CAP�TULO V  DESENVOLVIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS NA REGI�O

CUBA



I. ANTECEDENTES

 

1. A Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos continuou observando com aten��o a forma pela qual evoluiu a situa��o dos direitos humanos na Rep�blica de Cuba. O objetivo do presente relat�rio � fazer um acompanhamento aos fatos que ocorreram em Cuba no campo dos direitos humanos, os quais exigem uma considera��o especial. � pertinente indicar, dessa forma, que o crit�rio principal para a elabora��o do presente relat�rio � a falta de elei��es livres de acordo com padr�es internacionalmente aceitos, o qual vulnera o direito � participa��o pol�tica consagrado no artigo XX da Declara��o Americana de Direitos e Deveres do Homem, que literalmente assinala o seguinte:

 

Toda pessoa, legalmente capacitada, tem o direito de tomar parte no governo de seu pa�s, diretamente ou atrav�s de seus representantes, e de participar nas elei��es populares, que ser�o de voto secreto, genu�nas, peri�dicas e livres.

2. A Comiss�o utilizou diversas fontes para a elabora��o do presente relat�rio, tais como depoimentos de v�timas que sofreram viola��es de seus direitos em Cuba, den�ncias formuladas contra o Estado cubano, e abundante quantidade de informa��es proveniente de diversas organiza��es n�o-governamentais, tanto de Cuba como do exterior.

 

 

II. COMPET�NCIA DA COMISS�O

 

3. A Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos sempre sustentou que o Estado cubano � parte nos instrumentos internacionais que, no �mbito do hemisf�rio americano, estabeleceram-se inicialmente com o fim de proteger os direitos humanos: a Declara��o Americana de Direitos e Deveres do Homem e a Carta da Organiza��o dos Estados Americanos. Esse Estado, igualmente, assinou a Resolu��o VIII da Quinta Reuni�o de Consulta de Ministros de Rela��es Exteriores (Santiago, Chile, 1959), mediante a qual institui-se a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos, "encarregada de promover o respeito por tais direitos".3/

 

4. A Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos manifestou que a Resolu��o VI da Oitava reuni�o de Consulta excluiu o Governo de Cuba, e n�o o Estado, de sua participa��o no sistema interamericano. Confirma esta posi��o os termos empregados nessa Resolu��o, as interven��es durante os debates nos quais ela foi aprovada e as demais atua��es no seio da Organiza��o a respeito deste ponto. Entretanto, tem-se refutado a validez de tal diferen�a entre Governo e Estado, atrav�s da qual a exclus�o do Governo implica tamb�m a exclus�o do Estado cubano.4/

 

5. O anteriormente assinalado � sustentado pela Comiss�o em seu S�timo Relat�rio sobre a Situa��o dos Direitos Humanos em Cuba, quando assinala que, a crit�rio da Comiss�o, Governo e Estado s�o dois conceitos jur�dicos e institucionalmente diferenci�veis, n�o apenas no �mbito da teoria jur�dica, mas tamb�m no �mbito pr�tico.

 

6. A Comiss�o Interamericana considera, por outro lado, que "no caso de Cuba, a exclus�o de seu Governo mal poderia determinar a perda da qualidade de Estado membro j� que, dentro do sistema da Carta da OEA, existe apenas um caso no qual um Estado pode perder tal qualidade: o previsto no artigo 4, isto �, na hip�tese do ingresso na Organiza��o de uma nova entidade pol�tica que nas�a da uni�o de v�rios de seus Estados membros. Diferentemente da Carta das Na��es Unidas, que contempla a possibilidade de expulsar um Estado membro que viole repetidamente os princ�pios contidos nela (artigo 6), a Carta da OEA n�o considera essa possibilidade. Da� que a Comiss�o determine que o car�ter de Estado membro constitui um direito de acordo com os dispositivos da Carta, e por ser assim, nenhum Estado pode ser privado desta qualidade; a condi��o de Estado membro somente pode ser renunciada pelo Governo que considere que tal medida seja pertinente, mas n�o pode ser perdida por meio da aplica��o de uma puni��o que n�o est� contemplada na Carta".5/

 

7. Foi o Governo cubano o exclu�do do sistema interamericano, e n�o o Estado. Portanto, o Estado cubano � respons�vel juridicamente perante a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos no que diz respeito aos direitos humanos. Outro argumento adicional que a Comiss�o Interamericana deve destacar � que o prop�sito da Organiza��o dos Estados Americano, ao excluir Cuba do sistema interamericano, n�o foi deixar o povo cubano sem prote��o. A exclus�o desse Governo do sistema regional n�o implica de modo algum que ele possa deixar de cumprir com suas obriga��es internacionais em mat�ria de direitos humanos.

 

8. Quanto � considera��o do Relat�rio Anual da Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos � Assembl�ia Geral da OEA, � pertinente indicar que, quando se inclui um relat�rio especial sobre um dos Estados membros, pode-se dar origem a que os representantes de tal pa�s realizem as observa��es que julguem convenientes. A Assembl�ia Geral, em seu car�ter de �rg�o supremo da Organiza��o, pode adotar as decis�es que considere oportunas, mas n�o possui a faculdade de modificar os relat�rios aprovados pela Comiss�o Interamericana. Por conseguinte, n�o pode considerar-se que, diante dela, um pa�s exer�a o direito � defesa.

 

 

III. CONSIDERA��ES GERAIS

 

9. Antes de iniciar a an�lise sobre a situa��o geral dos direitos humanos em Cuba, a Comiss�o Interamericana considera necess�rio referir-se aos �ltimos antecedentes com os quais conta a esse respeito: as conclus�es e recomenda��es de seu �ltimo relat�rio.6/ Tudo isso tem o objetivo de determinar se o Estado cubano adotou alguma medida ou se, na falta dela, produziu-se algum tipo de reforma pol�tica que tenda a melhorar a situa��o dos direitos humanos em Cuba.

 

10. Neste sentido, dentro do marco de suas conclus�es em seu Relat�rio Anual de 1994, a Comiss�o assinalou inter alia que "a repress�o do Governo contra toda forma de diverg�ncia pol�tica, a subordina��o de fato e de direito da administra��o da justi�a ao Partido do Governo, a falta de garantias contra a deten��o arbitr�ria e as condi��es deliberadamente severas e degradantes dos c�rceres cubanos, aliadas � grave situa��o econ�mica, constituem um perigoso potencial de conflitos sociais e � motivo de profunda preocupa��o para a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos".7/ Mais adiante, a Comiss�o acrescentou que, "Em consequ�ncia, (...) [torna-se] absolutamente necess�rio e imposterg�vel que o Governo cubano inicie reformas pol�ticas e econ�micas a fim de evitar que a situa��o se deteriore ainda mais. Se o atual sistema for mantido, o resultado seria sumamente grave para a situa��o dos direitos humanos em geral".8/

 

11. As diversas fontes de informa��o com as quais a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos tem contado coincidem em assinalar que, durante o per�odo coberto pelo presente Relat�rio, o Estado cubano adotou uma s�rie de medidas positivas em mat�ria de direitos humanos.

 

12. As principais medidas adotadas pelo Estado cubano s�o as seguintes:

 

a) O Alto Comiss�rio das Na��es Unidas para os Direitos Humanos, Doutor Jos� Ayala Lasso, visitou Cuba, gra�as � anu�ncia concedida pelo Estado cubano.

 

b) Permitiu-se a visita ao pa�s de representantes de quatro organiza��es n�o-governamentais, com o objetivo de observar a situa��o de um grupo de presos pol�ticos. Esta visita permitiu a liberta��o de 22 presos que cumprias penas por delitos pol�ticos — antes do final de suas senten�as — sem a condi��o de abandono do pa�s.

 

c) No dia 17 de maio de 1995, o Estado cubano ratificou a Conven��o das Na��es Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cru�is, Inumanas ou Degradantes.

 

d) No m�s de setembro de 1995, o Estado cubano aprovou uma lei de investimento estrangeiro. Independentemente das observa��es que a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos realiza sobre tal lei a partir do par�grafo 84 do presente Relat�rio, a mesma considera positivo o in�cio de medidas que permitam uma abertura econ�mica em Cuba.

 

e) O Estado permitiu, no m�s de novembro de 1995, a realiza��o de uma confer�ncia no pa�s sobre "A Na��o e a Emigra��o", propiciando assim um espa�o de di�logo entre cubanos do interior e do exterior, ainda que, no entanto, limitado a quest�es muito espec�ficas.

 

f) Em 1996, uma institui��o acad�mica interamericana, o Instituto Interamericano de Direitos Humanos, cuja sede est� em S�o Jos�, Costa Rica, realizou uma primeira atividade com a Uni�o Nacional dos Juristas de Cuba (equivalente � Ordem dos Advogados de outros pa�ses), culminando assim com um processo de consulta iniciado em maio de 1994. A primeira miss�o de promo��o do IIDH a Cuba realizou-se em maio de 1994, e desde o Primeiro Curso Interdisciplinar sobe Direitos Humanos (1983), o IIDH tem convidado cidad�os cubanos e personalidades que residem fora de Cuba a participar deste exerc�cio acad�mico interamericano. Com efeito, atrav�s de uma atividade intitulada "Semin�rio sobre Direitos Humanos", realizada entre os dias 30 de maio e 1� de junho de 1994, em Havana, em coopera��o com a Uni�o Nacional dos Juristas de Cuba (UNJC), o IIDH iniciou, de maneira �nica no �mbito interamericano — pelo menos at� aquela data —, seu trabalho em mat�ria de direitos humanos no dif�cil contexto pol�tico que envolve todo o trabalho no campo dos direitos humanos em Cuba: trata-se, efetivamente, de seu primeiro semin�rio nacional sobre o tema de direitos humanos em um per�odo (junho de 1994 a julho de 1996) que se caracterizou pelas tensas rela��es existentes entre Cuba e alguns pa�ses da comunidade internacional. Esta atividade reuniu mais de 70 membros da comunidade jur�dica de Cuba (ju�zes, advogados, professores universit�rios, membros dos diversos tribunais, assim como funcion�rios do Minist�rio da Justi�a).

 

Este foro serviu de ponto de partida para um limitado processo de discuss�o e debate sobre o tema dos direitos humanos, e em particular no �mbito das garantias constitucionais judiciais, no que considera-se tamb�m o enfoque cubano dos direitos humanos. Neste processo, participam alguns membros da comunidade internacional. Assim, por exemplo, constatou-se que o tema dos direitos humanos foi central no di�logo global com a Uni�o Europ�ia sobre a elabora��o de um acordo marco de coopera��o, e que alguns membros da Uni�o Europ�ia consideram que as vias de rela��es pol�ticas de di�logo existentes n�o devem ser fechadas, mas ajudar a uma abertura progressiva.

 

g) Dentro desse contexto, o Canad� firmou com Cuba um acordo sobre direitos humanos que contempla, entre outros �tens, a realiza��o de semin�rios para treinamento de ju�zes e advogados, reuni�es de legisladores de ambos os Parlamentos, para tratamento de termas relacionados com os direitos humanos, e o estabelecimento de uma Comiss�o Mista Bilateral encarregada de levar a cabo o debate entre ambos os Estados sobre este tema. Por outro lado, existe em Cuba um processo de estudo comparativo do sistema legal atualmente vigente (direito penal, civil, c�digo de fam�lia, leis de investimentos, sobre iniciativa privada, direito de sociedade e atividades mercantis), que criam espa�os para a assessoria t�cnica jur�dica, inclusive em assuntos pr�prios dos direitos humanos.

 

h) No m�s de janeiro de 1997, — dentro de uma evidente distens�o entre a Igreja Cat�lica e o Estado cubano — o jornal Granma, �rg�o do Comit� Central do Partido Comunista (PCC), anunciou na sua manchete de primeira p�gina que o Papa Jo�o Paulo II visitar� Cuba em princ�pios de 1998. Este fato possui particular import�ncia, devido ao fato de que desde a d�cada de 1960, a Igreja Cat�lica n�o tinha acesso aos meios de comunica��o em Cuba. Por outro lado, o Noticiero Nacional de Televisi�n informou como primeira not�cia que o Presidente Fidel Castro recebeu no Pal�cio da Revolu��o ao Cardeal Camilo Ruini e sua delega��o da Confer�ncia Episcopal Italiana, que realizavam nesta data uma visita oficial a Cuba. Nesse encontro participaram tamb�m o Vice-Presidente Carlos Lage e a Chefe do Gabinete de Assuntos Religiosos do Partido Comunista, Caridad, Diego, assim como o Cardeal cubano Jaime Ortega e o N�ncio Apost�lico, Beniamino Stella.

 

13. N�o obstante, a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos considera que tais medidas n�o constituem de fato uma reforma substantiva do sistema pol�tico vigente, que promova a observ�ncia e prote��o dos direitos humanos, ou seja, uma reforma que permita um pluralismo ideol�gico e partid�rio, que vem a ser uma das bases do sistema democr�tico de governo. Dessa forma, a Comiss�o Interamericana deve manifestar que — durante o per�odo coberto pelo presente relat�rio — continuou recebendo numerosas den�ncias sobre viola��es dos direitos civis e pol�ticos de cidad�os cubanos que, por um motivo ou outro, divergem da pol�tica governamental. Com efeito, a discrimina��o por motivos pol�ticos e as viola��es � liberdade de express�o e associa��o implicam geralmente penas de priva��o da liberdade, deten��es temporais, hostiliza��o, amea�as, perda do posto de trabalho, buscas domiciliares, ado��o de medidas disciplinares, etc. A isto deve acrescentar-se o controle que o Estado cubano exerce sobre a atividade privada dos cidad�os, que inclui a necessidade de uma permiss�o do Minist�rio do Interior para poder-se viajar livremente no estrangeiro. Persiste, por sua vez, a subordina��o de fato e de direito da administra��o da justi�a ao poder pol�tico, o que afeta uma das condi��es fundamentais para a vig�ncia pr�tica desse direito. Isto cria um clima negativo de incerteza e temor entre os cidad�os, algo refor�ado pela debilidade das garantias processuais, especialmente naquelas decis�es que possam, direta ou indiretamente, afetar o sistema de poder que existe hoje em Cuba.

 

14. As condi��es descritas anteriormente, somadas � grave crise econ�mica dos �ltimos anos, gerou uma situa��o na qual 10% da popula��o, aproximadamente 9/, residem fora do pa�s, e um elevado n�mero de pessoas deseja emigrar — de qualquer forma — a fim de procurar melhores condi��es de vida.

 

 

IV. OS DIREITOS CIVIS E POL�TICOS

 

A. DISCRIMINA��O POR MOTIVOS POL�TICOS EM RELA��O � FALTA DE LIBERDADE DE EXPRESS�O, ASSOCIA��O E REUNI�O

15. A Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos referiu-se em relat�rios anteriores � pr�tica sistem�tica do Estado cubano de discriminar contra cidad�os submetidos � sua jurisdi��o por motivos pol�ticos e pela falta de liberdade de express�o, associa��o, e de reuni�o. Durante o per�odo coberto pelo presente relat�rio, a pr�tica das autoridades cubanas n�o mudou, nem as disposi��es constitucionais e penais nas quais ela se apoia. Em outras palavras, persistem a hostiliza��o, as acusa��es, a ado��o de medidas disciplinares e condena��es que privam a liberdade em rela��o a pessoas que, de maneira pac�fica, manifestaram seu desacordo com o regime pol�tico imperante. Este tipo de hostiliza��o dirige-se especialmente a grupos orientados � defesa dos direitos humanos, inclusive os direitos sindicais, ou � atividade pol�tica. Estes grupos caracterizam-se pelo seu af� de utilizar unicamente m�todos pac�ficos em suas reivindica��es, apesar de as autoridades considerarem suas atividades ilegais, perseguindo-os de diversas formas. As figuras penais utilizadas mais frequentemente para caracterizar a atividade destas pessoas s�o as de "propaganda inimiga", "desacato", "associa��o il�cita", "publica��es clandestinas", "periculosidade", "rebeli�o", "atos contra a seguran�a do Estado", etc.

 

16. Apesar das condi��es descritas anteriormente, os grupos de defesa dos direitos humanos, assim como os de orienta��o pol�tica, continuaram aumentando durante o cursos destes �ltimos dois anos. Segundo as informa��es prestadas, estes grupos s�o frequentemente minimizados pelo Estado cubano, que os rotula de "contra-revolucion�rios" e "grupelhos".

 

17. A Comiss�o Interamericana considera que, pelo contr�rio, estes grupos constituem uma alternativa para os cidad�os cubanos que desejam ter um espa�o para discutir, livre e pacificamente, os principais problemas que afligem o pa�s. Constituem, dessa forma, uma forma de pluralismo dentro de um sistema caracterizado pelo controle absoluto exercido pelo Estado sobre seus cidad�os, controle que implementado atrav�s das organiza��es de massa, sem que nenhuma inst�ncia intermedi�ria seja permitida.

 

18. A Comiss�o Interamericana deve manifestar, desta maneira, que o direito de reuni�o e o direito de associa��o, al�m de estarem consagrados na Declara��o Americana de Direitos e Deveres do Homem e em outros instrumentos internacionais de direitos humanos, est�o intimamente vinculados. Em virtude disso, um cidad�o � livre para associar-se com quem ele queira, sem estar sujeito a puni��o alguma no exerc�cio de seus outros direitos civis, pol�ticos, econ�micos e sociais, como consequ�ncia dessa associa��o. Isto inclui o direito de formar associa��es, assim como o direito de ingressar em associa��es j� existentes, e compreende todas as fases da vida em uma sociedade moderna.

 

19. O direito de reuni�o, por sua vez, consiste no direito que toda pessoa tem de reunir-se em grupos, p�blica ou privadamente, para discutir ou defender suas id�ias. Estes direitos — associa��es e reuni�o — est�o contidos em todas as constitui��es de todos os Estados americanos, inclusive Cuba. Ali�s, o artigo 54 da Constitui��o Pol�tica assinala que "Os direitos de reuni�o, manifesta��o e associa��o s�o exercidos pelos trabalhadores, manuais e intelectuais, os camponeses, as mulheres, os estudantes e demais setores do povo trabalhador, para o qual disp�em de todas as facilidades para o desenvolvimento de tais atividades nas quais seus membros gozam da mais ampla liberdade de palavra e opini�o, baseadas no direito irrestrito � iniciativa e � cr�tica."

 

20. Entretanto, o direito de reuni�o, da mesma forma que o restante dos demais direitos, deveres de garantias fundamentais consagrados no Cap�tulo VII da Constitui��o Pol�tica de Cuba, encontram-se limitados e subordinados � "constru��o do socialismo e comunismo". O artigo 62 da Constitui��o Pol�tica cubana assinala literalmente o seguinte:

 

Nenhuma das liberdades reconhecidas aos cidad�os pode ser exercida contra o estabelecido na Constitui��o e nas leis, nem contra a exist�ncia e fins do Estado socialista, nem contra a decis�o do povo cubano de construir o socialismo e o comunismo. A infra��o deste princ�pio � pass�vel de puni��o.

21. Quanto � liberdade de express�o, o artigo 53 da Constitui��o Pol�tica estabelece que "Reconhece-se para os cidad�os as liberdades de palavra e imprensa conforme os fins da sociedade socialista. As condi��es materiais para seu exerc�cio est�o dadas pelo fato de que a imprensa, o r�dio, a televis�o, o cinema e outros meios de comunica��o de massa s�o de propriedade estatal ou social, e n�o podem ser objeto, em caso algum, de propriedade privada, o que assegura seu uso a servi�o exclusivo do povo trabalhador e do interesse da sociedade. A lei regula o exerc�cio destas liberdades".

 

22. A Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos considera que � evidente, sob todos os pontos de vista, que a Constitui��o P�blica de Cuba estabelece as bases jur�dicas para a censura, j� que o Estado � o �nico que pode determinar se a express�o oral ou escrita, o direito de associa��o e reuni�o e o restante dos demais direitos consagrados na mesma s�o contr�rios ao sistema pol�tico vigente. A Constitui��o consagra, da mesma forma, as bases jur�dicas para que o Estado dirija todas as atividades em mat�ria de arte, cultura ou imprensa.

 

23. A intoler�ncia do Partido do Governo em rela��o a toda forma de oposi��o pol�tica constitui a principal limita��o � participa��o. A base constitucional que legitima essa tend�ncia � o artigo 62 da Constitui��o, assinalado anteriormente. De fato, a pr�tica pol�tica demonstrou que o preconceito contra a oposi��o p�blica � generalizado. Desde 1960, todos os meios de comunica��o t�m estado nas m�os do Estado.10/ N�o existem meios legais para desafiar abertamente as pol�ticas do Governo e do Partido, ou para competir em forma de grupo, movimento ou organiza��o partid�ria, pelo direito de governar, substituir por meios pac�ficos ao Partido Comunista e seus dirigentes e criar pol�ticas novas e diferentes. Em s�ntese, � imposs�vel lan�ar uma cr�tica aberta e organizada � pol�tica do Governo e do Partido que fa�a com que os l�deres m�ximos possam ser suscet�veis a assumir responsabilidade, a prestar contas, e serem destitu�dos. Em outras palavras, o regime cubano atual persiste em empregar diversos m�todos — controle das informa��es e do trabalho cient�fico e cultural, encarceramento de opositores, migra��es maci�as para o exterior, etc. — como fim de restringir e mesmo eliminar toda forma de oposi��o pol�tica.

 

24. Durante o per�odo coberto pelo presente relat�rio, a Comiss�o Interamericana recebeu diversas den�ncias que demonstram as condi��es descritas nos par�grafos precedentes, ou seja, a discrimina��o por motivos pol�ticos e as viola��es � liberdade de express�o, associa��o e reuni�o. A seguir, algumas das den�ncias mais relevantes:

 

a) Uma turba formada por cerca de 60 a 80 pessoas, vestidas com trajes civis e armadas com canos e correntes, cercou a casa de Victoria Ru�z Labrit, Presidente do Comit� Cubano de Oposi��o Pac�fica Independente, a fim de impedir uma suposta reuni�o de opositores pol�ticos. Os fatos ocorreram aproximadamente �s 8h30 da manh� do dia 10 de agosto de 1995, na cidade de Havana. Toda pessoa que passava em frente ao domic�lio de Victoria Ru�z era detida, revistada e solicitada a apresentar identifica��o. �s 9h00, aproximadamente, bateu em sua porta a delegada da circunscri��o do Poder Popular, bem como uma representante da Federa��o das Mulheres Cubanas, que informaram a ela ter conhecimento de uma reuni�o de "contra-revolucion�rios", diante do que Victoria Ru�z as convidou a entrar, dizendo "Gostaria que as senhoras entrassem para que vissem que os contra-revolucion�rios que est�o reunidos comigo s�o tr�s menores de onze, oito e seis anos". As agentes do Estado negaram-se a entrar; entretanto, permaneceram em frente � resid�ncia da ativista at� o meio-dia.

 

b) A Associa��o C�vica Democr�tica informou que em Cuba continuam sendo fabricadas causas penais contra os opositores e ativistas de direitos humanos, com uma total aus�ncia das garantias processuais. Com efeito, Ismael Morales, de 17 anos de idade, filho do dissidente Antonio Morales Torres, de Isla de Pinos, foi condenado a seis meses de pris�o por um suposto delito de furto, apesar de o Inspetor ter retirado as acusa��es quando as testemunhas que ele havia apresentado se retrataram. Em segunda inst�ncia, a inoc�ncia de Ismael Morales foi amplamente demonstrada. N�o obstante a isso, o Presidente da Sala declarou que o condenaria de todas as formas — assumindo toda a responsabilidade — devido ao fato de que o jovem n�o estudava nem trabalhava.

 

c) Marcos Gonz�lez Hern�ndez, Mar�a Elena Bayo Gonz�lez, Ariel Lavandera L�pez, Regla Tapanes Tapanes, Rodolfo Vald�s P�rez, Carlos Denis Denis, Pedro Pablo Denis Blanco, Felipe L�zaro Carranza D�az, Ileana Curra Luz�n, Iv�n Curre de la Torre e Jorge Heriberto Alfonso Aguilar foram condenados a tr�s anos de pris�o pelo Tribunal Provincial de Havana na causa 36/94 pelos delitos de propaganda inimiga e atos contra a seguran�a do Estado. Segundo a senten�a, ficou provado que os acusados, "em desacordo com o processo revolucion�rio cubano e suas caracter�sticas, com o prop�sito de subverter a ordem social estabelecida e desestabilizar as bases de nosso sistema social e econ�mico (...) Conceberam a id�ia de confeccionar e distribuir, por diversos lugares, folhetos com textos de conte�do contra-revolucion�rio, o que levaram a cabo mediante a fabrica��o de uma estampa artesanal e a impress�o de tiras de papel contendo textos como "Abaixo Fidel", e "Plebiscito".

 

d) Durante o per�odo coberto pelo presente relat�rio, o Partido Pr�-Direitos Humanos de Cuba denunciou a hostiliza��o que as autoridades cubanas encontram-se realizando contra advogados independentes que assumiram a defesa de advers�rios pac�ficos e de ativistas dos direitos humanos. Segundo as informa��es prestadas, os advogados Leonel Morej�n Almagro, do consult�rio de advocacia de Marianao, e Ren� G�mez Manzano, do consult�rio de advocacia de Casaci�n, foram expulsos depois de trabalharem durante v�rios anos defendendo causas de viola��es aos direitos humanos. Morej�n Almagro foi visitado em sua resid�ncia no dia 9 de fevereiro de 1995 por uma comitiva do denominado "Sistema �nico de Explora��o e Vigil�ncia", organismo criado pelo regime cubano para amedrontar pessoas supostamente "perigosas" para a sociedade, ou com "aparente desvio de sua conduta social", o que traz como consequ�ncia a abertura de um expediente de "periculosidade" com sua respectiva pena de 4 anos de priva��o da liberdade.

 

e) A Funda��o Solid�ria pela Democracia informou desde Havana sobre os casos de quatro cidad�os cubanos que sofrem penas de pris�o depois de serem condenados por supostos delitos de rebeli�o e atos contra a seguran�a do Estado. Os condenados, todos eles vizinhos da cidade de Minajarle, Munic�pio de Jiguan�, Prov�ncia de Granma, s�o os seguintes: Leonardo Cabrera Arias, de 31 anos de idade, condenado a oito anos de pris�o; Lino Jos� Molina Basulto, de 32 anos de idade, condenado a oito anos; Ramiro Angel Rodr�guez Leyva, de 30 anos de idade, condenado a sete anos; e Jorge Oscar Rodr�guez Leyva, de 32 anos de idade, condenado a oito anos de pris�o. Os quatro foram acusados, junto com outros cidad�os que foram libertados, "de agruparem-se e avaliar a situa��o econ�mica, social e pol�tica do pa�s, ouvir emissoras estrangeiras, fazer propaganda escrita e busca um novo recinto para agrupar pessoas". Os acusados alegaram que seu �nico delito foi o de reunirem-se semanalmente para realizar estudos b�blicos. O juiz instrutor afirmou que eles "eram falsos religiosos". Atualmente, os quatro encontram-se na pris�o "Las Mangas" separados em diferentes andares.

 

f) Tamb�m durante o per�odo coberto pelo presidente relat�rio, Francisco Chaviano Gonz�lez, Presidente do Conselho Nacional pelos Direitos Civis em Cuba, foi detido por agentes da Seguran�a do Estado em Havana e condenado a 15 anos de pris�o. A deten��o foi executada sob circunst�ncias nas quais agentes do Estado irromperam em sua resid�ncia pouco depois que uma pessoa desconhecida o entregara documentos sobre viola��es de direitos humanos. Os agentes tamb�m apreenderam documenta��o do mencionado Conselho, em especial a relativa �s pessoas que haviam desaparecido no mar quando tentavam abandonar o pa�s. Chaviano Gonz�lez foi conduzido ao Quartel de Villa Marista, onde foi acusado de revelar informa��es secretas relativas � seguran�a do Estado. Anteriormente, o senhor Chaviano j� havia sido objeto de freq�entes atos de intimida��o. Cabe destacar, assim mesmo, que tr�s outras pessoas, Abel del Valle D�az, Pedro Miguel Labrador, e Juan Carlos Gonz�lez V�squez, foram tamb�m processadas na mesma causa de Chaviano. O julgamento realizou-se diante de um tribunal militar, apesar de que todos os acusados eram civis. O advogado de Abel del Valle D�az escreveu posteriormente na imprensa de Miami, Fl�rida,11/ que o expediente foi instru�do de maneira secreta, isto �, sem a participa��o de advogados, e que apenas tr�s dias antes da realiza��o do julgamento ele p�de folhear os autos e entrevistar-se com seu cliente. Da mesma forma, tampouco foi permitido ao advogado o acesso aos documentos classificados como "secretos" (que versavam sobre como combater os delitos na esfera da gastronomia, servi�os e combust�veis) que supostamente foram encontrados de posse dos acusados, e que constitu�am-se numa das principais acusa��es. Durante o transcurso do processo judicial — realizado a portas fechadas — n�o permitiu-se o acesso de v�rias testemunhas da defesa, e familiares e amigos foram amea�ados na entrada do edif�cio por membros das brigadas de a��o r�pida. Alguns membros de organiza��es de direitos humanos foram presos quando dirigiam-se ao tribunal, e libertados posteriormente.

 

g) A coaliz�o Conc�lio Cubano solicitou, no m�s de dezembro de 1995, que as autoridades cubanas permitissem a realiza��o de um encontro a n�vel nacional no dia 24 de fevereiro de 1996. Tal encontro nunca teve lugar. Um funcion�rio do Minist�rio do Interior informou a Gustavo Arcos, dirigente do grupo, que o Governo n�o permitiria a realiza��o dessa reuni�o. Em meados de fevereiro de 1996, dezenas de membros da coaliz�o foram detidos em todo o pa�s, apesar da decis�o de seus dirigentes de cancelar tal encontro, com o fim de evitar incidentes. Dias depois, os detidos foram postos em liberdade; no entanto, quatro foram processados e condenados a penas de priva��o da liberdade: L�zaro Gonz�lez Vald�s, Vice-Delegado e membro do Secretariado Nacional do Conc�lio Cubano, foi detido no dia 15 de fevereiro de 1996 e condenado a 14 meses de pris�o, sob as acusa��es de resist�ncia e desacato � autoridade; Leonel Morej�n Almagro, de 31 anos de idade, membro da Corrente Agramontista e fundador do Conc�lio Cubano, foi detido no dia 15 de fevereiro de 1996 e condenado um m�s depois pelo Tribunal Popular Provincial a 15 meses de pris�o por resistir a um funcion�rio no exerc�cio de suas fun��es, e pelo delito de desacato; Roberto L�pez Monta�ez, 43 anos, membro do Movimento Opositor "Panchito G�mez Toro" e da Alian�a Democr�tica Popular, foi detido no dia 23 de fevereiro de 1996 e condenado no dia 4 de julho do mesmo ano pelo Tribunal Municipal de Boyeros a 15 meses de pris�o pelo delito de desacato � imagem do Comandante-em-Chefe, Fidel Castro, e falsifica��o de documentos; e Juan Francisco Monz�n Oviedo, de 44 anos de idade, professor e membro do Conselho Nacional de Coordena��o do Conc�lio Cubano, foi detido no dia 15 de fevereiro de 1996 e condenado a seis meses de pris�o por "associa��o il�cita" em um julgamento sum�rio no dia 21 de mar�o do mesmo ano.

 

B. LIBERDADE DE IMPRENSA

 

25. Tal como assinalou-se no presente relat�rio, desde 1960, todos os meios de comunica��o t�m estado em m�os do Estado. As fun��es cumpridas pelos meios de comunica��o de massa em Cuba, e de maneira especial a imprensa escrita, podem ser compreendidas melhor quando elas s�o vinculadas �s fun��es destinadas pela doutrina do Partido que hoje exerce o poder em Cuba. Aos jornais escritos s�o destinadas, dessa maneira, as fun��es de agita��o, propaganda, organiza��o e autocr�tica.

 

26. Estas fun��es pressup�em uma concep��o compartilhada e �nica em rela��o ao trabalho pol�tico, na medida em que elas se dirigem � elimina��o dos setores que possam opor-se a essa concep��o b�sica. Desta forma, a tarefa de agita��o faz parte da luta ideol�gica, e por isso, n�o coincide necessariamente com a objetividade e veracidade que encontram-se na base da fun��o informativa.

 

27. A fun��o de propaganda outorgada pelo Estado � imprensa � tamb�m um canal de educa��o e doutrinamento do marxismo-leninismo. Da� o fato de o di�rio Granma, o principal de Cuba, ser o �rg�o do Comit� Central do Partido Comunista e dedique parte importante de seu conte�do a esse objetivo. Este di�rio foi concebido sobre o modelo do Pravda, �rg�o do Comit� Central do Partido Comunista da ex-Uni�o Sovi�tica, e nasceu da fus�o de dois di�rios preexistentes: Hoy e Revoluci�n. As frequentes diverg�ncias entre ambos os jornais levou � decis�o de fundi-los e de adotar-se a modalidade que ele hoje representa.

 

28. Como assinalou-se no presente relat�rio, os principais peri�dicos em Cuba refletem unicamente os pontos de vista governamentais e, de maneira muito limitada, informam sobre os debates ocorridos no seio dos altos �rg�os do Estado. Isto traz como consequ�ncia tamb�m uma limita��o da autocr�tica, ou seja, ela refere-se a aspectos muito espec�ficos da vida cotidiana de Cuba. Trata-se de um papel que a imprensa assume com o objetivo de transmitir as reclama��es da base � c�pula do poder. Entretanto, as diverg�ncias n�o podem, de maneira alguma, superar os limites fixados pelo requisito da ades�o ideol�gica, quer dizer, de modo algum podem opor-se ou converter-se em porta-vozes que defendam a transforma��o radical do regime imperante, ou que responsabilizem os quadros superiores com rela��o � pol�tica substantiva.

 

29. Os limites fixados pelo Partido Governante de Cuba a qualquer tipo de cr�tica que signifique uma oposi��o aberta ao regime abarcam repres�lias que v�o desde demiss�es do emprego at� processos que carregam penas de priva��o da liberdade. Neste sentido, por exemplo, a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos foi informada que Alexis Casta�eda P�rez de Alejo, jornalista dos di�rios Vanguardia e Huella, foi condenado a cinco anos de pris�o por ter feito declara��es que foram classificadas de "propaganda inimiga".

 

30. Este tipo de repres�lias, assim como as demiss�es do emprego, incentivaram muitos jornalistas despedidos por motivos pol�ticos a formar ag�ncias de not�cias independentes, com o fim de enviar informa��es aos meios de comunica��o estrangeiros. Estes jornalistas, no entanto, s�o objeto de todo tipo de hostiliza��o, inclusive buscas em suas resid�ncias, confisco de equipamento (fac-s�miles, gravadores, c�maras, fitas de v�deo, etc.) Durante o per�odo coberto pelo presente Relat�rio Anual, a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos recebeu quantidade abundante de informa��es que confirma o assinalado nos par�grafos anteriores. A seguir, alguns dos casos que descrevem as medidas intimidat�rias adotadas pelo Estado cubano:

 

a) N�stor Baguer, Presidente da Agencia de Prensa Independiente (APIC), foi ferido gravemente por um indiv�duo desconhecido, que o golpeou repetidamente, e ficou com uma das m�os fraturada e v�rios hematomas. Os fatos ocorreram em Havana, no dia 2 de mar�o de 1995. No dia 11 de julho do mesmo ano, membros da Seguran�a do Estado deram busca em sua resid�ncia, apreenderam um equipamento de fac-s�mile e desligaram seu servi�o telef�nico. Dias depois, N�stor Baguer interp�s uma den�ncia perante o Tribunal Municipal de Plaza com o objetivo de obter a devolu��o do material confiscado; no entanto, o secret�rio do tribunal negou-se a acolher o documento, manifestando que ele n�o possu�a fundamento jur�dico.

 

b) Roxana Valdivia, correspondente dos Rep�rteres sem Fronteiras e membro da Agencia de Prensa Independiente, foi detida no dia 22 de maio de 1995 e submetida a interrogat�rio durante 10 horas. Posteriormente, continuou recebendo amea�as telef�nicas. Orestes Fandevilla, Luis L�pez Prendes e L�zaro Lazo, tamb�m membros da APIC, foram, por sua vez, detidos e submetidos a interrogat�rio durante v�rias horas, no dia 8 de julho de 1995.

 

c) Durante o per�odo coberto pelo presente relat�rio, foram criadas outras ag�ncias de not�cias independentes, tais como Habana Press, Cuba Press, C�rculo de Periodistas de La Habana, e Patria. Em julho de 1995 — data do anivers�rio do afundamento do Rebocador 13 de Mar�o — diversos jornalistas independentes foram hostilizados pelas autoridades cubanas. No dia 12 de julho de 1995 — um dia antes do anivers�rio — Rafael Solano, Diretor do Habana Press foi detido para ser interrogado por agentes da Seguran�a do Estado. Durante sua deten��o, foi acusado de escrever artigos com vistas a prejudicar o sistema, atrav�s de emissoras de r�dio e peri�dicos subversivos, e informado de que havia sido aberto um processo contra ele sob acusa��es de "propaganda inimiga". Tamb�m foi acusado de instigar o povo a participar de um protesto pelo afundamento do Rebocador 13 de Mar�o. Depois de onze horas de interrogat�rio, foi trasladado a sua resid�ncia e colocado sob pris�o domiciliar. No dia seguinte, foi levado novamente aos quart�is da Seguran�a do Estado, onde foi emitida uma advert�ncia oficial para que ele suspendesse suas atividades de "propaganda inimiga", atrav�s de informa��o fornecida � imprensa estrangeira.

 

d) Tamb�m durante o segundo anivers�rio do afundamento do Rebocador 13 de Mar�o, no dia 13 de julho de 1996, produziram-se uma s�rie de pris�es e buscas em resid�ncias de jornalistas que procuram desempenhar suas fun��es � margem da imprensa oficial. Joaqu�n Torres, membro do Habana Press, cujo arquivo, seus equipamentos e documenta��o foram invadidos, foi detido durante v�rias horas na D�cima Unidade de Pol�cia de Acosta e Diez de Octubre.

 

e) A Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos tamb�m recebeu numerosas den�ncias sobre jornalistas que foram presos durante o ano de 1996: Julio Mart�nez, do Habana Press, detido no dia 14 de janeiro; Luis Salar Hern�ndez, da Oficina de Prensa Independiente (BPIC), detido em Ciego de �vila no dia 19 de janeiro; Ra�l Rivero, do Cuba Press, detido no dia 14 de fevereiro; Bernardo Fuentes Camblor, do BPIC, detido nos dias 15 de janeiro, 6 de mar�o e 12 de agosto em Camaguey; Mar�a de los Angeles Gonz�lez e Omar Rodr�guez, do BPIC, detidos no dia 13 de mar�o; Olance Nogueras, do BPIC, detido no dia 23 de abril de 1996 em Cienfuegos; Yndamiro Restano, do BPIC, detido no dia 26 de abril; L�zaro Lazo, do BPIC, detido no dia 24 de maio e submetido a novo interrogat�rio no dia 24 de junho; Joaqu�n Torres Alvarez foi objeto de amea�as e press�es para que abandonasse o pa�s no dia 31 de maio, e foi detido no dia 12 de julho; Jos� Rivero Garc�a, do Cuba Press, recebeu amea�as e teve seu equipamento de trabalho confiscado no dia 9 de junho; Norma Britto, do BPIC, submetida a interrogat�rio no dia 26 de junho; Orlando Bord�n Galvez, do Cuba Press, submetido a interrogat�rio no dia 13 de julho; Mercedes Moreno, do BPIC, submetida a interrogat�rio no dia 15 de julho; N�stor Baguer, da Agencia de Prensa Independiente, submetido a interrogat�rio nos dias 15 e 16 de julho; Juan Antonio S�nchez, do Cuba Press, detido no dia 14 de fevereiro e no dia 30 de julho; Pedro Arguelles Mor�n, de Patria, submetido a interrogat�rio no dia 1� de agosto; Ram�n Alberto Cruz Lima, de Patria, submetido a interrogat�rio no dias 1� e 7 de agosto; Magaly Pino Garc�a e Jorge Enrique Rivas, de Patria, detidos em Camaguey no dia 12 de agosto, e Jorge Olivera Castillo, do Habana Press, submetido a interrogat�rio no dia 14 de agosto de 1996.

 

31. A exposi��o realizada � motivo de profunda preocupa��o para a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos, na medida em que � uma demonstra��o de que em Cuba n�o existe uma liberdade de imprensa que permita a diverg�ncia pol�tica que � fundamental para um regime democr�tico de governo. Pelo contr�rio, a imprensa falada, escrita e televisada � um instrumento de imposi��o ideol�gica que obedece aos ditames do grupo no poder e serve para transmitir as mensagens deste grupo �s bases e aos n�veis intermedi�rios.

 

C. DIREITO � JUSTI�A E AO PROCESSO DEVIDO

 

32. A Declara��o Americana de Direitos e Deveres do Homem consagra o direito � justi�a e ao processo devido nos seguintes artigos:

 

Artigo XVIII. Toda pessoa pode acorrer aos tribunais para fazer valer seus direitos. Da mesma forma, deve dispor de um procedimento simples e breve pelo qual a justi�a o ampare contra os atos da autoridade que violem, em seu preju�zo, algum dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente.

Artigo XXVI. Presume-se que todo acusado seja inocente, at� que prove-se a sua culpabilidade.

Toda pessoa acusada de delito tem direito a ser ouvida de maneira imparcial e p�blica, a ser julgada por tribunais anteriormente estabelecidos de acordo com as leis preexistentes, e n�o deve sofrer a imposi��o de penas cru�is, infamantes ou inusitadas.

33. A doutrina da Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos estabelece, por sua parte, que a vig�ncia efetiva das garantias contidas nos artigos citados assenta-se sobre a independ�ncia do Poder Judici�rio, derivada da cl�ssica separa��o entre os poderes p�blicos.12/ Esta � uma consequ�ncia l�gica que deriva-se da concep��o mesma dos direitos humanos. Com efeito, busca-se proteger os direitos dos indiv�duos diante das poss�veis a��es do Estado, � imprescind�vel que um dos �rg�os desse Estado tenha a independ�ncia que lhe permita julgar tanto as a��es do Poder Executivo como a proced�ncia das leis ditadas, assim como as decis�es emanadas de seus pr�prios integrantes. Portanto, a Comiss�o Interamericana considera que a efetiva independ�ncia do Poder Judici�rio � um requisito imprescind�vel para a vig�ncia pr�tica dos direitos humanos em geral.13/

 

34. Dentro desse contexto, a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos deve reiterar, uma vez mais, que em Cuba persiste a subordina��o de fato e de direito da administra��o de justi�a ao poder pol�tico. Com efeito, durante o per�odo coberto pelo presente relat�rio, os dispositivos constitucionais e penais n�o variaram, e nem a pr�tica das autoridades cubanas. O artigo 121 da Constitui��o Pol�tica de Cuba assinala, por exemplo, que "Os tribunais constituem um sistema de �rg�os estatais, estruturado com independ�ncia funcional de qualquer outro e subordinado hierarquicamente � Assembl�ia Nacional do Poder Popular e ao Conselho de Estado".

 

35. A Comiss�o Interamericana considera que a estipula��o constitucional, por si, da independ�ncia dos �rg�os judici�rios com rela��o ao poder pol�tico n�o � uma condi��o suficiente para que exista uma correta administra��o de justi�a. Ao n�o estar estabelecida constitucionalmente esta separa��o de poderes, a administra��o de justi�a torna-se, de fato e de direito, submetida ao poder pol�tico. Tal como depreende do artigo 121 da Constitui��o anteriormente citada, a subordina��o dos tribunais de justi�a � Assembl�ia Nacional do Poder Popular e, especialmente, ao Conselho de Estado, estabelece uma rela��o de depend�ncia com rela��o ao poder pol�tico. Esta rela��o se v� refor�ada pela fun��o do Conselho de Estado de exercer "a iniciativa legislativa e o poder regulamentador; tomada de decis�es e ditame de normas de cumprimento obrigat�rio por todos os tribunais e, com a base da experi�ncia dos mesmos, comunica instru��es de car�ter obrigat�rio para estabelecer uma pr�tica judicial uniforme, na interpreta��o e aplica��o da lei".14/

 

36. Por sua parte, o artigo 74 da Constitui��o Pol�tica estabelece que o "Presidente do Conselho de Estado � chefe de Estado e chefe de Governo." Em outras palavras, que o Chefe de Estado cubano concentra em si mesmo todos os �rg�os estatais. De acordo com o assinalado, a subordina��o ao poder pol�tico da totalidade to trabalho social cubano, a pr�tica pol�tica do regime e do ordenamento jur�dico em que tal pr�tica se sustenta, o car�ter excludente de toda concep��o pol�tica distinta e a aus�ncia de garantias efetivas para que as pessoas fa�am valer seus direitos perante o Estado, permitem que a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos considere que este se trata de um sistema pol�tico totalit�rio.

 

37. Tamb�m � importante manifestar que o Conselho de Estado — �rg�o pol�tico — � o que dita as normas "de cumprimento obrigat�rio por todos os tribunais". E s�o esses tribunais os que t�m que aplicar e interpretar normas que abarcam termos t�o pouco precisos como "a exist�ncia e fins do Estado socialista", "a decis�o do povo cubano de construir o socialismo e o comunismo", e a "legalidade socialista". A essa interpreta��o ficam subordinadas todas as "liberdades reconhecidas aos cidad�os"; e � a administra��o de justi�a que se encarrega de aplicar as eventuais interpreta��es aos casos particulares. Esta tend�ncia ideol�gica e pol�tica possui sua pedra angular no artigo 5 da Constitui��o cubana:

 

O Partido Comunista de Cuba, marciano e marxista-leninista, vanguarda organizada da na��o cubana, � a for�a dirigente superior da sociedade e do Estado, que organiza e orienta os esfor�os comuns para os altos fins da constru��o do socialismo e o avan�o para a sociedade comunista.

 

38. A subordina��o da administra��o de justi�a ao poder pol�tico provoca grande inseguran�a e temor entre os cidad�os, algo refor�ado pela debilidade das garantias processuais, especialmente naqueles julgamentos que, direta ou indiretamente, possam afetar o sistema pol�tico vigente. As garantias processuais est�o consagradas constitucionalmente nos artigos 59, 61 e 63:

 

Artigo 59. Ningu�m pode ser processado nem condenado, exceto por tribunal competentes, em virtude de leis anteriores ao delito e com as formalidades e garantias que as mesmas estabelecem.

Todo acusado tem direito � defesa.

 

N�o se exercer� viol�ncia nem coa��o de classe alguma sobre as pessoas para for��-las a declarar.

� nula toda confiss�o obtida com a infra��o deste preceito, e os respons�veis incorrer�o nas penas fixadas pela lei.

Artigo 61. As leis penais t�m efeito retroativo quando sejam favor�veis ao processado ou condenado. As demais leis n�o t�m efeito retroativo, a menos que nas mesmas se disponha o contr�rio por motivo de interesse social ou utilidade p�blica.

Artigo 63. Todo cidad�o tem direito a dirigir queixas e peti��es �s autoridades, e a receber a aten��o ou respostas pertinentes e num prazo adequado, conforme a lei.

39. Em teoria, estes tr�s artigos reconhecem seis direitos em rela��o ao processo devido e o direito � justi�a: 1) o de ser julgado por uma jurisdi��o ordin�ria; 2) o de ter � sua disposi��o os servi�os de um advogado; 3) o da inviolabilidade e integridade pessoal, enquanto se esteja sob a cust�dia das autoridades; 4) o de n�o ser obrigado a declarar durante um processo, o qual vincula-se � garantia contra as confiss�es obtidas mediante tortura; 5) o de ser julgado com base em normas penais promulgadas antes da imputa��o do delito; e 6) o direito de ir livremente perante os tribunais exigindo justi�a.

 

40. Na pr�tica, entretanto, estas garantias processuais s�o inoperantes. A principal limita��o � a pr�pria Constitui��o Pol�tica, que estabelece em seu artigo 62 que nenhuma das liberdades reconhecidas em tal corpo normativo pode ser exercida "contra a exist�ncia do estado socialista". A relev�ncia desta norma baseia-se no fato de que ela regulamenta, ao mais alto n�vel, o exerc�cio pr�tico dos direitos e liberdades reconhecidos pela Constitui��o aos cidad�os cubanos, em suas rela��es com os �rg�os estatais. Pode considerar-se, portanto, que o disposto neste artigo impregna toda a atividade pol�tica, econ�mica, social e cultural que tem lugar em Cuba.

 

41. A Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos considera, desta forma, que torna-se sumamente question�vel estabelecer limita��es constitucionais aos direitos e liberdades em fun��o de crit�rios vagos e imprecisos como o s�o, por exemplo, "a decis�o do povo cubano de construir o socialismo e o comunismo." � evidente tamb�m que estes crit�rios escapam do �mbito jur�dico para situarem-se no campo pol�tico. Em consequ�ncia, o �nico partido governante em Cuba ser� quem vai decidir, em cada caso particular, se o exerc�cio de uma liberdade ou de um direito se op�e a este postulado. Elimina-se, assim, toda a possibilidade de defesa do indiv�duo diante do poder pol�tico, amparando-se constitucionalmente o exerc�cio arbitr�rio do poder diante do povo cubano.

 

42. Com rela��o �s garantias que se consideram associadas � exist�ncia de um processo imparcial, geralmente inclui-se o direito a que a pessoa tem de ser informada das acusa��es existentes contra ela, o direito de escolher um advogado de defesa, o direito do acusado de enfrentar seus acusadores, o direito do gozo de um prazo razo�vel para que o acusado e seu advogado de defesa preparem a defesa, o direito do acusado de apresentar testemunhas e interrog�-las, e o direito do acusado e seu advogado de defesa de serem informados oportunamente sobre a data do julgamento.

 

43. Quanto ao exerc�cio da advocacia, a Comiss�o Interamericana foi informada de que este tamb�m carece de independ�ncia. Tudo isso em virtude do Decreto-Lei N� 81, de 8 de junho de 1984, e sua regulamenta��o, os quais estabelecem a obriga��o de associa��o � Organizaci�n Nacional de Bufetes Colectivos (ONBC), como exig�ncia pr�via para o exerc�cio da profiss�o. Em outras palavras, para ingressar-se nessa organiza��o exige-se "ter condi��es morais de acordo com os princ�pios de nossa sociedade"15/ o que, na pr�tica, impediu o ingresso �queles que divergem do sistema pol�tico vigente. Cabe assinalar, da mesma forma, que o Minist�rio da Justi�a � o encarregado de exercer a inspe��o, supervis�o e controle de sua atividade e a de seus membros, ditar disposi��es regulamentares e de outro tipo, e exercer outras fun��es adicionais (Primeira Disposi��o Especial do Decreto-Lei N� 81, e artigo 42 do Regulamento).

 

44. O artigo 13 do Regulamento da ONBC estipula tamb�m que a elei��o de cargos diretivos � p�blica, o que na pr�tica — segundo as informa��es recebidas — leva os eleitores a votar nos militantes do partido comunista — os quais, em conjunto, constituem mais de 85% do total de delegados — e por outros candidatos n�o objetados pelos dirigentes. Assinalou-se, da mesma forma, que os dirigentes impedem sistematicamente, mediante intimida��o, qualquer opini�o contr�ria � linha que eles representam.

 

45. A Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos tamb�m foi informada que direito de associa��o dos advogados cubanos encontra-se vulnerado pelo monop�lio exercido pela Uni�o Nacional de Juristas de Cuba (UNJC). Com efeito, assinalou-se que dirigentes e representantes de organismos estatais — os quais, ao mesmo tempo, ocupam postos-chave dentro do Partido Comunista — desempenham um papel fundamental nas atividades e na orienta��o deste grupo. Dentro desse contexto, � pertinente indicar que outro grupo de advogados, a "Uni�o Agromontista de Cuba", encontra-se tentando, desde 1990, a constitui��o de uma associa��o independente. Cabe assinalar que, em fevereiro de 1991, apresentou uma solicita��o de legaliza��o perante o Minist�rio da Justi�a que ainda n�o foi respondida.

 

46. Os advogados que comp�em a Uni�o Agromontista s�o — segundo as informa��es recebidas — objeto de todo tipo de press�es, que v�o desde os "conselhos amistosos" at� a proibi��o administrativa de exercer a defesa legal de ativistas de direitos humanos e opositores pol�ticos. Por outro lado, manifestou-se que dirigentes da Organizaci�n Nacional de Bufetes Colectivos hostilizam os advogados que preparam e assinam textos com declara��es cr�ticas sobre a problem�tica nacional ou profissional. Em muitos casos, os respons�veis por tais memoriais foram convocados a reuni�es para serem pressionados, e inclusive para proibir a eles o exerc�cio da profiss�o. Durante o per�odo coberto pelo presente relat�rio, a Comiss�o Interamericana recebeu numerosas den�ncias que d�o conta de deten��es arbitr�rias, intima��es para comparecimento diante de autoridades policiais e fiscais, expuls�o de consult�rios de advocacia, e at� penas de priva��o de liberdade contra profissionais do direito que pretenderam exercer a carreira com independ�ncia.

 

47. No curso do per�odo coberto pelo presente relat�rio, a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos continuou recebendo abundante volume de informa��es sobre as irregularidades que s�o cometidas nos julgamentos com conota��es pol�ticas. Com efeito, a publicidade dos processos judiciais contra as pessoas acusadas de "atividades contra-revolucion�rias" est� restrita, j� que as salas de audi�ncias est�o cheias de policiais e agentes da Seguran�a do Estado, que impedem o acesso dos jornalistas e pessoas alheias � fam�lia. Da mesma forma, com rela��o ao tempo concedido ao acusado e a seu advogado para a prepara��o da defesa, uma elevada propor��o das den�ncias recebidas d�o conta de que os mesmos n�o tiveram acesso ao expediente com suficiente anteced�ncia. Assinalou-se tamb�m que a interven��o do advogado limita-se fundamentalmente � etapa do julgamento, e isso se deve basicamente ao fato de que os advogados de defesa re�nem-se com os acusados uma hora antes do processo, e em muitos casos na hora do julgamento. Outra das caracter�sticas dos julgamentos pol�ticos � de que o sistema reduz, consideravelmente, as possibilidades da defesa de apresentar testemunhas da defesa, ao contr�rio da parte acusadora que recorre a eles, especialmente quando agentes da Seguran�a do Estado v�em-se envolvidos. Deve destacar-se no entanto, que n�o existem bases na legisla��o cubana para proibir as testemunhas da defesa. Pareceria que o motivo especial para explicar a falta de testemunhas favor�veis � o temos �s repres�lias por parte do Estado.

 

48. Os elementos de ju�zo apresentados � considera��o da Comiss�o Interamericana lhe permitem manifestar que persiste a subordina��o da administra��o da justi�a ao poder pol�tico, afetando as condi��es fundamentais para a vig�ncia pr�tica do processo devido. Calcula a Comiss�o que, em mat�rias de julgamentos pol�ticos, os tribunais continuam julgando apoiando-se mais nos valores da �nica ideologia permitida no pa�s, do que mediante os procedimentos jur�dicos corretos. Mais ainda, deduzir-se-ia das provas obtidas que as decis�es judiciais foram sempre totalmente a favor da id�ia do Executivo sobre a justi�a adequada. Agrava a situa��o o fato evidente de que, e Cuba, o direito interno n�o oferece, na pr�tica, prote��o adequada �s v�timas de viola��es dos direitos humanos. Com efeito, ainda que a legisla��o cubana consagre com maior ou menor amplitude as garantias processuais, as mesmas resultam de fato inoperantes por diferentes raz�es. Deve assinalar-se, primeiramente, a falta de independ�ncia do poder judici�rio, amparado por preceitos constitucionais com refer�ncias ideol�gicas ou pol�ticas que violam o princ�pio de igualdade perante a lei, j� que coloca-se os militantes do Partido Comunista em um plano superior, em rela��o ao restante dos cidad�os cubanos que divergem do sistema pol�tico vigente. Deve-se mencionar, em segundo lugar, a pol�tica de intimida��o do Estado cubano contra os advogados de defesa das pessoas detidas por motivos de ordem pol�tica, que correm o risco de serem acusados em repres�lia, apenas pelo fato de exercer esta defesa. Deve mencionar-se, por �ltimo, a impossibilidade f�sica em que se encontram, em muitos casos, as v�timas de viola��es dos direitos humanos para apresentar queixas ou apresentar recursos.

 

D. DIREITO � VIDA

 

49. O primeiro artigo da Declara��o Americana de Direitos e Deveres do Homem consagra o direito � vida, assinalando que "Todo ser humano tem direito � vida, � liberdade e � seguran�a de sua pessoa." De sua parte, a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos considerou, al�m disso, que o direito � vida � "o fundamento e sustento de todos os demais direitos"16/, sustentando que o mesmo

 

jamais pode ser suspenso. Os governos n�o podem empregar, sob nenhum tipo de circunst�ncias, a execu��o ilegal ou sum�ria para restaurar a ordem p�blica. Este tipo de medidas est� proscrito nas Constitui��es dos Estados e nos instrumentos internacionais que protegem os direitos fundamentais do ser humano.17/

50. A Comiss�o tamb�m assinalou que "a obriga��o de respeitar e proteger o direito � vida � uma obriga��o erga omnes, isto �, deve ser assumida pelo Estado cubano — da mesma forma que todos os Estados membros da OEA, sejam ou n�o partes da Conven��o Americana sobre Direitos Humanos — diante da comunidade interamericana como um todo, e diante de todos os indiv�duos sujeitos � sua jurisdi��o, como diretos destinat�rios dos direitos humanos reconhecidos pela Declara��o Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Tal instrumento internacional, apesar de n�o ser legado inalien�vel, consagra princ�pios e regras gerais do Direito Internacional consuetudin�rio".18/

 

51. Dentro desse contexto, a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos deve manifestar que, durante o per�odo coberto pelo presente relat�rio, recebeu numerosas den�ncias que d�o conta de viola��es do direito � vida por parte de agentes do Estado cubano. Assim, um caso que se reveste de particular gravidade � o da derrubada de dois avi�es civis da organiza��o "Irm�os para o Resgate", por parte de duas aeronaves militares cubanas. Com efeito, no dia 24 de fevereiro de 1996, �s 15h21 e 15h27, respectivamente, duas aeronaves MIG 29 da For�a A�rea Cubana derrubaram dois avi�es civis desarmados da organiza��o "Irm�os para o Resgate"19/, os quais se dispunham a resgatar navegantes cubanos. O ataque aos avi�es — segundo um relat�rio da Organiza��o de Avia��o Civil Internacional — ocorreu no espa�o a�reo internacional, e causou a morte dos cidad�os norte-americanos Carlos Costa e Mario de la Pe�a; um cidad�o norte-americano nascido em Cuba, Armado Alejandre; e um residente dos Estados Unidos de nacionalidade cubana, Pablo Morales.

 

52. A este respeito, a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos deve manifestar que possui um processo em tramita��o sobre os fatos ocorridos no dia 24 de fevereiro de 1996, sobre o qual adotar� uma decis�o oportunamente.

 

53. Outro dos casos graves de viola��o ao direito � vida � a execu��o extrajudicial do preso pol�tico Erasm�n Quesada Alvarez, de 25 anos de idade, o qual encontrava-se cumprindo pena na pris�o de "Kilo-7", localizada na cidade de Camaguey. Segundo as informa��es prestadas, os fatos ocorreram no m�s de julho de 1996, em circunst�ncias sob as quais a v�tima recebeu permiss�o para sair da pris�o, atrav�s de uma permiss�o especial, para visitar sua fam�lia. Ao observar que Erasm�n Quesada Alvarez n�o regressava � pris�o dentro do limite de tempo permitido, agentes da Seguran�a do Estado o procuraram, irrompendo em seu domic�lio, procedendo � sua execu��o naquele instante mediante v�rios tiros de arma de fogo. Este fato fez, como consequ�ncia, que um grupo de ativistas de direitos humanos se reunisse para protestar no dia 18 de julho de 1996, no povoado de C�spedes, Prov�ncia de Camaguey.

 

54. A Comiss�o Interamericana foi informada, da mesma forma, que no dia 14 de setembro de 1996, Renso Salvello Gallego, de 29 anos de idade, que residia na Rua 110, N�mero 5111, entre as avenidas 51 (Marianao) e 59 (Ciudad Habana), foi morto em plena via p�blica por um Tenente da Pol�cia, de sobrenome Mari�o, chefe do setor policial desta �rea. Assinalou-se que tal oficial deteve Salvello quando o mesmo transitava de bicicleta pelo seu bairro, e sem lhe dirigir palavra alguma, apontou sua arma para ele e disparou um proj�til que atravessou sua cabe�a, causando sua morte de maneira instant�nea. Os familiares da v�tima manifestaram que, presumivelmente, o oficial teria confundido o jovem com alguma outra pessoa. Entretanto, a Associa��o de Luta contra a Injusti�a Nacional emitiu um comunicado assinalando, inter alia, que "Atos desta natureza ocorrem com freq��ncia no territ�rio nacional, porque � a impunidade que os provoca. Exemplo disso constitui a atitude reincidente deste militar, que em ocasi�es anteriores cometeu atos semelhantes".

 

55. A Comiss�o tamb�m foi informada de que Iv�n Agramonte Arencibia, de 28 anos de idade, morador da San Leonardo, esquina com San Indal�cio, Reparto Santo Su�rez, em Havana, foi assassinado atrav�s de um disparo � queima-roupa depois de ter sido detido e agredido, e quando j� se encontrava algemado. Segundo depoimentos de pessoas que presenciaram os fatos, a v�tima foi assassinada no dia 24 de maio de 1996, aproximadamente �s 10h00, por um agente da pol�cia cujo nome � Iosvani Martor�n Fern�ndez, que o deteve na via p�blica quando Agramonte levava alguns quilos de p�o em sua bicicleta. Agramonte tentou fugir, mas novamente foi alcan�ado pelo oficial, que o agrediu e logo ap�s algem�-lo, disparou sua arma de fogo contra a cabe�a da v�tima. Ainda com vida, foi trasladado ao hospital "Miguel Henr�quez", onde faleceu. As informa��es indicam, da mesma forma, que a Funer�ria de Luyan�, onde o corpo da v�tima — que deixa dois filhos �rf�os — estava sendo velado estava cercada de um forte destacamento policial.

 

56. Outro dos casos que se reveste de gravidade e sobre o qual a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos tamb�m recebeu informa��o � o de Estanislao Gonz�lez Quintana, que morreu sob as circunst�ncias onde se encontrava detido desde o dia 8 de setembro de 1995 na Unidade Policial de Consolidaci�n del Sur, Pinar del Rio, para onde havia sido trasladado sob a acusa��o de "atividade econ�mica il�cita". Segundo os familiares de Gonz�lez Quintana, no dia 12 do mesmo m�s e ano, eles foram informados por tal unidade policial que o detido havia morrido por causa de um ataque card�aco. No entanto, ao expor-se o cad�ver da v�tima na funer�ria, p�de-se observar — segundo as informa��es prestadas — que o mesmo apresentava hematomas e uma profunda fenda na frente.

 

57. As informa��es que foram prestadas � Comiss�o Interamericana d�o conta de que estes casos n�o s�o — de modo geral — devidamente investigados e os autores materiais dos fatos n�o s�o punidos.

 

58. A Comiss�o Interamericana deve manifestar sua profunda preocupa��o por estes fatos, que n�o fazem mais do que confirmar que o Estado cubano � respons�vel internacionalmente, n�o somente pela pr�tica de atos il�citos, mas tamb�m por sua omiss�o. Com efeito, o Estado cubano � respons�vel pela comiss�o quando seus agentes cometem atos que atentam contra os direitos essenciais da pessoa humana. Estes s�o direitos que t�m o status de jus cogens, isto �, que s�o normas perempt�rias do Direito Internacional e, portanto, n�o-anul�veis. A Comiss�o Interamericana deve manifestar, da mesma forma, que t�o-somente o fato de a legisla��o cubana punir o homic�dio n�o � garantia suficiente do direito � vida, j� que � indispens�vel que o Estado a aplique rigorosamente e n�o d� aval ou ampare o assassinato. A doutrina dos versados em mat�ria de direito internacional dos direitos humanos � muito ampla quando se trata de analisar as obriga��es que os Estados t�m de velar pelo respeito � vida. Desta forma, por exemplo, o jurista venezuelano, Doutor H�ctor Fa�ndez Ledesma, manifesta que:

 

Substancialmente, o direito � vida tenta proteger o cidad�o da a��o caprichosa que tem det�m o poder do Estado e que, abusando desse poder, pode sentir a tenta��o de dispor da vida de quem possa estorvar-lhe ...

... deve observar-se que ela [o direito � vida] implica para o Estado duas obriga��es diferentes: de uma parte, a consequ�ncia �bvia, � que as autoridades do Estado, e em particular os corpos policiais e militares, devem abster-se de ocasionar mortes arbitr�rias; por outro lado, esta garantia implica, igualmente, o dever do Estado de proteger �s pessoas de atos de particulares que possam atentar arbitrariamente contra sua vida, punindo os mesmos de forma que possa dissuadir ou prevenir tais atentados. 20/

59. Entende a Comiss�o Interamericana de Direitos Humanos que o Estado cubano poderia tamb�m incorrer em responsabilidade internacional por omiss�o se — nos casos previstos ao largo deste cap�tulo — ele n�o investiga os fatos com a devida dilig�ncia, a fim de punir os respons�veis das viola��es dos direitos humanos e outorgar uma justa repara��o �s v�timas. A Comiss�o calcula, da mesma forma, que a repara��o pelas viola��es dos direitos humanos tem o prop�sito de aliviar o sofrimento das v�timas e fazer justi�a mediante a elimina��o ou corre��o, no poss�vel, das conseq��ncias dos atos il�citos e a ado��o de medidas preventivas e dissuas�rias a respeito das viola��es.


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3 . A Situa��o dos Direitos Humanos em Cuba, S�timo Relat�rio, CIDH, OEA/Ser.L/V/II.61, Doc.29 rev. 1, (1983) par�grafo 32, p�gina 13.

4 . A parte dispositiva da resolu��o N� VI da Oitava Reuni�o de Consulta de Ministros de Rela��es Exteriores da OEA estabelece o seguinte:

1. Que a ades�o de qualquer membro da Organiza��o dos Estados Americanos ao marxismo-leninismo � incompat�vel com o Sistema Interamericano e o alinhamento de tal Governo com o bloco comunista quebranta a unidade e solidariedade do hemisf�rio.

2. Que o atual Governo de Cuba, que oficialmente identificou-se como um Governo marxista-leninista, � incompat�vel com os princ�pios e prop�sitos do Sistema Interamericano.

3. Que esta incompatibilidade exclui o atual Governo de Cuba de sua participa��o no Sistema Interamericano.

4. Que o Conselho da Organiza��o dos Estados Americanos e os outros �rg�os e organismos do Sistema Interamericano adotem, sem demora, as provid�ncias necess�rias para cumprir esta Resolu��o.

O texto completo da Resolu��o VI encontra-se na "Oitava Reuni�o de Consulta de Ministros de Rela��es Exteriores para servir de �rg�o de Consulta na Aplica��o do Tratado Interamericano de Assist�ncia Rec�proca, Punta del Este, Uruguai, de 22 a 31 de janeiro de 1962, Documentos da Reuni�o", Organiza��o dos Estados Americanos, OEA/Ser.F/II.8, doc.68, p�ginas 17-19. Esta resolu��o foi adotada pelo voto de catorze pa�ses a favor, um contra (Cuba) e seis absten��es (Argentina, Bol�via, Chile, M�xico e Equador).

5 . A Situa��o dos Direitos Humanos em Cuba, S�timo Relat�rio, CIDH, OEA/Ser.L/V/II.61, doc.29 rev. 1, (1983) par�grafo 35, p�gina 14.

6 . O �ltimo relat�rio que d� conta da situa��o dos direitos humanos em Cuba foi publicado pela CIDH no cap�tulo IV de seu Relat�rio Anual de 1994.

7 . CIDH, Relat�rio Anual de 1994, Cap�tulo IV, p�gina 174, OEA/Ser.L/V/II.88, doc. 9 rev., 17 de fevereiro de 1995.

8 . CIDH, Relat�rio Anual de 1994, p�gina 174.

9 . Cuba possui, aproximadamente, 11 milh�es de habitantes.

10 . Como resultado deste sistema, os principais peri�dicos, como o Granma (�rg�o oficial do Partido Comunista), Juventud Rebelde (�rg�o da Uni�o de Jovens Comunistas), e Trabajadores (�rg�o da Confedera��o Nacional de Trabalhadores de Cuba) refletem unicamente os pontos de vista governamentais. Apenas de maneira muito limitada, estes peri�dicos d�o conta dos debates que possam ter lugar no seio dos altos �rg�os do Estado com capacidade decis�ria sobre quest�es de interesse primordial para os cidad�os, dando prioridade aos aspectos positivos da atualidade sobre os negativos.

11 . O Nuevo Herald, de 27 de abril de 1995.

12 . CIDH, Dez Anos de Atividades 1971-1981, Secretaria-Geral da Organiza��o dos Estados Americanos, Washington, D.C., 1982, p�gina 332.

13 . CIDH, A Situa��o dos Direitos Humanos em Cuba, S�timo Relat�rio, Secretaria-Geral da Organiza��o dos Estados Americanos, OEA/Ser.L/V/II.61, doc.29 rev. 1, 4 de outubro de 1983, par�grafo 2., p�gina 68.

14 . Artigo 121 da Constitui��o Pol�tica de Cuba.

15 . Artigo 16, a, do Decreto-Lei N� 81, 8 de junho de 1984.

16 . CIDH, Dez Anos... op. cit., p�gina 339.

17 . Idem.

18 . CIDH, Informe N� 47/96, Caso 11.476, "Barco Rebocador 13 de Mar�o vs. Cuba", OEA/Ser.L/V/II.93, doc. 32, 16 de outubro de 1996, par�grafo 77, p�gina 20.

19 . A Organiza��o "Irm�os para o Resgate" � uma sociedade sem fins lucrativos, fundada no dia 12 de maio de 1991 por cidad�os civis e principalmente por pilotos volunt�rios. Tal organiza��o inscreveu-se como corpora��o sem fins lucrativos nos Registros P�blicos do Estado da Fl�rida, Estados Unidos da Am�rica. De acordo com as informa��es recebidas, h� mais de cinco anos encontram-se patrulhando o Estreito da Fl�rida com o objetivo de salvar os navegantes que se lan�am ao mar para fugir de Cuba.

20 . H�ctor Fa�ndez Ledesma, Administra��o de Justi�a e Direito Internacional dos Direitos Humanos (O Direito a um Julgamento Justo), Universidade Central de Venezuela, Faculdade de Ci�ncias Jur�dicas e Pol�ticas, 1992, p�ginas 61 e 62.