Americana, diferentemente de outros instrumentos internacionais, inclui especificamente o direito de "gozar dos direitos civis básicos". Ao rejeitar sumariamente as solicitações de asilo, os Estados Unidos estão ignorando os "direitos civis básicos" dos refugiados no mar, que têm o direito de "ser reconhecidos em qualquer parte como sujeitos de direito". O Governo dos Estados Unidos negou os direitos dos refugiados haitianos previstos no artigo XVII da Declaração Americana. O Governo dos Estados Unidos deixou de reconhecer que as leis se aplicam inclusive aos haitianos que fogem da perseguição. O Governo dos Estados Unidos negou que os haitianos ainda possuam os direitos internacionalmente reconhecidos que desejam exercer, além do direito à vida. Esses refugiados também desejam exercer seu direito de petição e receber asilo, seu direito de não serem devolvidos a força, seu direito de igualdade perante a lei e seu direito a devido processo. O Governo dos Estados Unidos nega a personalidade jurídica dos refugiados haitianos ao negar-lhes significativa oportunidade de exercer seus direitos.

 

137. Significado e aplicação do artigo XVIII — Este direito está previsto na Convenção Americana, artigo 8.1 e no artigo 14 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. O Governo dos Estados Unidos negou aos refugiados haitianos seus direitos segundo o artigo XVIII da Declaração Americana. Embora o artigo XVII estabeleça que "Toda pessoa pode acudir aos tribunais para fazer valer seus direitos", o Governo dos Estados Unidos não ofereceu aos haitianos interditados acesso aos tribunais a fim de assegurar o respeito de seus direitos jurídicos. Tampouco lhes proporcionou "processo simples e breve mediante o qual a justiça o ampare contra atos da autoridade que violem, em seu prejuízo, algum dos direitos fundamentais ...". Pelo contrário, o Governo dos Estados Unidos convenceu a Corte Suprema de que os tribunais dos Estados Unidos não têm autoridade para estender a proteção aos haitianos interditados.

 

138. Significado e aplicação do artigo XXIV — A Declaração Americana proclama que "Toda pessoa tem direito a apresentar petições respeitosas a qualquer autoridade competente, por motivo seja de interesse geral, seja de interesse particular, e a obter pronta resolução". A Comissão solicitou aos peticionários que interpretaram a frase "apresentar petições ... a qualquer autoridade competente", para distingui-la do direito de acudir aos tribunais previsto no artigo XVIII. Esse direito é único na Declaração Americana. Nos outros instrumentos internacionais há um direito de petição perante os órgãos supranacionais de direitos humanos. Neste caso, os fugitivos (boat people) haitianos têm o direito de petição perante "as autoridades competentes", o Governo dos Estados Unidos, por intermédio do Serviço de Imigração e Naturalização, e de que suas petições sejam consideradas e solucionadas. O direito de acudir aos tribunais previsto no artigo XVIII da Declaração Americana difere do direito de apresentar petições a qualquer autoridade competente segundo o artigo XXIV, entendendo-se que as autoridades competentes incluem os órgãos do Governo dos Estados Unidos e as organizações intergovernamentais.

 

139. O Governo dos Estados Unidos negou claramente aos refugiados haitianos seu direito previsto no artigo XXIV de apresentar "petições a qualquer autoridade competente" e seu "direito a obter pronta resolução". Não se discute que os boat people haitianos interditados desejavam apresentar petições ao Governo dos Estados Unidos para a obtenção de seu reconhecimento como refugiados, mas o Governo dos Estados Unidos lhes negou o direito de petição de repatriá-los de maneira forçada. Isso é verdade tanto na política anterior à ordem Kennenbunkport (antes de 24 de maio de 1992) de repatriação forçada sem entrevistas ou com entrevistas superficiais ou em grupo, como na política posterior a Kennebunkport (depois de 24 de maio de 1992) de repatriação forçada sem oportunidade de solicitação perante as autoridades competentes do Governo dos Estados Unidos.

 

140. Significado e aplicação do artigo XXVII, o direito de procurar e receber asilo 18/ — Convênios internacionais — A Comissão especificamente solicitou argumentação quanto ao significado da frase "de acordo com a legislação de cada país e com os convênios internacionais". Em síntese, essa linguagem significa que os haitianos objeto de interdição e detenção por parte do Governo dos Estados Unidos têm o direito de "procurar" e "receber" asilo de maneira coerente com os tratados internacionais e "as leis" dos Estados Unidos. Em seu Preâmbulo, a Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados assegura aos refugiados o exercício mais amplo possível de seus direitos e liberdades fundamentais, e a não-devolução (non-refoulement) forçada constitui o mais fundamental desses direitos. Clínica Lowenstein Internacional de Direitos Humanos, Os estrangeiros e o dever de não-devolução: Centro de Conselhos Haitianos verses McNary, 6 Harv. H.R. J.1, 14 (1993). A não-devolução é "um dos poucos direitos considerados não-derrogáveis e nenhum Estado pode formular reservas a esse respeito ao aderir à Convenção e ao Protocolo". Idem. O artigo 33.1 da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados proclama que "Nenhum Estado contratante poderá, por expulsão ou devolução, de modo algum pôr um refugiado nas fronteiras de territórios onde sua vida ou sua liberdade perigue por motivo de raça, religião, nacionalidade, filiação a determinado grupo social ou suas opiniões políticas".

 

141. O direito internacional proíbe a ação do Estado além das fronteiras de um Estado que viola outros direitos considerados fundamentais. A Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas estabeleceu que um Estado parte pode ser considerado responsável segundo o acordo 2.1 do Pacto Internacional de direitos Civis e Políticos de 1966 por violação dos direitos reconhecidos no Pacto cometida por seus agentes em território de outro Estado, com ou sem a aquiescência do Governo desse Estado. A Comissão determinou que a qualificação "sujeito a sua jurisdição" constante do artigo 29.1 do Pacto não se refere ao lugar em que ocorre a violação mas à relação entre o indivíduo e o Estado envolvido. A Comissão Européia de Direitos Humanos concluiu que as obrigações do Estado previstas na Convenção Européia sobre Direitos Humanos estende-se a "todas as pessoas sob sua autoridade e responsabilidade atual, se essa autoridade é exercida dentro de seu próprio território ou fora dele". P. Sieguart, O direito internacional dos direitos humanos, 58 (1983).

 

142. Goodwin-Gill, destacado especialista em direito internacional dos refugiados, escreveu que "existe autoridade substancial, se não concludente, quanto a que a não-devolução (non-refoulement) é vincvlatória para todos os Estados, independentemente de seu assentimento específico". Idem, página 97. Não se encontra oposição formal ou informal ao princípio da não-devolução. As resoluções da Assembléia Geral relativas à não-devolução foram adotadas por consenso.

 

143. Obrigações processuais relativas ao direito de asilo — De acordo com a Convenção de Genebra, o direito de procurar asilo constitui, pelo menos, o direito de apresentar uma petição. Richard Plender, A situação atual da Pesquisa que realiza a seção de língua inglesa do Centro de Estudos e Pesquisas em matéria de direito internacional e relações internacionais: O direito de asilo, página 82 (1980). Plender diz o seguinte: o direito de apresentar uma petição tem um conteúdo prática mínimo se os Estados se encontram plenamente em liberdade de determinar, em seu juízo absoluto, como devem precaver-se ao asseverarem que o direito internacional impõe limitações à liberdade dos Estados de escolher o procedimento adequado para a determinação das solicitações, de acordo com suas próprias condições e seus próprios sistemas jurídicos; mas é possível identificar algumas restrições mínimas à liberdade de que gozam os Estados nessa matéria ... Plender identifica uma obrigação de estabelecer um procedimento de decisão. Idem. Esse procedimento deve "assegurar a aplicação eqüitativa e imparcial dos princípios (relativos à determinação do Estatuto de Refugiado) ..., deve-se criar um sistema especial de funcionamento semi-judicial, com constituição, procedimentos e termos de referência adequados". Idem, página 83.

 

144. O processo deve incluir "entrevistas pessoais dos solicitantes realizadas por funcionários" que avaliem a credibilidade das pessoas que reclamam a condição de refugiado. Idem, página 84. A segunda obrigação é a seguinte: "os funcionários de fronteiras aos quais se dirige uma solicitação de reconhecimento da condição de refugiado devem respeitar o princípio do non-refoulement e encaminhar a solicitação a uma autoridade superior... Os funcionários normalmente envolvidos com as tarefas dos portos de entrada, não devem decidir, ademais, das solicitações de refúgio. As solicitações devem ser enviadas a uma autoridade superior". Idem. Plender também identifica uma obrigação de permitir uma apelação. Aos solicitantes que um Estado tenha inicialmente rejeitado "é necessário conceder tempo razoável para que solicitem a reconsideração formal da decisão, perante a mesma autoridade, ou perante outra, seja administrativa seja judiciária...". Idem, página 87. Guy E. Goodwin-Gill escreve o seguinte: "requer-se (aos Estados) ... que tratem o refugiado de acordo com padrões que permitam solução apropriada, seja repatriação voluntária, seja integração local ou reassentamento em outro país". Refugiados no Direito Internacional, páginas 122-123.

 

145. Leis dos Estados Unidos — Na Lei sobre Refugiados de 1980, os Estados Unidos modificaram a Lei de Imigração e Nacionalidade e, entre outros aspectos, redefiniram "refugiado" a fim de ajustar o sentido às definições utilizadas na Convenção das Nações Unidas de 1951 e no Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados, de 1967. De acordo com a Lei dos Estados Unidos de 1980 (e as Convenções de Refugiados) os Governos podem considerar se um indivíduo tem um "temor fundado de perseguição por motivo de raça, religião, nacionalidade, filiação a grupo social ou opinião política". Seção 101(a) (42) (A) da Lei de Imigração e Nacionalidade. Se a pessoa é considerada um "refugiado", cuja "vida ou liberdade poderia estar ameaçada em seu país por motivo de raça, religião, nacionalidade, filiação a grupo social ou opinião política", as leis internas estabelecem que o Governo dos Estados Unidos "não deportará ou devolverá" o refugiado ao país em que enfrenta perseguição.

 

146. Até há pouco, o Governo dos Estados Unidos apoiou decididamente o princípio do não-refoulement. Estrangeiros e o dever de non-refoulement, página 15. Entretanto, apesar do antigo compromisso do Governo dos Estados Unidos de non-refoulement, este justificou seu programa de interdição de haitianos com base em que a proteção do artigo 33 não é extensiva aos refugiados localizados fora dos Estados Unidos. Mesmo que seja verdade, como o decidiu a Corte Suprema dos Estados Unidos, que o Presidente possui inerente autoridade constitucional para devolver qualquer estrangeiro das entradas dos Estados Unidos, esse poder não autoriza a interdição e devolução sumárias de refugiados que estão longe dos Estados Unidos e que não necessariamente para ali se dirigem. O programa de interdição do Governo dos Estados Unidos teve o efeito de proibir aos haitianos o ingresso nas Bahamas, Jamaica, Cuba, México, Ilhas Caimã ou qualquer outro lugar em que eles pudessem procurar refúgio seguro. Nunca se estabeleceu quantos haitianos interditados se dirigiam aos Estados Unidos. O próprio Escritório de Assessoria Jurídica do Departamento de Justiça afirmou em 1981 que a experiência sugere que "somente dois terços das embarcações (haitianas) se dirigem aos Estados Unidos". Proposta de interdição de embarcações com bandeira haitiana, 5 Op. Escritório de Assessoria Jurídica, páginas 242-243 (1981).

 

147. Os peticionários já apresentaram uma cópia de Sale versus Conselho de centros Haitianos, em que a Corte Suprema de Justiça dos Estados Unidos defende a posição do Governo dos Estados Unidos, desse modo faltando com a defesa do princípio do non-refoulement e conferindo-lhe "autoridade interna" na decisão de violar o direito internacional. Na ausência de qualquer recursos interno, a responsabilidade dos Estados Unidos está fora de questão. Conforme escreve Guy S. Goodwin-Gill: "não somente a Corte Suprema de Justiça dos Estados Unidos é responsável pela violação do direito internacional, mas o Sistema de Administração como um todo, a começar pelos atos executivos do Presidente, que produziram resultado contrário ao princípio do non-refoulement. A garantia de non-refoulement é uma proteção fundamental e específica para os refugiados, independentemente da possibilidade de admissão ou a concessão de asilo". Guy S. Goodwin-Gill, O caso haitiano de refoulement: Um comentário, 6 Int. J. Refugiados L., páginas 103, 109 (1994).

 

 

VI. QUESTÃO

 

148. A questão debatida neste caso consiste em determinar se o Governo dos Estados Unidos violou os artigos da Declaração Americana de Direitos Humanos, conforme insistem os peticionários.

 

 

VII. ANÁLISE DA COMISSÃO

 

149. Os peticionários insistem em que o Governo dos Estados Unidos violou vários instrumentos internacionais sobre direitos humanos. O principal deles é a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.18/ Os Estados Unidos não são signatários da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mas não a ratificaram.

 

150. Os artigos da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem supostamente violados são os seguintes:

 

a) O artigo I, que dispõe: "Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa".

b) O artigo II, que dispõe: "Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os direitos e deveres consagrados nesta declaração, sem distinção de raça, língua, crença, ou qualquer outra".

c) O artigo XVII, que dispõe: "Toda pessoa tem direito a ser reconhecida, seja onde for, como pessoa com direitos e obrigações, e a gozar dos direitos civis fundamentais".

d) O artigo XVIII, que dispõe: "Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve poder contar, outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justiça a proteja contra atos de autoridade que violem, em seu prejuízo, qualquer dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente".

e) O artigo XXIV, que dispõe: "Toda pessoa tem o direito de apresentar petições respeitosas a qualquer autoridade competente, quer por motivo de interesse geral, quer de interesse particular, assim como o de obter uma solução rápida".

f) O artigo XXVII, que dispõe: "Toda pessoa tem o direito de procurar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição que não seja motivada por delitos de direito comum, e de acordo com a legislação de cada país e com os convênios internacionais".

151. É conveniente começar com uma análise do artigo XXVII da Declaração Americana, que se intitula "Direito de asilo". O artigo expressa dois critérios que são de ordem acumulativa e ambos devem ser satisfeitos para que exista o direito. O primeiro é que o direito de procurar e receber asilo em território estrangeiro deve estar "... de acordo com a legislação de cada país ...", ou seja, do país em que se procura asilo. O segundo é que o direito de procurar asilo em território estrangeiro deve estar "... de acordo com os convênios internacionais".

 

152. O trabalho preparatório mostra que o primeiro projeto do artigo não incluía a frase "de acordo com a legislação de cada país". Essa frase foi incorporada no sexto período de sessões do Sexto Comitê da Comissão Jurídica Interamericana por ocasião da Nona Conferência Internacional dos Estados Americanos, realizada em Bogotá em 1948 e sobre a qual se deliberou no sétimo período de sessões do Sexto Comitê, a fim de proteger a soberania dos Estados em matéria de asilo.

 

153. A natureza acumulativa dos dois critérios expressados no artigo XXVII decorre de que, se um direito é estabelecido na legislação internacional, mas não constituído na legislação nacional, não é um direito reconhecido pelo artigo XXVII da Declaração.

 

154. A Comissão observa que o artigo 22.7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, aprovada 21 anos depois de Declaração Americana, tem redação similar à do artigo XXVII desta última, e diz: "Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos e de acordo com a legislação de cada Estado e os convênios internacionais".

 

155. A Comissão passará a referir-se ao aspecto da aplicação dos dois critérios e encarará, em primeiro lugar, o que se refere a "os convênios internacionais". Os convênios internacionais pertinentes são a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 sobre a situação dos refugiados dos quais os Estados Unidos são parte. Definem-se na Convenção certos critérios para classificar uma pessoa de "refugiado". A Comissão crê que a legislação internacional evoluiu a um nível em que se reconhece o direito de audiência de uma pessoa que procura refúgio a fim de determinar se cumpre o previsto na Convenção.

 

156. Uma disposição importante da Convenção de 1951 está consagrada no artigo 33(1) que diz: "Nenhum Estado Contratante poderá expulsar nem devolver ("refouler") de maneira alguma um refugiado para um território dentro de cujas fronteira sua vida ou liberdade possam correr perigo por motivo de raça, religião, nacionalidade, filiação a determinado grupo social ou opinião política". A Corte Suprema dos Estados Unidos, no caso Sale, Diretor Interino do Serviço de Imigração e Naturalização, Et.A. versus Haitian Centers Council, INC., Et.Al., Nº 92-344, de que se emitiu parecer em 21 de junho de 1993, interpretou que esta disposição não procede quando se trata de uma pessoa que é devolvida de alto mar para o território do qual fugiu. A Corte Suprema insistiu, especificamente, em que o princípio da não-rejeição consignado no artigo 33 não se aplica ao caso dos haitianos, que foram interceptados em alto mar e não no território dos Estados Unidos.

 

157. A Comissão não concorda com esse parecer e endossa a opinião do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, expressa na alegação amicus curiae apresentada à Corte Suprema de que o artigo 33 não reconhece limitações geográficas.

 

158. Entretanto, o parecer da Comissão de que o Governo dos Estados Unidos violou suas obrigações contratuais segundo o artigo 33, não dá solução à questão de se contraveio o artigo XXVII da Declaração Americana porque o efeito acumulativo dos dois critérios constantes deste último estabelece que, para que haja o direito a procurar e receber asilo em território estrangeiro, deve estar de acordo não só com os convênios internacionais mas também com a legislação do país em que se procura asilo.

 

159. Após várias audiências judiciais relacionadas com os haitianos que fugiram do país em frágeis embarcações, a Corte Suprema finalmente se pronunciou, no caso Sale, Diretor Interino do Serviço de Imigração e Naturalização, Et.A. versus Haitian Centers Council, INC.. Et. Al., Nº 92-344, cuja sentença foi proferida em 21 de junho de 1993, em relação à legislação interna dos Estados Unidos. O Governo dos Estados Unidos, ao responder em 19 de janeiro de 1995 à pergunta específica da Comissão sobre o significado da frase "de acordo com a legislação de cada Estado", manifestou que "conforme se indica sem reservas na exposição de méritos apresentada pelos Estados Unidos em 4 de maio de 1994, a legislação dos Estados Unidos é perfeitamente transparente no que se refere ao _direito de asilo_ dos haitianos: os haitianos interceptados pelos Estados Unidos em alto mar não têm o direito de ingressar nos Estados Unidos ou de evitar sua repatriação, embora sejam refugiados segundo as disposições da Convenção de 1951 sobre refugiados e da legislação dos Estados Unidos". Essa declaração se baseia na decisão da Corte Suprema no caso Sale. Entretanto, de acordo com leis nacionais dos Estados Unidos, os haitianos e outros refugiados que consigam chegar às costas do referido país têm o direito de "procurar" asilo de acordo com a lei dos Estados Unidos, embora não haja uma concessão obrigatória de "asilo". Asilo só é concedido aos refugiados que cumpram os critérios de "refugiado" de acordo com as leis nacionais dos Estados Unidos e suas obrigações internacionais.

 

160. A Comissão tomou nota de que antes e depois da decisão da Corte Suprema, os Estados Unidos admitiram e reconheceram o direito dos refugiados haitianos de procurar e obter asilo no referido país.19/ Isso se revela no argumento dos Estados Unidos, à página 2 do documento apresentado em 19 de janeiro de 1995, que afirma o seguinte:

 

Em 8 de maio de 1994, o Presidente Clinton anunciou sua decisão de acabar com a política de repatriação direta, sem a oportunidade de apresentar solicitação de status de refugiado, dos haitianos interceptados no mar pela Guarda Costeira dos Estados Unidos, em virtude da deterioração da situação dos direitos humanos no Haiti. Os Estados Unidos assinaram vários convênios com diversas nações da região latino-americana para o procedimento de concessão do status de refugiado, em seu território ou suas águas territoriais, aos haitianos interceptados no mar. Em junho do corrente ano, com a ajuda do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, os estados Unidos começaram a tramitar os casos dos haitianos interceptados a bordo da embarcação patrulheira da Marinha norte-americana em águas territoriais da Jamaica, para a concessão do status de refugiado e a permissão de estabelecer-se nos Estados Unidos. O número de haitianos que fugiam de seu país logo excedeu a capacidade da patrulheira dos Estados Unidos de tramitar os casos e, em princípios do mês de julho, o Presidente Clinton anunciou a decisão de oferecer refúgio a todos os haitianos interceptados que desejassem proteção na Base Naval da baía de Guantánamo, Cuba, ou outras instalações seguras da Região. Com essa finalidade, os Estados Unidos assinaram convênios de zonas de segurança com vários países da Região.

161. Os peticionários, em sua resposta à Comissão, datada de 2 de fevereiro de 1995, manifestaram, no que se refere à pergunta da Comissão sobre o significado do artigo XXVII, que "Embora seja verdade, conforme pronunciamento da Corte Suprema dos Estados Unidos, que o Presidente tem a autoridade inerente que lhe outorga a Constituição de devolver estrangeiros dos pontos de entrada no país, essa autoridade não o faculta a interceptar e devolver sumariamente refugiados que estejam longe do território dos Estados Unidos e que não necessariamente se dirigem a esse país. O programa de interdição dos Estados Unidos teve o efeito de impedir que os haitianos ingressassem nas Bahamas, Jamaica, Cuba, México, Ilhas Caimã ou algum outro lugar em que poderiam haver procurado refúgio seguro. Nunca se precisou quantos dos haitianos interceptados em realidade se dirigiam aos Estados Unidos. O próprio Gabinete do Assessor Jurídico do Departamento de Justiça declarou que 'segundo indica a experiência' somente 'dois terços das embarcações (haitianas) se dirigiam aos Estados Unidos'. Proposta de intercepção de embarcações de bandeira haitiana, 5 Op. Of. 242, 243 do Assessor Jurídico (1981)".

 

162. Observa-se que o artigo XXVII prevê o direito de procurar e receber asilo em "território estrangeiro". O pronunciamento da Comissão de que o Governo dos Estados Unidos não contraveio o artigo XXVII limita-se ao fato de que o território estrangeiro era o território dos Estados Unidos. O Governo dos Estados Unidos não disputou ou impugnou a declaração dos peticionários. A Comissão tomou nota de que, após o golpe de estado que destituiu o Presidente Aristide em 30 de setembro de 1991 e durante o período de interceptação, os refugiados exerceram seu direito de procurar e receber asilo em outros territórios estrangeiros, como a República Dominicana, Jamaica, Bahamas, Cuba (que concedeu asilo a 3.851 haitianos durante 1992), Venezuela, Suriname, Honduras, Ilhas Turcos e Caicos e outros países latino-americanos.20/

 

163. A Comissão julga que os Estados Unidos interceptaram refugiados haitianos e os repatriaram sumariamente sem proceder a um exame adequado de sua situação, nem conceder-lhes entrevista para determinar se reuniam os requisitos de "refugiado". A Comissão também crê se satisfez a prova do critério duplo sobre o artigo XXVII (de acordo com a legislação de cada país e com os convênios internacionais) da Declaração Americana. Por conseguinte, a Comissão julga que os Estados Unidos violaram o artigo XXVII da Declaração Americana quando interceptaram e repatriaram sumariamente Jeannette Gedeon, Dukens Luma, Fito Jean e outros haitianos não identificados, bem como impediram que exercessem seu direito de procurar e receber asilo em território estrangeiro como prevê a Declaração Americana.

 

164. O artigo I da Declaração Americana dispõe que "Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa".21/ Os peticionários, ao interpretarem esse artigo no que se refere ao "direito à vida", citam numerosas ocasiões em que os haitianos repatriados foram vítimas de violência e, em especial, as declarações de haitianos em quatro entrevistas com funcionários das Nações Unidas na Base Naval dos Estados Unidos em Guantánamo, às quais se faz referência na parte I, parágrafos 9 e 10 deste relatório. Os funcionários alegaram que (parágrafo 10) "as entrevistas supostamente não deixam dúvida quanto a que os haitianos interditados que foram repatriados a força pelo Governo dos Estados Unidos foram submetidos a brutalidade pelo governo militar e o serão uma vez que regressem ao Haiti".

 

165. Os peticionários argumentaram, ademais, que as entrevistas indicavam que "Quando os haitianos interceptados foram repatriados havia soldados do Governo no cais; que se perguntou a eles seu nome e endereço depois de passarem pelo controle da Cruz Vermelha haitiana e que, mais tarde, muitos deles foram presos em seus domicílios. Outros, nunca chegaram a seus domicílios, e foram presos em barricadas levantadas no caminho. Foram encontrados os corpos de muitos deles, baleados, e outros ainda foram golpeados em público pelos militares, que obrigavam aos que acorriam ao lugar, ameaçando-os com a pistola, a identificar os repatriados. Alguns foram levados à Penitenciária Nacional, onde lhes foi negado alimento e onde foram submetidos a castigos diários; alguns morreram na prisão enquanto torturados. Houve pelo menos um guarda da prisão que disse aos detentos que estavam sendo torturados porque haviam fugido do país e que outros sofreriam o mesmo castigo. Alguns foram informados de que um juiz da localidade expedira ordens de prisão porque eles se tinham ido do Haiti e tinham criticado as forças militares".

 

166. A Comissão é de opinião que isso evidencia que os atos de violência descritos no parágrafo 4 foram cometidos pelos militares no Haiti ou a mando deles, depois que os Estados Unidos interceptaram e repatriaram os refugiados haitianos. A Comissão tomou nota do argumento dos peticionários de que em 6 de junho de 1984 uma embarcação que transportava de 70 a 89 haitianos naufragou enquanto era abordada pela Guarda Costeira. Seis corpos foram recuperados, inclusive o de um intérprete do INS e 23 foram dados por desaparecidos, supostamente afogados. Em 11 de novembro de 1988, duas pessoas morreram afogadas enquanto agentes da Guarda Costeira tentavam interceptar o Sea Eagle. A embarcação afundou depois de abordada por uma equipe de quatro homens, funcionários da Guarda Costeira e do INS. A política de tentar deter, abordar ou rebocar, em más condições, embarcações total ou excessivamente cheias em alto mar é, em si, uma operação de alto risco que não só coloca muitas pessoas em perigo mas tem produzido a perda de vidas humanas.

 

167. A Comissão tomou nota do argumento dos peticionários de que, expondo os refugiados haitianos a perigo de morte autêntico e previsível, a política de interceptação do Governo dos Estados Unidos claramente violou seu direito à vida, protegido pelo artigo I. A Comissão tomou nota também de jurisprudência internacional que prevê que se um Estado extradita uma pessoa no âmbito de sua jurisdição e se, por conseguinte, há um perigo real, segundo o Convênio, de que seus direitos venham a ser violados em outra jurisdição, o próprio Estado pode estar violando o Convênio./ Os Estados Unidos, nos documentos que apresentaram, afirmaram que a interceptação de barcos em que viajavam refugiados haitianos resgatou e salvou vidas, porque os barcos não eram navegáveis e, desde dezembro de 1982, cerca de 435 haitianos naufragaram rumo às costas dos Estados Unidos.22/

 

168. A Comissão tomou nota também de que, na resposta dos Estados Unidos, antes da decisão da Corte Suprema e de sua política de interceptação, os refugiados eram levados à Base Naval de Guantánamo. Posteriormente à decisão da Corte Suprema, os Estados Unidos procuraram a ajuda de outros países e "começaram a tramitar os casos de haitianos interceptados, a bordo da embarcação patrulheira da Guarda Costeira dos Estados Unidos em águas territoriais da Jamaica, para a concessão do status de refugiado e seu estabelecimento nos Estados Unidos e, posteriormente, levaram outros refugiados à Base Naval de Guantánamo ou a outras zonas de segurança na região".23/ A Comissão julga, por conseguinte, que os Estados Unidos violaram o direito à vida dos referidos refugiados haitianos, cujos nomes não se citam, mas que os peticionários identificam em seus documentos, que foram interceptados pelos Estados Unidos e repatriados e que, depois, perderam a vida após serem designados como "repatriados", segundo o artigo I da Declaração Americana.24/

 

169. No que se refere ao "direito à liberdade" segundo o disposto na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a Comissão opina que o ato de interceptar os haitianos em embarcações em alto mar constitui uma violação do direito à liberdade dos haitianos segundo o disposto no artigo I. Em vista disso, a Comissão considera que o Governo dos Estados Unidos contraveio o direito à liberdade de Jeannette Gedeon, Dukens Luma, Fito Jean, dos quatro haitianos que foram entrevistados na Base Naval dos Estados Unidos em Guantánamo e de muitos outros não identificados.

 

170. Os peticionários também alegaram que foi violado o artigo I da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que também se refere ao "direito à segurança da pessoa". O artigo I dispõe que "Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa". Esse direito é definido como "o gozo legal e ininterrupto da vida de uma pessoa, de suas extremidades, seu corpo, sua saúde e sua reputação".25/ A evidência das alegações dos peticionários demonstram que a segurança das pessoas dos haitianos identificados, e dos não-identificados, que foram repatriados contra sua vontade, foi violada ao regressarem ao país. Esse fato está claramente ilustrado pelas provas que se acham em poder da Comissão, apresentados pelos quatro haitianos entrevistados na Base Naval dos Estados Unidos em Guantánamo, e pelos testemunhos de Dukens Luma, Fito Jean e Pierre Esperance.

 

171. Por conseguinte, a Comissão julga que a ação do Governo dos Estados Unidos ao interceptar haitianos em alto mar, transbordá-los a embarcações de sua jurisdição e devolvê-los ao Haiti, expondo-os a atos de brutalidade em mãos dos militares haitianos e seus partidários, constitui uma violação do direito à segurança dos refugiados haitianos. Entretanto, com base no testemunho e nas provas apresentadas com respeito a Dukens Luma, Fito Jean e Pierre Esperance, e a quatro refugiados entrevistados pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados 25/ no sentido de que muitos dos repatriados foram detidos e encarcerados e foram submetidos a violência nas mãos das forças militares haitianas ao regressarem ao país, a Comissão limita a contravenção do "direito à segurança da pessoa" aos casos de Dukens Luma, dos quatro entrevistados em Guantánamo e de alguns haitianos não identificados. Os peticionários não provaram que se violou o "direito à segurança da pessoa" no caso de Jeannette Gedeon.

 

172. Com respeito ao artigo II, sobre o "direito de igualdade perante a lei", os peticionários argumentaram 26/ que o programa de interceptação violou claramente a legislação internacional e constituiu flagrante discriminação contra os cidadãos haitianos que representam pequena percentagem dos que procuram asilo nos Estados Unidos, mas que são o único grupo sujeito ao programa de interdição. Também discriminou ao impedir que os haitianos tivessem pelo menos oportunidade eqüitativa para apresentar sua reclamação de perseguição. Afirmaram que, em 28 de setembro de 1990, o jornal Miami Herald informou que o Governo dos Estados Unidos resgatara 16 cubanos das águas costeiras da Flórida e que "todos estavam em bom estado de saúde, que haviam sido levados aos Estados Unidos e entregues a funcionários do Serviço de Imigração e Naturalização". Incluía-se, ademais, uma lista com seus nomes. O relatório informou, por outro lado, que "um barco de pesca com 136 haitianos a bordo havia sido devolvido ao Haiti pela Guarda Costeira que o interceptou 500 milhas a sudeste de Miami ..."; que evidentemente o Governo dos Estados Unidos está aplicando uma prática de discriminação baseada em raça e lugar de origem.

 

173. Os peticionários argumentaram 27/ que o artigo II da Declaração Americana acima mencionado dispõe que "Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os direitos e deveres consagrados nesta declaração, sem distinção de raça, língua, crença, ou qualquer outra". Os peticionários também se referiram ao artigo 3 da Convenção das Nações Unidas sobre a Situação dos Refugiados.28/ O artigo 3 dispõe que "os Estados contratantes aplicarão as disposições desta Convenção a todos os refugiados sem distinção de raça, religião ou país de origem".

 

174. Ao examinarem os argumentos dos peticionários e do Governo dos Estados Unidos, ambas as partes, em resposta à pergunta formulada pela Comissão, reconhecem que "o direito de igualdade perante a lei" é um direito que vigora na aplicação sem distinção de um direito fundamental, mas não que os aspectos substantivos da lei sejam iguais para todos. Os peticionários argumentaram que "isto figura no trabalho preparatório da ICPR" e que "a disposição tinha por objetivo assegurar a igualdade, não a identidade, de tratamento e que não excluiria diferenciações razoáveis entre pessoas ou grupos de pessoas".29/

 

175. O Governo dos Estados Unidos argumentou que não discrimina os haitiano, que os tratou com mais deferência que a outros estrangeiros e que entre 1981 e 1991 mais de 185.000 regularizaram sua situação jurídica, com exceção do México, das Filipinas, da antiga União Soviética e do Vietnã. Por outro lado, os peticionários argumentam que de 21.000 haitianos que fugiram em embarcações, houve seis aos quais o Governo dos Estados Unidos não obrigou a voltar ao Haiti a força, e que se considerou que 50% dos nicaragüenses tinham direito a asilo político e que a grande maioria dos procedentes de países comunistas que procuravam asilo, inclusive Cuba, tinham o direito legítimo de solicitar asilo. Manifestaram que inclusive a tramitação interna do Governo dos Estados Unidos discriminou os haitianos.

 

176. Os peticionários basearam-se em grande medida no caso de Molaire versus Smith 743 F. Supp. 839 (S.D.Fla. 1990) no qual a Corte opinou que o Serviço de Imigração e Naturalização (INS) "habitualmente utilizava táticas disfarçadas quando se tratava de haitianos que procuravam asilo nos Estados Unidos e que os havia separado como grupo ao qual se daria tratamento discriminatório" e que, ademais, "tanto a Corte como outros tribunais federais chegaram à conclusão de que o INS utilizara práticas e políticas ilegais no tratamento dos haitianos ...". Abstractos de diez casos, 6 Int. J. of Refugee L. 110, 115 (1004). Apresenta-se essa evidência para fundamentar que o Governo dos Estados Unidos usou de discriminação no tratamento dos refugiados haitianos.

 

177. A Comissão opina que o Governo dos Estados Unidos violou o direito de igualdade perante a lei com respeito ao seguinte:

 

a) A interdição de haitianos em alto mar comparativamente aos nacionais de outros países, como é o caso dos cubanos que, em vez de serem interditados são acolhidos favoravelmente e trazidos aos Estados Unidos a bordo de embarcações da Guarda Costeira dos Estados Unidos.

 

b) Ao não conceder audiência aos haitianos interceptados em alto mar, para que pudessem reclamar a condição de refugiados; a distinção desfavorável em comparação com o tratamento dispensado a nacionais de outros países, como é o caso dos cubanos que procuram asilo e são interceptados em alto mar e trazidos aos Estados Unidos para que apresentem sua reclamação perante o Serviço de Imigração e Naturalização dos Estados Unidos.

 

178. A Comissão deseja assinalar que a contravenção do artigo II surge não somente da aplicação de um direito substantivo mas também da diferenciação injusta no que se refere ao tratamento de pessoas da mesma classe ou categoria. Por conseguinte, a opinião de que os haitianos não gozam de um direito substantivo de asilo de conformidade com o disposto no artigo XXVII, não exclui a opinião de que se contraveio o artigo II por motivo de diferenciação irracionável entre o tratamento dos haitianos e dos nacionais de outros países que procuram asilo nos Estados Unidos. A Comissão opina que o Governo dos Estados Unidos contraveio o "direito de igualdade perante a lei" consagrado no artigo II da Declaração Americana nas pessoas de Jeannette Gedeon, Dukens Luma, Fito Jean, e nas quatro pessoas entrevistadas em Guantánamo e de haitianos não identificados.

 

179. Com respeito à suposta violação do artigo XVII da Declaração Americana, a Comissão opina que não houve contravenção.

 

180. No que se refere ao artigo XVIII da Declaração Americana, a Comissão não endossa a opinião do Governo dos Estados Unidos de que esse direito limita-se às pessoas acusadas de delitos. A Comissão julga que vários dos peticionários (refugiados haitianos) que chegaram à costa dos Estados Unidos puderam recorrer aos tribunais dos Estados Unidos para reclamar seus direitos, como mostram os diferentes casos instruídos nos Estados Unidos que culminaram na decisão do caso Sale. No entanto, a Comissão crê que Jeannette Gedeon, Dukens Luma, Fito Jean e os cidadãos haitianos não identificados não puderam recorrer aos tribunais nos Estados Unidos para reclamar seus direitos porque foram sumariamente interceptados e repatriados sem que tivessem a oportunidade de exercer seus direitos. Por conseguinte, a Comissão julga que os Estados Unidos violaram o artigo XVIII da Declaração Americana em relação a Jeannette Gedeon, Dukens Luma, Fito Jean e os cidadãos haitianos não identificados que foram interceptados e sumariamente repatriados.

 

181. Com respeito ao artigo XXIV da Declaração Americana que, na opinião da Comissão, é de maior alcance do que o artigo XVIII, que se limita aos tribunais no que se refere aos direitos jurídicos, a Comissão, com base na evidência, considera que não houve contravenção.

 

182. Em 6 de novembro de 1996, a Comissão transmitiu ao Governo dos Estados Unidos uma cópia de sua decisão sobre a questão de fundo do caso. Em 3 de janeiro, os Estados Unidos responderam por carta, na qual declaram o seguinte:

 

Por longo tempo, os Estados Unidos têm sido um dos partidários mais fortes da Comissão. Também somos fortes partidários da democracia e dos direitos humanos no Haiti principais contribuintes das operações da ONU e da OEA no Haiti, que têm por finalidade promover a paz, a estabilidade e a proteção dos direitos humanos.

Neste caso, devemos muito respeitosamente manifestar nosso desacordo com as conclusões da Comissão. Não repetirei aqui a resposta dos Estados Unidos a cada um dos argumentos aduzidos neste caso. Nossos pontos de vista foram minuciosamente expostos em nossas extensas comunicações com a Comissão e, a nosso ver, demonstramos a razão pela qual as ações dos Estados Unidos não contravieram nenhuma das normas de direitos humanos consignadas na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Nossas comunicações demonstraram especialmente que não há fundamento para interpretar tais princípios dos direitos humanos de maneira que requeiram que os Estados Unidos admita em seu território haitianos que fogem. Essas normas tampouco excluem que os Estados Unidos possam repatriar os migrantes haitianos.

Meu Governo crê também que a análise da Comissão é juridicamente defeituosa. Por exemplo, é um erro defender que o Protocolo de 1967 da Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados se aplica aos migrantes haitianos interceptados em alto mar. Também foi um erro interpretar a obrigação de não-expulsão (non-refoulement) no sentido de que os interceptados em alto mar devem ter a mesma audiência sobre suas reclamações de asilo que se se encontrassem no território dos Estado interceptor e também defender que um grupo de supostos imigrantes tenha direito a receber o tratamento de maior preferência dispensado a outro grupo. Ademais, não há fundamento de direito para afirmar que os Estados Unidos são responsáveis dos atos e omissões de outro governo em relação aos cidadãos desse governo.

Os Estados Unidos assumiram e continuam a assumir profundo compromisso com a restauração da democracia no Haiti, a salvaguarda de vidas humanas e o tratamento justo de refugiados autênticos. Cremos que nossas ações foram conseqüentes com essas metas e não violaram obrigação alguma quanto aos direitos humanos. Seja como for, pelas razões expostas aqui e especificadas nas nossas comunicações anteriores à Comissão, não encontramos base alguma para concordar com a decisão da Comissão e, por conseguinte, não cumpriremos sua petição de pagamento de compensação.

ANTE O ACIMA EXPOSTO, A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS CONCLUI QUE:

183. Os Estados Unidos violaram o "direito à vida", de acordo com o artigo I da Declaração Americana, de refugiados haitianos cujos nomes não se citam, identificados pelos peticionários, que foram interceptados e repatriados pelos Estados Unidos.

 

184. Os Estados Unidos violaram o "direito à liberdade" consagrado no artigo I da Declaração Americana nas pessoas de Jeannette Gedeon, Dukens Luma, Fito Jean, dos quatro entrevistados em Guantánamo e dos haitianos não identificados que foram interceptados.

 

185. Os Estados Unidos violaram o "direito à segurança da pessoa" a que faz referência o artigo I da Declaração Americana nos casos de Dukens Luma, dos quatro entrevistados em Guantánamo e dos haitianos não identificados que foram interceptados.

 

186. Os Estados Unidos violaram o "direito de igualdade perante a lei" segundo o disposto no artigo II da Declaração Americana no que se refere a Jeannette Gedeon, Dukens Luma, Fito Jean, das quatro pessoas entrevistadas em Guantánamo e dos haitianos não identificados que foram interceptados.

 

187. Os Estados Unidos violaram o "direito de recorrer aos tribunais" para garantir o respeito aos direitos jurídicos de Jeannette Gedeon, Dukens Luma, Fito Jean, dos quatro entrevistados em Guantánamo e dos cidadãos haitianos cujos nomes não se citam, interceptados, de acordo com o artigo XVIII da Declaração Americana.

 

188. Os Estados Unidos violaram o direito a "procurar e receber asilo", de acordo com o artigo XXVII da Declaração Americana, em relação a Jeannette Gedeon, a Dukens Luma, a Fito Jean, aos quatro entrevistados em Guantánamo e aos cidadãos haitianos interceptados cujos nomes não se citam.

 

A COMISSÃO RECOMENDA QUE:

 

189. Os Estados Unidos paguem indenização apropriada às vítimas pelas violações acima citadas nos parágrafos 183-188 e informem as autoridades competentes sobre sua decisão.

 

190. De conformidade com o disposto no artigo 54.5 de seu Regulamento, este relatório seja publicado como parte do Relatório Anual à Assembléia Geral da OEA.

 

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8. Relatório Nº 28/93, exposições das partes, páginas 17 a 42.

9. Resume-se a seguir a réplica dos peticionários.

10. O Governo dos Estados Unidos apresentou minuciosa resposta de 27 páginas, da qual se apresenta aqui somente um resumo.

11. O Governo dos Estados Unidos manifesta que reviu os trabalhos preparatórios da Declaração. Toda a exposição sobre tais antecedentes históricos é aqui omitida.

12. Os peticionários enviaram um documento de 19 páginas. Apresenta-se neste relatório uma síntese do documento.

13. Os peticionários reiteraram os fatos das condições no Haiti durante o período de tramitação deste caso e as políticas de interdição dos Estados Unidos.

14. De acordo com as declarações juramentadas do caso do Centro Haitiano de Refugiados versus Baker, Nº 91-2635-CIV-Atkins (C.D.Florida.1991). Pessoal do Serviço de Imigração e Naturalização entrevistou haitianos interditados enquanto se encontravam doentes, exaustos e desnutridos; rotineiramente, as entrevistas duravam apenas alguns minutos, muitos dos quais se passavam enquanto se realizavam as traduções; os entrevistadores eram, às vezes, hostis, não se identificavam nem declaravam seu propósito e se recusavam a fazer considerações acerca de qualquer explicação sobre perseguição política; alguns entrevistadores disseram aos interditados que, independentemente do que dissessem, seriam devolvidos ao Haiti.

15. Haiti Insight, Vol. 3, Nº 4, junho de 1990, página 1. Ver também declaração de Jean L., incluída no testemunho de Jocelyn McCalla, Diretor Executivo da Coalizão Nacional para os Refugiados Haitianos, perante a Subcomissão sobre Imigração, Refugiados e Direito Internacional da Comissão Jurídica da Câmara. Documento dos peticionários 7, nota 10, página 105.

16. O artigo 26 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos consagra que "Todas as pessoas são iguais perante a lei. A esse respeito, a lei proibirá toda discriminação por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, propriedade, nascimento ou outra categoria".

17. Essas cifras foram obtidas numa entrevista telefônica com um funcionário do serviço de publicações do INS, em 5 de fevereiro de 1992.

18. Apresenta-se aqui um resumo dos argumentos dos peticionários.

19. Para os Estados membros da Organização, a Declaração é o texto que define os direitos humanos consagrados na Carta. Ademais, os artigos 1.2,b e 20 do Estatuto da Comissão definem a competência desse órgão com respeito aos direitos humanos enunciados na Declaração, com o resultado de que até esse ponto a Declaração é para tais Estados uma fonte de obrigações internacionais relacionadas com a Carta da Organização. "Interpretação da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem no contexto do artigo 64 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos". Parecer Consultivo da Corte Interamericana de Direitos Humanos, OC-10/89, 14 de julho de 1989, página 49, parágrafo 45.

Ver também "outros tratados" objeto da competência consultiva da Corte, artigo 64 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, OC-1/82, de 24 de setembro de 1982, página 55. A corte resolveu por unanimidade que sua competência consultiva pode ser, em geral, exercida com respeito a qualquer disposição que tenha a ver com a proteção dos direitos humanos, estabelecida em qualquer tratado internacional aplicável aos Estados americanos, independentemente de que seja bilateral ou multilateral, seja qual for o objetivo principal desse tratado, e de se os Estados membros ou não do Sistema Interamericano são ou têm o direito de ser partes.

20. Ver a Ordem Executiva 12.324 ... "nenhuma pessoa que seja um refugiado será repatriada sem seu consentimento ... o Promotor Público, após consulta com os Secretários de Estado e de Transporte, tomará as medidas apropriadas para assegurar a justa aplicação de nossas leis relativas à imigração e à estrita observância de nossas obrigações internacionais em relação com aqueles que verdadeiramente fogem da perseguição em seu país". A Ordem Executiva 12.807, expedida pelo Presidente Bush, afirmava em que "o Promotor Púlico tem discrição inapelável para decidir que uma pessoa refugiada não seja repatriada sem seu consentimento".

21. Atividades do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) financiadas com fundos voluntários: Relatório de 1991-92 e orçamento de 1993, Parte IV. As Américas: América do Norte, América Latina e Caribe, apresentado pelo Alto Comissariado, A/AC.96/793 (Parte IV); e Atividades do ACNUR financiadas mediante fundos voluntários: Relatório de 1992-93 e orçamento de 1994, Parte IV. Las Américas: América do Norte, América Latina e Caribe, apresentado pelo Alto Comissariado, A/AC.96/808 (Parte IV).

22. A Quinta Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América de 1787 dispõe que "Pessoa alguma...; pessoa alguma será colocada duas vezes, pelo mesmo delito, em situação que represente risco de perda da vida ou uma extremidade; nem será obrigada em juízo criminal a testemunhar contra si mesma, nem será privada da vida, da liberdade ou de sua propriedade, sem que se observe o devido processo legal".

23. Ver Soering versus Reino Unido, 161 Eur. Ct. H.R. (ser.A) (1989). O Tribunal Europeu interpretava o artigo 3 do Convênio Europeu para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, que dispunha o seguinte: "Ninguém será submetido a tortura ou a tratamento ou castigo desumano ou degradante". O Tribunal insistiu em que "as partes signatárias [não estão isentas] de responsabilidade segundo o artigo 3 no que se refere a todas as conseqüências previsíveis da extradição sofridas fora de sua jurisdição". Id., parágrafos 83, 86. Ver também N.g. versus Canadá, Comissão das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, 1994, em 203, onde a Comissão seguiu o arrazoado do caso Soering ao interpretar o artigo 7 do Convênio das Nações Unidas sobre Direitos Civis e Políticos. Em ambos os casos, procuravam a extradição os Estados peticionários em que os acusados estavam condenados a morte por assassinato. Em Soering, o Tribunal Europeu decidiu que o "fenômeno da condenação a morte" nos Estados Unidos violava o artigo 3 e, no caso N.g., a morte na câmara de gás violaria o artigo 7 do Convênio sobre direitos Políticos e Civis, que é semelhante ao artigo 3.

24. Resposta dos Estados Unidos, de 4 de maio de 1994.

25. Documento dos Estados Unidos, de 19 de janeiro de 1995, em 2.

26. Ver os documentos dos peticionários em que se identificaram repatriados mortos, bem como o testemunho de quatro haitianos interceptados e repatriados. As entrevistas foram feitas por funcionários das Nações Unidas.

27. Id. Black's Law Dictionary, 1523. Ver também 1 BI.Comm.129. Sanderson versus Hunt, 7 S.W. 179, 25 Ky.L.Rep. 626.

28. Ver capítulo IV, Trâmites perante a Comissão, páginas 9 a 13.

29. Idem, parágrafo 18 da petição.

30. Em 2 de fevereiro de 1995.

31. Idem, Relatório Nº 28/93, Caso Nº 10.675, Parte V:21.

32. Anotações sobre o texto do projeto de Convênio Internacional sobre Direitos Humanos, 10. ONU Anexo GOAR [Tema 28 da Agenda, item II.1, 61, UN Doc. A/2929 (1955)].