E. DIREITO DE RESIDÊNCIA E DE TRÂNSITO

 

60. Um dos temas aos quais a Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem dedicado uma atenção especial em relatórios anteriores é o direito que os cidadãos cubanos têm de residir em sua própria pátria, de sair dela, e de regressar quando julguem conveniente. Neste sentido, a Comissão observa com preocupação que a legislação cubana continua sem reconhecer o direito de uma pessoa sair de seu próprio país e regressar ao mesmo, já que os cidadãos necessitam de contar com uma permissão do Ministério do Interior para sair ao estrangeiro. Cabe destacar que as autoridades cubanas de imigração continuam negando vistos por motivos políticos, afetando desta forma um direito fundamental da pessoa humana. A seguir, alguns dos casos — ocorridos durante o período coberto pelo presente relatório — que demonstram a situação imperante:

 

a) María del Carmen Acosta Rivera e Enmanuel Rodríguez Acosta encontram-se sem poder sair de Cuba devido ao fato de as autoridades de imigração não lhes outorgar a respectiva permissão. Cabe assinalar que as pessoas mencionadas possuem visto para ingressar nos Estados Unidos desde o dia 23 de fevereiro de 1996. É pertinente destacar, da mesma forma, que a permissão de entrada nos Estados Unidos foi expedida sob o Programa de Refugiados (Expediente Número 15796) e que Ernesto Rivero Gutiérrez, marido de María del Carmen Acosta, encontra-se nos Estados Unidos desde o mês de maio de 1996.

 

b) Hilda Molina Morejón e sua mãe, Hilda Morejón Serrantes, viram rejeitada sua autorização de saída temporária do país para visitar sua família residente na Argentina. É preciso assinalar que Hilda Molina Morejón renunciou, por questões ideológicas, a seu posto na direção do Centro Internacional de Restauração Neurológica.

 

c) Durante o período coberto pelo presente relatório, Elio Borges Guzmán inscreveu-se na loteria de vinte mil vistos que os Estados Unidos concedem para aqueles que desejam emigrar para esse país, e acabou sendo ganhador de um visto familiar. Apesar disso, Elio Borges, que é Engenheiro Eletrônico, formado em Economia e trabalhava como funcionário do Ministério das Comunicações, viu negada sua permissão para sair do país. Segundo as informações prestadas, o Diretor do Ministério, Carlos Martínez, citou-o em seu despacho e o chamou de "traidor", e ameaçou-o, manifestando ainda que ele só sairia do país "quando ele sentisse vontade". Cabe assinalar, da mesma forma, que um mês depois de ter sido sorteado na loteria, ele foi transferido — como castigo — para um escritório dos correios para trabalhar como entregador de telegramas, com um salário mensal de cento e dez pesos cubanos, isto é, a terça parte do que ele recebia anteriormente.

 

d) Hilda Maestre Hernández e Jean Luis Remón Labrada, de 71 e 19 anos de idade, respectivamente, receberam vistos para viajar aos Estados Unidos em fevereiro de 1995. Além disso, o Governo chileno lhes outorgou vistos de turista no dia 11 de outubro de 1995, por solicitação do Senhor Iván Van de Wyngard, ex-Gerente-Geral da Entel-Chile, que os convidou a visitar seu país. Estes vistos foram retirados da representação chilena em Havana no dia 14 de janeiro de 1996. As autoridades cubanas não lhes permitem viajar ao Chile, negando-lhes a permissão de saída. Eles não têm problemas legais nem de qualquer outra índole, que os impeça de viajar; além disso, ambos cumprem todos os requisitos oficialmente estabelecidos pelas autoridades migratórias cubanas. Assinalou-se que a negativa das autoridades cubanas corresponderia ao fato de que os pais do jovem Remón Labrada solicitaram asilo político nos Estados Unidos em maio de 1994, e por tal motivo, eles não podem viajar ao Chile, e nem a qualquer outro país.

 

e) Oswaldo e Alejandro Payá Sardiñas, do Movimento Cristão de Libertação, não podem sair do país devido ao fato de o Departamento de Imigração lhes ter comunicado em diversas oportunidades que eles estão proibidos de sair de Cuba temporariamente, e que esta disposição é por tempo indefinido.

 

f) Loreto Mérida García Navarro, Daniela María Morales García, Carlos Cano Orta e Daymara Cano Morales, familiares de Pablo Morales — um dos quatro pilotos que viajavam nos aviões abatidos pela Força Aérea cubana no dia 24 de fevereiro de 1996 — foram objeto de negativa da permissão para abandonar o país e de reunir-se com seus familiares nos Estados Unidos, apesar de contar com os vistos respectivos. Segundo as informações recebidas, Daymara Cano, de 11 anos de idade, encontra-se gravemente enferma e os familiares em Cuba não contam com os meios econômicos suficientes para lhe oferecerem a atenção médica necessária.

 

61. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi informada, da mesma forma, que tampouco foi reformado o artigo 216 do Código Penal que pune as pessoas que tentam sair do país de maneira informal. O aspecto grave desta norma baseia-se no fato de que ela não apenas determina o processo contra pessoas que são capturadas depois de haver iniciado a viagem, mas também daqueles que possam tentar fazer isso. Com efeito, o artigo 216 do Código Penal assinala textualmente o seguinte:

 

1. Aquele que, sem cumprir as formalidades legais, saia ou realize atos tendentes a sair do território nacional, incorre na punição de privação de liberdade de um a três anos, ou multa de 300 a 1.000 quotas.

2. Se, para a realização de tal fato a que se refere o parágrafo anterior, emprega-se a violência ou intimidação contra as pessoas ou força nas ações, a pena é a privação de liberdade, de três a oito anos.

62. A Comissão Interamericana também recebeu informações de que as autoridades cubanas estão aplicando, por motivos políticos, a pena de desterro e de limitação da liberdade. O artigo 42 do Código Penal estabelece que:

 

1. A pena de desterro consiste na proibição de residir-se em um lugar determinado, ou a obrigação de permanecer-se em uma localidade determinada.

2. A duração da punição de desterro é de um a dez anos.

3. A pena de desterro pode ser imposta em todos aqueles casos na qual a permanência do punido em um lugar torne-se socialmente perigosa.

4. O desterro não é aplicável às pessoas que não tenham completado 18 anos de idade.

63. De sua parte, a punição de limitação de liberdade, estabelecida no artigo 34 do Código Penal cubano assinala, inter alia, que ela "é subsidiária da privação de liberdade que não exceda três anos, e é aplicável quando, pela índole do delito e suas circunstâncias, e pelas características individuais do punido, existam razões fundamentadas para calcular-se que a finalidade da punição possa ser alcançada sem encarceramento." Durante sua execução, o punido "a) não pode mudar de residência sem autorização do tribunal; b) não tem direito a promoções nem a aumentos de salário; c) está obrigado a comparecer perante o tribunal quantas vezes seja chamado para oferecer explicações sobre sua conduta, durante a execução da punição; d) deve observar uma atitude honesta em relação ao trabalho, de estrito cumprimento das leis e de respeito às normas de convivência socialista...A punição de limitação de liberdade é cumprida sob a supervisão e vigilância das organizações de massa e sociais do lugar de residência do punido" (ênfase acrescentada).

 

64. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos deve manifestar sua profunda preocupação pela vigência destas normas do Código Penal cubano, que não fazem mais do que violar os princípios consagrados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Com efeito, o artigo VIII do mencionado instrumento internacional assinala que:

 

Toda pessoa tem o direito de fixar sua residência no território do Estado de que é nacional, de transitar por ele livremente e de não abandoná-lo exceto por sua vontade.

65. A Comissão calcula, da mesma forma, que a imprecisão e subjetividade de termos como "socialmente perigosa" e "normas de convivência socialista", utilizados pelo Código Penal cubano, constituem um fator de insegurança jurídica, e presta-se para que as autoridades cubanas cometam todo tipo de arbitrariedades. A imprecisão e a amplitude do conceito de periculosidade permite ao Estado cubano impor à força a ideologia oficial, dando lugar a injustiças e violando, desta forma, os direitos à liberdade individual, ao processo devido, à residência e ao trânsito. 21/ A Comissão Interamericana considera pertinente citar alguns casos que ilustram a situação descrita nos parágrafos anteriores:

 

a) Durante o período coberto pelo presente relatório, uma dezena de mulheres, membros do Movimento de Mães Cubanas pela Solidariedade, foram reprimidas pelo Departamento de Segurança do Estado. Um destes casos é a prisão e posterior desterro da jornalista Roxana Valdivia Castilla, que foi detida por mais de 24 horas e posteriormente levada, na qualidade de detida, ao terminal de trens da cidade de Havana, para ser então trasladada à Província Ciego de Ávila, onde foi proibida de regressar à capital do país. Segundo as informações prestadas, esta operação foi dirigida pelo Tenente Coronel Arístides. O mesmo ocorreu com a professora Aida Rosa Jiménez, também representante do Movimento de Mães Cubanas pela Solidariedade. Ao chegar à província de Camaguey, a professora foi detida, interrogada e posteriormente levada ao terminal de trens, onde ela foi proibida de permanecer em Camaguey, com a ameaça de que sua próxima entrada nessa província seria para cumprir pena de prisão pelo delito de "associação ilícita", já que ela estaria acusada de organizar o movimento de mães e esse grupo não está legalizado. Cabe assinalar, da mesma forma, que Aida Rosa Jiménez ia em companhia da ativista Olga Montero Rodríguez, que foi obrigada a manter-se no terminal de trens e cuidar de seu traslado à capital por seus próprios meios. É importante destacar que essa não é a primeira oportunidade em que a ativista Aida Rosa sofre hostilizações de parte da Segurança do Estado, já que em princípios de 1995 ela foi vítima de desterro dentro de Cuba, no Município de Camanjuaní, Província de Villaclara, junto com a ex-presa política Marta María Vega Cabrera.

 

b) María Antonia Escobedo Yáser, membro do Conselho Coordenador do Concílio Cubano, foi detida no dia 16 de fevereiro de 1996, conduzida à unidade policial de Altahabana, na cidade de Havana, e obrigada a regressar a seu lugar de residência em Santiago de Cuba.

 

c) Alfrans Ossiel Gómez Alemán, membro do Partido Democrata-Cristão Cubano, permaneceu detido de 6 a 9 de janeiro de 1996 no Departamento da Segurança do Estado "Versailles", Província de Matanzas, onde registraram uma ata de advertência contra ele por "associação ilícita". Posteriormente, foi detido de 12 a 15 e de 24 a 26 de fevereiro de 1995, e trasladado novamente ao Departamento da Segurança do Estado, onde o ameaçaram de processo por desacato às autoridades se ele voltasse a entrar na capital, e o desterraram à sua província de origem. Uma vez mais, foi detido entre os dias 16 e 18 de março desse ano no Município de Colón, Matanzas, por enviar uma carta ao Conselho de Estado denunciando as represálias contra membros do Concílio Cubano.

 

d) Rafael Solano e Julio Martinez, jornalistas do Habana Press, foram detidos durante várias horas na cidade de Havana. Solano e Martínez foram advertidos a cessarem suas atividades como jornalistas independentes, já que do contrário poriam fim mediante métodos violentos ao jornal onde eles trabalhavam, juntamente com o Buró de Prensa Independiente de Cuba. Retiraram o automóvel de Solano de circulação, com o que limitaram seus movimentos, já que vive nos arredores da cidade. Como consequência da hostilização a que foi submetido, Rafael Solano manifestou que o "Habana Press continuará na primeira linha de combate pela liberdade de imprensa e de idéias em Cuba, e somente desaparecerá quando todos os seus integrantes estiverem presos ou desaparecidos na constelação de cárceres e lugares de reclusão com os quais conta o regime comunista cubano".

 

66. Também durante o curso do período coberto pelo presente relatório, a Comissão Interamericana recebeu informações de que o tempo máximo de estadia no exterior, de maneira temporária, é de 11 meses, e a saída definitiva vai acompanhada de medidas confiscatórias. Da mesma forma, os cidadãos cubanos que residem no estrangeiro necessitam de uma permissão especial para cada entrada, cuja tramitação sujeita-se ao pagamento de altas tarifas, para os padrões cubanos. Tais permissões de estadia também podem ser de curta duração (15 dias, 1 mês) e são exigidos independentemente de qual seja o país de residência.22/

 

67. A Comissão Interamericana foi informada, da mesma forma, que continua sendo extremamente difícil emigrar — mesmo que não seja formalmente proibido — para os médicos e certas outras categorias de técnicos, a menos que sejam de idade avançada, e lhes restando poucos anos de atividade produtiva. Restringe ainda mais a possibilidade de emigrar o fato de que quem desejar fazê-lo deve abandonar seus bens e renunciar a seu emprego.

 

68. Outro dos assuntos que sempre foram objeto de preocupação para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos é a situação dos navegantes cubanos que, ano após ano, lançam-se ao mar em busca de melhores perspectivas de vida. Assim, a Comissão manifestou que em 1993 chegaram às costas dos Estados Unidos da América 3.656 navegantes, calculando-se por alto que apenas um em cada três foi bem sucedido em seu intento. Tal cifra aumentou consideravelmente no curso de 1994, especialmente depois de que, em princípios do mês de agosto desse ano, os guarda-costas e policiais cubanos permitiram a saída em massa da ilha de toda pessoa que lançou-se ao mar em precárias embarcações. Com efeito, a cifra correspondente a 1994 é de 30.000 pessoas.23/

 

69. As fontes de informação com as quais conta a Comissão Interamericana indicam que os acordos migratórios assinados no curso de 1995 entre Cuba e os Estados Unidos têm como principal objetivo impedir que esse fenômeno siga ocorrendo. O compromisso do Governo dos Estados Unidos consiste em devolver à ilha todos aqueles cubanos que sejam interceptados no mar, em vez de lhes facilitar a entrada, como era a prática até o ano de 1994. De sua parte, o Governo cubano compromete-se a não praticar represálias contra essas pessoas ou contra aquelas que solicitem vistos para deixar o país.24/ Não obstante, a Comissão tem sido informada que na prática, as pessoas repatriadas — ainda que não sejam processadas — continuam sendo objetivo de todo tipo de discriminação por motivos políticos, especialmente quando se trata de conseguir emprego.

 

70. De acordo com o assinalado, a Comissão Interamericana considera que o Estado cubano continua restringindo o direito de residência e trânsito, consagrado na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. O controle exercido pelo estado cubano tem, evidentemente, conotações políticas, já que os mais afetados são os que manifestam posições críticas em relação ao grupo que está no poder. Cabe assinalar, da mesma forma, que o direito de residência e trânsito não está reconhecido na Constituição, o qual constitui uma anomalia que deveria ser corrigida.

 

V. AS CONDIÇÕES PENITENCIÁRIAS

 

71. Em seu Relatório de 1994, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos manifestou sua preocupação com "as graves condições carcerárias e o tratamento deliberadamente severo e degradante que o Governo cubano concede aos presos, fatos que configuram sérias violações aos direitos humanos".25/ A esse respeito, a Comissão lamenta ter que manifestar que tal situação não mudou. Muito pelo contrário, a Comissão deve manifestar que durante o período coberto pelo presidente relatório, as denúncias recebidas em relação às graves condições às quais, diariamente, é submetida a população carcerária em Cuba, sobrepassam amplamente às que se dão conta das violações de outros direitos consagrados na Declaração Americana.

 

72. Com efeito, a superlotação, as péssimas condições higiênicas, a escassez e a baixa qualidade dos alimentos, a deficiente atenção médica, os espancamentos, a internação em células solitárias — com portas vedadas e sem acesso à luz —, a convivência dos presos comuns com aqueles encarcerados por motivos políticos e dos condenados com os detidos, as visitas familiares limitadas, etc, são algumas das condições imperantes nos cárceres cubanos. As fontes de informação dão conta, da mesma forma, da existência de 294 prisões e campos de trabalho correcional em todo o país, com cerca de 100.000 a 200.000 presos de todas as categorias.26/ Por outro lado, a Comissão Interamericana também foi informada de que, no mês de julho de 1996, existiriam aproximadamente 1.173 pessoas processadas por delitos com conotações políticas.27/

 

73. Existem, de sua parte, seis prisões de segurança máxima em Cuba. A. Combinado del Este (Havana); B. Cinco y Medio (Pinar del Río); C. San Severino (Matanzas); D. Santa Clara (Las Villas); E. Kilo Siete (Camaguey); e F. Boniato (Oriente). As granjas são centros de detenção cercados por arames farpados e guardas armados e as frentes abertas são lugares de trabalho no campo ou na cidade, onde a segurança é mínima. Assinalou-se que os presos das "granjas" produzem os elementos pré-fabricados para a construção, e os presos das "frentes abertas" os montam. As três etapas de reclusão são de máxima, menor e mínima segurança, correspondendo ao cárcere, à granja, e à frente aberta.

 

74. A base do sistema penal cubano é a defesa social. A função das punições é proteger o grupo das pessoas consideradas "socialmente perigosas" e buscar a reeducação do punido. Por outro lado, o tratamento penitenciário durante a privação de liberdade estabelece, teoricamente, que deve-se remunerar os punidos pelo trabalho socialmente útil que eles realizem; que eles sejam providos de roupas e calçados apropriados; que lhes seja facilitado o repouso diário normal e um dia de descanso semanal; que lhes seja proporcionada assistência médica e hospitalar, em caso de doença; que lhes seja concedido o direito de obter as mensalidades a longo prazo da seguridade social, nos casos de invalidez total oriunda de acidentes de trabalho. Se o detento falecer por acidentes de trabalho, sua família receberá a pensão correspondente. Que lhes seja dada a oportunidade de receber e ampliar sua preparação cultural e técnica; que lhes seja proporcionada, na medida e forma estabelecidas nos regulamentos, a possibilidade de trocar correspondência com pessoas que não estejam detidas em centros penitenciários, e de receber visitas e artigos de consumo; que, segundo seu comportamento, e na medida e forma estabelecidas pelos regulamentos, lhes seja autorizado fazer uso do pavilhão conjugal; que lhes sejam concedidas licenças extra-penais por tempo limitado; que lhes seja dada a oportunidade e meios de desfrutar de recreação e praticar esportes, de acordo com as atividades programadas pelo estabelecimento penitenciário, e que eles sejam promovidos de um regime penitenciário a outro de menor severidade.28/

 

75. Na prática, a situação é completamente distinta. A Comissão Interamericana tem recebido depoimentos e informações sobre diversas prisões, entre as quais está o "Combinado del Este", que é a mais grave do país e está localizada aproximadamente a 18 quilômetros de Havana. O depoimento transcrito a seguir é um relatório de uma organização não-governamental com sede em Cuba, realizado no mês de junho de 1995:29/

 

Durante uma visita recente efetuada pelo senhor Esteban Lazo — alto dirigente do Partido Comunista — à prisão do Combinado del Este, em Havana, as autoridades estiveram até às 2 da manhã colocando lâmpadas novas de luz fria. Os casos de reclusos conflitivos foram transferidos para salas do terceiro andar. O Senhor Lazo foi apenas até o segundo andar. A ordem que foi dada nas salas desta prisão foi de que todo mundo se mantivesse em seus postos, escrevendo e simulando algum trabalho para que a cena fosse perfeita e desse a impressão aos visitantes de que eles estavam sendo úteis. Nesse dia, o almoço para o pessoal trabalhador foi de arroz misto com carne de vaca, porco, lingüiça e pão, salada mista de coles, tomates e cenouras. Houve refrescos e biscoitos. Em todos os momentos, o Senhor Lazo esteve acompanhado de um séquito de mais de trinta oficiais. Estas visitas nunca revelam deficiências nas penitenciárias onde são efetuadas.

Enquanto isso, na penitenciária, os edifícios têm problemas de construção, e por isso são úmidos e frios, existindo nos mesmos numerosos casos de tuberculose. A população carcerária, em cerca de oitenta por cento, é de jovens com menos de 35 anos de idade. A maioria tem ali um ou mais familiares presos. Esta prisão possui muitos milhares de reclusos, o que a torna a maior do país. Muitos deles entram por seis meses e ali são acrescentadas outras causas. Mais de cinquenta por cento são reincidentes.

A falta de medicamentos é alarmante. Os pacientes no hospital são maltratados, e por causa disso alguns já morreram. Em torno de várias centenas de presos já foram internados por desnutrição, pôde-se ficar sabendo da existência de uma epidemia de conjuntivite e hepatite. Os presos asmáticos queixam-se da falta de medicamentos para os períodos de crise. Também sabe-se de presos que estão dormindo no chão. Há presos com perdas de dentes e cabelos. Outros tiveram que ser internados em várias ocasiões por desnutrição. Os reclusos internados queixam-se de debilidade e pedem comida. Não querem entrar na enfermaria, mas sim que sejam levados ao pátio para comer laranjas, pois têm fome. Caminham apoiando-se nas paredes e arrastando os pés, pálidos e fracos ao extremo, com as calças caindo.

Pôde-se ficar sabendo que presos aqui tornaram-se inválidos por neuropatia. Também existe o caso do preso Omar Linares, que morreu depois de haver sido internado no hospital do Combinado del Este. Linares foi internado no dia 23 [de junho de 1995] com dores abdominais e muito pouco peso, quase cadavérico. No dia 27 desse mês [e ano] ele morreu. O mais triste desse caso é que ele havia cumprido sua pena desde o dia 22 e não havia sido liberado. Segundo os familiares, tinha sido diagnosticado com úlcera e seu estado era de desnutrição severa que, ao perfurar a úlcera, levou à morte do detento.

No que já passou deste ano, faleceram no Combinado del Este cerca de dez presos, os quais encontravam-se em bom estado de saúde. Perderam a vida por "mortes naturais". A isto somam-se os suicídios de menores por causas desconhecidas. A comida consiste batata doce, duas colheradas de macarrão por pessoa e uma banana-da-terra fervida que os presos comem com casca, o que lhes provoca diarréias com sangue.

Por outro lado, os reclusos que trabalhavam no conserto da sala de operações, no dia 25 de abril receberam arroz com peixes podres, sendo insuportável a fedentina que emanava, e na panela de comida havia grande quantidade de vermes. Os presos protestaram e negaram-se a trabalhar na tarde desse dia.

76. De sua parte, outro informe sobre a prisão de La Manga, província Granma, descreve a situação dos presos políticos assim:30/

 

Colocam-nos com delinqüentes que são de alta periculosidade, são pessoas que apresentam problemas de personalidade e inclusive psiquiátricos. Em muitos casos, a Segurança do Estado, valendo-se da situação que apresentam estas pessoas, e dos baixos valores morais que elas têm, as utilizam para ultrajar nossa dignidade. Muitos são utilizados pela Segurança do Estado como informantes, lhes prometem benefícios para prestem informações sobre o que nós falamos e os autorizam a nos agredir, se nos ouvem falando mal do Presidente da República. Por outro lado, as autoridades da penitenciária criaram um sistema segundo o qual determinados presos estão encarregados de velar pela disciplina dos demais, em troca de certos privilégios. São pessoas violentas, sem escrúpulos, de alta periculosidade, que implantam um rigor excessivo. Por qualquer detalhe de indisciplina cometido por um preso, ele é ultrajado, ofendido com palavras difamantes, e até mesmo golpeado com selvageria... Somos levados a severos interrogatórios por informações falsas dadas pelos presos comuns, além disso somos ameaçados de morte... Àqueles entre nós que são cristãos, nos ameaçam com processos comuns por estarmos fazendo, segundo as autoridades, "trabalho de proselitismo"; além disso, nos é negado o serviço religioso porque nos dizem que nós utilizamos isto com fins políticos... A alimentação é mal elaborada, muitas vezes o peixe que nos dão estão em estado de decomposição, o que nos causa sérios problemas de digestão.31/

77. Os depoimentos recebidos pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos refletem a gravidade da situação carcerária em Cuba, e não fazem nada mais do que confirmar que o Estado cubano não adotou medida alguma para cumprir com as regras mínimas internacionais para o tratamento dos detentos, instrumento internacional aprovado pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas no dia 31 de julho de 1957. Mais ainda, a Comissão Interamericana considera que estes fatos e os que são citados a seguir constituem graves violações dos direitos humanos:

 

a) Na prisão Combinado de Guantánamo, província do mesmo nome, no extremo oriente do país, foram registrados espancamentos em detentos, entre elas ao preso político Raúl Ayarde Herrera. Ayarde foi agredido enquanto estava algemado e foi abandonado sangrando e inconsciente dentro de uma cela. Ao mesmo tempo, lhe foram negados os cuidados médicos.

 

b) Na prisão Nieves Morejón, da província de Sancti Spiritu, foram registrados contínuos espancamentos dadas nos presos pelos carcereiros conhecidos como Raunel, Chinea, Pionero e Nazco, entre outros.

 

c) Na prisão Cerámica Roja, de Camaguey, "as intimidações, maus tratos, espancamentos e outros desmandos e abusos são cotidianos", segundo afirmam presos políticos desta penitenciária. O suboficial Eduardo Gómez agrediu brutalmente os presos Eisler Jiménez Díaz, Carlos Rudiz Díaz e Víctor Zaldívar Robles, o qual teve seu crânio partido com um desamuador. Zaldívar Robles, de 24 anos de idade, que encontra-se ainda aguardando julgamento, é vizinho de Manuel Fajardo no povoado de Sibanicú. Dessa forma, Armando Alonso, que está na prisão por regressar clandestinamente, foi agredido com bastões durante uma busca dada em sua cela.

 

d) Na prisão Kilo &, também em Camaguey, no dia 2 de março de 1995, Jesús Peña Pedraza foi agredido pelo Sargento Evelio Avila Urra. O detento Jorge Lis García foi agredido pelo subtenente Rafael Fonseca Lorente, e pelo Chefe do Destacamento Nº 6, Tenente Arterio Aguilera Pando. O Suboficial Manzanillo, chefe de seção, deu uma brutal golpiza no preso Juan Miguel López Acosta, deixando-o com marcas pronunciadas no corpo.

 

e) Na prisão Kilo 8, também na província de Camaguey, o preso Samuel Simpson morreu em consequência de uma golpiza. Também foram agredidos os reclusos José Alejandro Alvarez; Lázaro Urra Herrera; Jorge Andrés González Ramos. No dia 3 de agosto de 1995, o detento Bárbaro Tererán jogou-se do telhado da prisão, para onde tinha escalado, quando viu que vários guardas dispunham-se a agredi-lo. Não obstante a gravidade de seu estado, ele foi agredido por ordem do chefe de seção, o suboficial Velázquez. Transferido para o Hospital Amalia Simoni, foram registradas fraturas de coluna e clavícula em seu corpo.

 

f) Na granja penitenciária La 40, localizada na Carretera de Nuevitas, o Capitão Rogelio Pérez Cruz espanca os detentos, a quem ofende e humilha.

 

g) Na granja penitenciária San José de la Carretera de Santa Cruz, o preso político Miguel Angel Velazco Fernández foi agredido por Osvaldo Hernández Rodríguez, vice-chefe de tal granja.

 

h) Na prisão Combinado Sur de Matanzas, o detento Jorge Rodríguez foi enviado, ensangüentado, a uma cela solitária depois da brutal golpiza a que foi submetido pelo oficial Santana. Também foram agredidos os portadores de deficiência Alípio Basulto Echeverría; Jorge Ignacio Socarrás, Elizardo Jardín Zamora, morador de Marín Nº 23, Matías, Santiago de Cuba; Alexis González Ruíz, morador da Carretera Los Pilones Nº 11. Sierra Cubitas, Camaguey; Yasdubal Méndez, morador da Velarde Nº 172, Matanzas. Os cinco últimos ainda aguardam a realização de julgamento.

 

i) Na prisão de Guanajay, da província de Havana, registrou-se a golpiza dada pelo Tenente Orozco ao detento comum Ramón Ramos, que ficou inconsciente. Também foram agredidos os presos políticos Carlos Novoa Ponce, Angel Prieto Méndez e José Antonio Sora Salinas.

 

78. A exposição realizada permite que a Comissão Interamericana considere que a administração de espancamentos, longe de constituir incidentes isolados, é utilizada habitual e sistematicamente por agentes do Estado cubano como meio de castigo ou de intimidação. O grave disso é que, segundo as informações prestadas, as queixas por maus tratos dirigidas às autoridades competentes nunca prosperam. Cabe assinalar que o artigo 30.1, do Código Penal dispõe que:

 

O punido não pode ser objeto de castigos corporais, nem é admissível empregar contra ele medida alguma que signifique humilhação ou que redunde em menoscabo de sua dignidade.

79. Torna-se claro, então, à luz dos fatos e do direito expostos anteriormente, que o Estado cubano não apenas viola os princípios e normas consagradas nos diferentes instrumentos internacionais de direitos humanos, mas que além disso, descumpre suas próprias leis, vulnerando desta forma o direito à integridade pessoal dos detentos. Da mesma forma, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos deve manifestar sua profunda preocupação pela falta de cuidados médicos ou a insuficiência dos mesmos nos cárceres e outros centros de reclusão, reiteradamente denunciadas, e que em muitos casos gerou, como consequência, a morte ou lesões permanentes das vítimas.

 

 

VI. OS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

 

80. A Resolução da Nona Conferência Internacional Americana realizada em Bogotá, Colômbia, em 1948, e que deu lugar à Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, assinala em seus considerandos, inter alia, que os povos americanos "têm como fim principal a proteção dos direitos essenciais do homem e a criação de circunstâncias que lhes permitam progredir espiritual e materialmente...". A Declaração Americana consagra não somente os direitos civis e políticos, mas também os direitos econômicos, sociais e culturais.

 

81. De sua parte, a Comissão Interamericana assinalou que "uma vida livre do temor e da necessidade comporta, inevitavelmente, garantir os direitos civis e políticos, posto que através da participação popular, aqueles que são objeto da negação de seus direitos econômicos e sociais podem participar nas decisões que relacionam-se com a destinação dos recursos nacionais e o estabelecimento de programas sociais, educacionais e de saúde. A participação popular, objetivo da democracia representativa, garante que todos os setores sociais participem na formulação, aplicação e revisão dos programas nacionais. E ainda que poder-se-ia afirmar que a participação política fortalece a proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais, também é verdade que a aplicação desses direitos cria condições para que a população em geral seja capaz, isto é, de participar ativa e produtivamente no processo de tomada das decisões políticas".32/

 

82. A falta do direito à participação política, entendida como o direito de organizar partidos e associações políticas, tem sido um dos principais fatores a contribuir para a crise econômica de Cuba. A Comissão Interamericana sempre manifestou que "o debate livre e a luta ideológica podem elevar o nível social e as condições econômicas da coletividade, e excluir o monopólio do poder por um só grupo ou pessoa".33/

 

83. As cifras com as quais conta a Comissão Interamericana de Direitos Humanos assinalam que cerca de 80% do setor industrial cubano não funciona, e que cerca de 40% da população ativa está desempregada ou subempregada.34/ Como consequência disso, assinalou-se que o Estado cubano — com o fim de compensar a perda de renda — continua pagando cerca de 60% do salário aos desempregados; no entanto, esta quantidade não é suficiente para cobrir as necessidades básicas do trabalhador médio.35/ Isto obriga a tais trabalhadores — segundo as informações prestadas — empreender atividades ilegais ou a buscar trabalho no setor informal, ou nos empregos por conta própria que estão autorizados. Contribuem para restringir as opções de emprego as diversas formas de controle social estabelecidas pelo Estado, com a conseguinte seqüela de trâmites burocráticos necessários para obter-se as autorizações exigidas para mudança de emprego; no mesmo sentido atuam as modalidades de operação características de um sistema econômica — ainda — centralizado.

 

84. O Estado cubano adotou, no mês de setembro de 1995, uma Lei de Investimento Estrangeiro. Em um relatório das Nações Unidas, assinalou-se a preocupação que existe com a situação do emprego dos trabalhadores nas empresas de capital estrangeiro:

 

em particular com a falta de todo o tipo de negociação coletiva, e pela arbitrariedade que supõe que a contratação, o pagamento de salários, o término de contratos e outros aspectos do vínculo trabalhista não se realizem de forma direta entre a empresa e o empregado, mas sim através de uma entidade empregadora designada pelo Governo. Os mesmos critérios discriminatórios por motivos ideológicos que vigoram em outros âmbitos podem também ser aplicáveis no marco destas empresas, com o que o controle governamental sobre os trabalhadores mantém-se assegurado.

... os salários não são pagos diretamente aos trabalhadores, mas sim à entidade empregadora governamental que os recebe em moeda forte e posteriormente paga ao trabalhador em moeda nacional. Calcula-se que diferença entre os salários pagos pela empresa e os efetivamente pagos ao trabalhador pela entidade empregadora seja substancial, o que permite ao Estado obter substanciosos benefícios em detrimento do que o trabalhador poderia ter percebido. Além disso, a lei estabelece que, quando as empresas mistas, ou as empresas de capital totalmente estrangeiro considerem que um determinado trabalhador não satisfaz às suas exigências no trabalho, podem solicitar à entidade empregadora que o substitua por outro, sem que exista nenhuma proteção legal.36/

85. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos considera que, à luz das reformas no âmbito econômico e trabalhista, é cada dia mais necessária a presença de sindicatos livres e independentes, que defendam os direitos trabalhistas dos trabalhadores. É no campo destes direitos que a Comissão encontra a maior contradição entre os postulados ideológicos do sistema e a operação prática do mesmo. Com efeito, um dos postulados do sistema que hoje impera em Cuba é a construção do socialismo para alcançar uma sociedade igualitária sem exploradores nem explorados. No entanto, os fatos e o direito vigente permitem que as situações de exploração se multipliquem.

 

86. A Comissão de Especialistas em Aplicação de Convênios e Recomendações da Organização Internacional do Trabalho, dentro do marco da aplicação do Convênio Número 87 (Liberdade Sindical e Proteção do Direito de Sindicalização) sobe as relações entre a Central de Trabalhadores de Cuba (CTC) e o Partido Comunista, manifestou inter alia que:

 

(...) a Comissão [da OIT] insiste em que, num contexto unipartidário e de uma central sindical, poder-se-ia favorecer, na prática, ingerências externas em prejuízo da autonomia sindical.

A Comissão [da OIT] solicita ao Governo [de Cuba] que garanta, na legislação e na prática, o direito de todos os trabalhadores e empregadores sem distinção alguma, de constituir livremente organizações profissionais independentes, e fora de toda a estrutura sindical existente, se assim o desejarem (artigo 2 do Convênio Nº 87), assim como a livre eleição de seus representantes (artigo 3 do Convênio).37/

87. A grave situação econômica pela qual atravessa o país também afetou os setores da saúde, alimentação e habitação. Com efeito, a falta de equipamentos médicos e a escassez de remédios básicos são algumas das condições em que se encontram alguns dos hospitais do país. Segundo assinalou-se, os hospitais provinciais carecem de medicamentos básicos, tais como analgésicos, antibióticos, anestesia ou material de sutura. Esta situação gerou — segundo as informações prestadas — a falta de esterilização da roupa e do instrumental cirúrgico. O contraditório de tudo isto é que os produtos médicos fabricados no país destinam-se aos hospitais que prestam cuidados médicos aos estrangeiros. Nesta etapa da análise, é interessante observar o que manifesta, sobre este ponto, o Relator Especial das Nações Unidas, quando assinala que:

 

a enorme escassez de medicamentos, que a ajuda humanitária do exterior apenas contribui como paliativo, e a falta de equipamento de uma grande parte dos hospitais do país, constituem um sério motivo de preocupação para o cidadão comum que, além disso, sente-se discriminado ao constatar a existência de hospitais reservados para estrangeiros, os quais aportam divisas e nos quais os mesmos desfrutam de serviços que a ele estão vedados. Isto é ainda mais lamentável na medida em que até há poucos anos, o nível de prestação destes serviços, ao qual o cidadão comum estava acostumado, era alto.38/

88. A cartela de racionamento, mediante a qual são distribuídos os alimentos básicos, foi diminuída ostensivamente, cobrindo somente os primeiros dez dias do mês. Assinalou-se, além disso, que o mercado agropecuário livre proporciona algum alívio para a crise econômica; no entanto, os preços são demasiado altos para o salário médio no país, que é de 180 pesos mensais, aproximadamente. Por exemplo, o preço oficial do arroz é de 24 centavos por libra, mas no mercado agropecuário custa 9 pesos por libra.

 

89. A esse respeito, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos deve reiterar sua doutrina, a qual estabelece que "Quando os setores mais vulneráveis da sociedade não têm acesso aos elementos básicos para a sobrevivência que lhe permitiriam sair de sua situação, está-se praticando a contravenção voluntariamente ou está-se tolerando a contravenção do direito de ser livre de toda a discriminação e os conseguintes princípios de igualdade de acesso e eqüidade na distribuição, e o compromisso geral de proteger os elementos vulneráveis da sociedade. Além disso, se essas necessidades básicas não são satisfeitas, vê-se ameaçada diretamente a própria sobrevivência do indivíduo, o que implica o direito à vida, a segurança pessoal, e como indicou-se antes, o direito a participar nos processos políticos e econômicos".39/

 

VII. CONCLUSÕES

 

De acordo com o assinalado ao largo deste relatório, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos chegou às conclusões que são expostas a seguir:

 

90. Algumas das medidas adotadas pelo Estado cubano em matéria de direitos humanos durante o período coberto pelo presente relatório são positivas, especialmente as que tem a ver com a libertação de presos políticos. Não obstante, a Comissão espera que este passo seja o primeiro de um processo que ponha fim ao encarceramento político de ainda outras 1.173 pessoas, que encontram-se purgando condenações nos cárceres cubanos. Outra das medidas que, entende a Comissão, merecer ser destacada, é a anuência concedida pelo Estado cubano para que algumas organizações internacionais de direitos humanos verifiquem in-situ a situação desses direitos em Cuba. A Comissão julga necessário, no entanto, que essa anuência não se limite a certos grupos, mas que seja aberta a todos os organismos internacionais de direitos humanos que a solicitem, a fim de avaliar a situação imperante nesse país. Finalmente, a realização de seminários sobre direitos humanos que promovam a observância desses direitos em Cuba, é uma medida positiva que deve ser mencionada.

 

91. Estas medidas, no entanto, não constituem nos fatos nem no direito, o desejo do Estado cubano de alcançar uma reforma substantiva que permita o gozo e o exercício pleno do direito à participação política consagrada no artigo XX da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, isto é, uma reforma que permita um pluralismo ideológico e partidário, que é uma das bases do sistema democrático de governo. A urgente necessidade de avançar-se pelo caminho da democratização e do respeito aos direitos e liberdades fundamentais exige a existência de condições propícias, e é responsabilidade fundamental do Estado cubano criar essas condições. A comunidade interamericana, por sua parte, tem também a responsabilidade de contribuir para a criação dessas condições, que levem à irrestrita vigência dos direitos humanos em Cuba.

 

92. Os direitos civis e políticos dos cidadãos cubanos continuam sendo seriamente violados pelo Estado. Assim, a discriminação por motivos políticos traduz-se geralmente em violações à liberdade de expressão, reunião, e de associação, as quais trazem consigo penas de privação da liberdade, detenções temporais, hostilização, ameaças, perda de emprego, buscas no domicílio, adoção de medidas disciplinares, etc. Também é motivo de preocupação para a Comissão as fórmulas legais que continuam sendo empregadas pelo ordenamento jurídico cubano para estabelecer os limites ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidas aos cidadãos. De acordo com tais fórmulas, são os mesmos os que devem adequar esse exercício aos fins perseguidos pelo Estado; a concepção democrática é exatamente o contrário: é o Estado quem deve limitar sua ação diante dos direitos inerentes à pessoa e reduzir sua intervenção, apenas para alcançar a vigência prática dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais de todos os governados.

 

VIII. RECOMENDAÇÕES

 

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com base nas conclusões do presente relatório, formula as seguintes recomendações ao Estado cubano:

 

93. Prevenir, razoavelmente, as violações dos direitos humanos e investigar exaustivamente aqueles fatos nos quais tenha ocorrido a violação do direito à vida, a fim de identificar os responsáveis, impor a eles as punições pertinentes e outorgar aos familiares da vítima uma adequada reparação e indenização.

 

94. Adotar medidas urgentes com o fim de deixar em liberdade — sem condições — as pessoas que cumprem penas por delitos contra a segurança do Estado, associação ilícita, publicações clandestinas, periculosidade, rebelião, propaganda inimiga e outros conexos, assim como por tentar-se sair do país de maneira irregular.

 

95. Eliminar, da legislação penas, toda figura delitiva que preveja punição contra os padrões democráticos internacionalmente aceitos, a liberdade de expressão, associação e reunião, em especial os delitos mencionados no parágrafo anterior.

 

96. Eliminar, do Código Penal, os dispositivos sobre o estado perigoso, as medidas de segurança pré-delituosas e os termos "legalidade socialista", "socialmente perigosa", "normas de convivência socialista", já que sua imprecisão e subjetividade constituem um fator de insegurança jurídica que cria as condições para que as autoridades cubanas cometam arbitrariedades. Da mesma forma, eliminar, da norma penal, referência à "advertência oficial", mediante a qual ameaça-se punir os indivíduos que tenham "vínculos ou relações com pessoas potencialmente perigosas para a sociedade".

 

97. Cessar a hostilização realizada contra grupos de defesa dos direitos humanos e outros de orientação política, e permitir a legalização dos mesmos.

 

98. Reformar a Constituição Política do Estado com o fim de estabelecer uma separação de poderes que evite a relação de dependência da administração de justiça com respeito ao poder político.

 

99. Cumprir as regras mínimas internacionais para o tratamento dos detentos, e assim melhorar as condições de vida da população carcerária de Cuba. É imperativo, da mesma forma, que o Estado cubano adote medidas urgentes com o fim de evitar que as autoridades penitenciárias continuem violando o direito à integridade pessoal dos reclusos.

 

100. Adotar as medidas necessárias a fim de permitir o pluralismo ideológico e partidário para o pleno exercício do direito à participação política, de conformidade com o artigo XX da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

 

101. Ratificar os principais instrumentos internacionais de direitos humanos dos quais Cuba ainda não é parte.


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