RELATORIO SOBRE A SITUACAO DOS DEREITOS HUMANOS NO BRASIL

CAPÍTULO V



VIOLÊNCIA CONTRA OS MENORES

1. O estudo do tema dos menores foi iniciado no Capítulo III, no contexto mais geral da violência policial e dos esquadrões da morte, cujas vítimas principais são justamente as crianças e os adolescentes. Antes, na análise dos direitos sócio-econômicos (Capitulo II), foram apresentados dados que mostram as condições de pobreza e marginalidade em que uma substancial percentagem de crianças brasileiras nasce e se desenvolve na infância. No presente capítulo, serão analisados os compromissos legais do Brasil nesse campo, o tema das execuções extrajudiciais, o maltrato policial a menores, sua situação nos estabelecimentos de bem-estar e proteção, e sua exploração sexual e no trabalho.

 

A. AS OBRIGAÇÕES INTERNACIONAIS DO BRASIL PARA COM A INFÂNCIA

2. As crianças brasileiras estão legalmente protegidas tanto pela legislação interna quanto pelos tratados internacionais aos quais o Brasil se comprometeu.(26)es eêundação para o Bem Estar do Menor (FEBEM), que não está preparada para atender aos menores infratores, tanto na Capital, como no interior e o fato de que nos estabelecimentos da FEBEM não há separação dos infratores primários dos reincidentes, criando um clima em que os primários são contagiados pelo mal exemplo dos reincidentes.

3. A Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil, e que a Comissão considera como marco referencial, estabelece que os Estados partes terão, entre outras coisas, a obrigação de respeitar toda criança e garantir-lhe, dentro de sua jurisdição, os direitos estabelecidos na Convenção sem distinção de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas, nacionalidade, origem étnica ou social, propriedade, incapacidade, nascimento ou outro status da criança, de seus pais ou responsáveis legais (artigo 2).

4. A Convenção das Nações Unidas estabelece ainda a obrigação que têm os Estados partes de assegurar a criação de instituições e serviços destinados a seu cuidado (artigo 18) e de adotar as medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas para proteger as crianças de toda forma de violência física ou mental, lesão corporal, ou abuso, tratamento negligente, maltrato ou exploração, incluindo abuso sexual, enquanto permanecerem sob o cuidado dos pais, responsáveis legais ou de outras pessoas que as tenham sob seus cuidados (artigo 19).

 

B. OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NA LEGISLAÇÃO INTERNA

 5. A ampla campanha de mobilização da opinião pública que levou à reforma constitucional de 1988, sensibilizada pelos sérios problemas por que passava a infância brasileira, refletiu-se no artigo 227 da Constituição, que estabelece:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão e que o Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente.

6. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8.069/90), uma das leis mais avançadas em matéria de proteção dos menores, substituiu o Código de Menores anterior, de índole correcional, e à igualmente repressiva Política Nacional de Bem-estar do Menor. Dessa forma, o novo Estatuto, em vez de ser um instrumento de controle represivo, considera a criança e o adolescente como seres humanos em formação, "sujeitos de direitos", introduzindo inovações na política de promoção e defesa de seus direitos em todas as dimensões: física (saúde e alimentação), intelectual (direito à educação, direito à formação profissional e à proteção no trabalho), emocional, moral, espiritual e social (direito à liberdade, ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e à convivência comunitária). O Estatuto diferencia entre "criança", toda pessoa com menos de 12 anos de idade, e "adolescente", toda pessoa entre 12 e 18 anos de idade.

7. O Estatuto proclama também o direito das crianças e dos adolescentes a terem sua vida e saúde protegidas mediante a execução de políticas sociais públicas (artigo 7) e garante à mãe grávida, por meio do Sistema Único de Saúde, todo o atendimento necessário pré- e pós-natal (artigo 8).

8. A Comissão constata com satisfação a criação pelo Estatuto, de uma instituição potencialmente valiosa. Trata-se do Conselho Tutelar, órgão permanente e autônomo, não-jurisdicional, que deve existir em todo município para zelar pelos direitos da criança e do adolescente. Compõe-se de cinco membros eleitos pelos cidadãos locais para um mandato de três anos reelegíveis. São atribuições do Conselho Tutelar, entre outras, aplicar medidas de proteção ou de índole social e educativa, e atender e aconselhar aos pais ou responsáveis. Esta atribuição inclui a faculdade de determinar aos pais ou responsáveis que se submetam a tratamento psicológico ou psiquiátrico; obrigá-los a matricular os menores na escola; ordenar que lhes providenciem tratamento especializado; fazer advertências; determinar a perda da guarda ou tutela e a suspensão ou perda do pátrio poder. Entre as atribuições desses conselhos se encontram também: promover a execução de suas decisões; passar ao Ministério Público informações sobre fatos que constituam infração administrativa ou penal contra os direitos da criança e do adolescente; e encaminhar à autoridade judicial os casos de sua competência.

9. Cabe observar, todavia, que até setembro de 1994, ou seja, decorridos mais de 4 anos depois da publicação do Estatuto no Diário Oficial, apenas cerca de 27% dos municípios tinham criado seus Conselhos Tutelares.

10. Apesar de o Estatuto da Criança e do Adolescente representar inegável progresso no campo da proteção à infância, sua aplicação prática tem encontrado resistência em alguns setores da população. Essa resistência diz respeito, sobretudo, à reorganização das práticas de atendimento direto às crianças e aos adolescentes que vivem da prática de delitos e em situação de risco social. Conquanto esses menores necessitem de atenção e cuidados especiais, esses setores consideram que sua situação deve ser tratada como problema de segurança pública e defende, portanto, sua reclusão longe da sociedade e repressão por meio de enérgica ação policial.

11. O Ministério da Justiça, que exerce a presidência do Concelho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente(CONANDA), reconhece que a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente é ainda incipiente, e convocóu a II Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente(Brasília, 17 a 20 de Agosto de 1997), com objetivo de avaliar e fazer recomendações sobre a implementação e o funcionamento dos conselhos de direitos e conselhos tutelares.

12. Informa o Governo que, com a implementação do UNICEF, O Ministério da Justiça formulou e está executando o "Plano de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente", buscando operacionalizar as recomendações do Programa Nacional de Direitos Humanos. Todos os estados da Federação elaboraram, em 1996, planos similares na sua esfera de competência, convalidados pelos respectivos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente. Os estados estão recebendo apoio técnico e financeiro do Ministério da Justiça para a implementação dos referidos planos.

 

C. O DIREITO À VIDA À INTEGRIDADE DOS MENORES

Execuções extrajudiciais de crianças e adolescentes

13. Tanto a Convenção Americana como a Constituição da República Federativa do Brasil garantem a vida e integridade física, psíquica e moral das pessoas, e a Constituição contempla como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil o de:

promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

14. A Constituição estabelece em seu artigo 227 que "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, ... à dignidade, ... além de colocá-los a salvo de toda forma de ... violência, crueldade e opressão". O Estatuto da Criança e do Adolescente reitera essas garantias. Isso significa que a legislação de menores no Brasil constitui um quadro formal adequado para proteger a vida e a integridade pessoal do menor, à luz das obrigações derivadas da Convenção Americana.

15. A realidade, lamentavelmente, oferece um panorama diverso. Com efeito, não obstante essas normas absolutamente claras, nas periferias das cidades brasileiras se encontram milhões de crianças e adolescentes moitos de elos em situação de risco pessoal e social, fazendo das ruas "seu espaço de luta pela sobrevivência" ou "seu espaço de moradia". Calcula-se que na cidade do Rio de Janeiro cerca de 30 mil crianças freqüentam diariamente as ruas e que cerca de 1.000 fazem delas sua casa. Em São Paulo, estima-se entre 5 mil a 20 mil o número de crianças que passam o dia nas ruas da Grande São Paulo, retornando a suas casas à noite.

16. Esses menores provêm geralmente de famílias que emigraram de zonas rurais empobrecidas para os centros metropolitanos, em cujas periferias passaram a morar em condições abaixo dos padrões mínimos de bem-estar e dignidade. Nesse quadro, os filhos menores muitas vezes são obrigados a trabalhar para contribuir para a subsistência familiar. Embora muitas destas crianças levam ou tentam levar uma vida normal e respeitam a lei, um percentual importante de "meninos nas ruas" e de "meninos de rua" vivem na delinqüência e em situações familiares críticas, subsistindo do produto de pequenos roubos ou da prestação de serviços (inclusive a traficantes de drogas). Suas vidas são em geral curtas, morrendo muitas vezes vítimas de grupos de extermínio, da própria polícia ou ainda, da violência em que sua situação os envolve.

17. De acordo com estatísticas do Estado do Rio de Janeiro, 424 menores de 18 anos foram vítimas de homicídio nesse Estado em 1992. No primeiro semestre de 1993, as vítimas foram 229. Por outro lado, dos 562 homicídios relatados no Estado de Pernambuco (localizado no Nordeste do Brasil) nos oito primeiros meses de 1995, 10% das vítimas eram menores de 18 anos.

 

Algumas investigações e exemplos de execuções sumárias

 18. Em 1990, houve mais de 1.000 assassinatos de menores no Brasil resultantes de uma escalada da violência. Em 4 de agosto de 1991, o jornalista Roldão Arruda publicou no jornal O Estado de S. Paulo os resultados de uma pesquisa sobre as mortes de 30 menores ocorridas em São Paulo no mês de julho daquele ano. Com base em entrevistas com policiais, amigos e familiares das vítimas, o repórter chegou à conclusão de que 30% dessa mortes foram causadas pela polícia, 50% por assassinos profissionais que se autodenominavam "justiceiros" e os 20% restantes deveram-se a vinganças, disputas de quadrilhas ou motivos desconhecidos. Outros estudos realizados nos anos posteriores confirmam as conclusões deste relatório.

19. Devido a estas investigações jornalísticas e à escalada de violência contra a população adulta e a os menores, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, seção de São Paulo, por comunicação oficial de 28 de agosto de 1991, manifesta seu repúdio às execuções extrajudiciais e solicita às autoridades medidas enérgicas para combatê-las. Isto levou à criação da Comissão Especial de Investigação das Execuções Sumárias em São Paulo, que se estabeleceu em 29 de agosto de 1991 com a participação de diversas entidades de direitos humanos, membros da sociedade civil e várias autoridades governamentais.

20. Em seu relatório final, a Comissão Especial mencionava como causas da violência contra a criança e adolescente, entre outras, as seguintes: as dramáticas condições sócio-econômicas existentes nas periferias dos grandes centros urbanos, o reduzido papel da escola no combate a esta violência, em especial da escola pública da periferia; a falta de policiamento adequado na periferia, o que estimula o surgimento de grupos de extermínio; o foro especial militar para julgar os crimes comuns praticados por policiais militares; a falta de formação dos policiais, que muitas vezes confundem violência com energia, especialmente quando se trata de abordar a população marginalizada de crianças e adolescentes; a falta de educadores de rua em número suficiente para dar atenção às crianças e adolescentes, em especial, às crianças pequenas que perambulam pelas ruas de São Paulo, sem receber nenhuma atenção por parte do poder público; e a deficiência da Fundação para o Bem Estar do Menor (FEBEM), que não está preparada para atender aos menores infratores, tanto na Capital, como no interior e o fato de que nos estabelecimentos da FEBEM não há separação dos infratores primários dos reincidentes, criando um clima em que os primários são contagiados pelo mal exemplo dos reincidentes.

21. A Comissão selecionou dessas investigações, alguns casos ilustrativos:

a. Em 1991, na Lapa, dois policiais militares balearam na nuca e ao peito dois adolescentes que "pareciam suspeitos". Os menores, que tinham 16 anos, nunca haviam sido fichados pela polícia ou pelo Juizado de Menores.

b. Em 1991, três menores roubaram pães, cigarros, carvão deixando de pagar as cervejas que tomaram em uma padaria. Três homens armados detiveram um dos menores, levaram-no a uma quadra do local e o assassinaram com 16 tiros em represália.

c. Em 1990 em uma favela de Olinda, um jovem de 17 anos foi tirado a força de sua casa e assassinado junto com seu irmão de 19 anos. Eram conhecidos como drogados e ladrões, não violentos. A investigação revelou a existência de um grupo de extermínio, tendo um de seus integrantes confessado ter sido contratado por um comerciante e de ter sido seus cúmplices, dois policiais que balearam os jovens.

d. O filho de 15 anos de uma moradora de uma favela do Rio de Janeiro, famosa nacionalmente por ter acusado os policiais que entraram em sua casa e mataram seu irmão, foi assassinado anos depois juntamente com outros jovens, perto de sua casa, depois de terem sido detidos por policiais militares.

e. Uma madrugada de 1993, de dentro de um veículo vários homens abriram fogo contra crianças que dormiam do lado de fora da igreja da Candelária, matando instantaneamente quatro delas e ferindo outras quatro, que vieram a morrer mais tarde. Pouco depois, atiraram contra três sobreviventes, matando-os. Um lixeiro identificou-os. Três dos quatro homens eram policiais, que foram presos e seu Comandante afastado da força policial. O lixeiro foi assassinado vários meses depois. Este crime deu origem a uma investigação do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, a respeito dos esquadrões da morte.

f. Uma manhã de 1994, os corpos de três crianças ( duas meninas e um menino) de 12 a 15 anos de idade, dispostos em forma de uma cruz apareceram seminus e com múltiplas feridas de bala nas grades da igreja de Santa Cecília, no bairro Brás da Penha, do Rio de Janeiro. Estas crianças foram as décimas vítimas de execuções extrajudiciais no estilo dos esquadrões da morte em Cordovil, Brás da Penha e Vila da Penha, região do Rio de Janeiro em 1994.

22. A Comissão considera que a maioria dos casos citados como exemplos, bem como outros que teve a oportunidade de estudar mas que não foram incluídos no presente relatório, tem como característica comum denúncias de violência policial contra menores por parte da Polícia Militar e dos esquadrões da morte, que por vezes são integrados pelos próprios policiais, como se descreve no Capítulo sobre "Violência e Impunidade Policial".

23. Os menores, sejam eles delinqüentes ou não, têm direito a que o Estado lhes assegure o exercício de seus direitos humanos e, em especial, seus direitos à vida e à integridade pessoal. Nem a polícia nem particulares têm o direito de fazer justiça por suas próprias mãos. É dever do Estado brasileiro adotar medidas urgentes para assegurar o controle de suas forças policiais e a eliminação dos grupos contratados por terceiros para exterminar menores. Relacionado a isso, deve erradicar a impunidade que promove e dá alento à ação violenta dos policiais militares, o que exigirá a investigação efetiva dos fatos, um julgamento justo e a imposição das penas previstas por lei, obrigações estas derivadas do artigo 1.1 da Convenção Americana.

24. Não tomando as medidas necessárias destinadas a impedir as execuções extrajudiciais de menores bem como a terminar com a impunidade dos responsáveis, o Estado brasileiro acaba por fazer-se responsável pelas violações do direito à vida das vítimas, bem como da violação de seus direitos às garantias judiciais e à proteção judicial (artigos 8 e 25 da Convenção Americana, respectivamente).

25. A Comissão reconhece o fato de que a Policia Militar dependa dos governadores dos Estados da Federação bem como, de que os Poderes Judiciário e Legislativo sejam independentes. Todavia, não pode eximir de responsabilidade o Governo Federal, embora conheça seus esforços e iniciativas no campo dos direitos humanos, posto que, conforme o artigo 28 da Convenção Americana, cabe ao Estado Federal cumprir a Convenção. Consequentemente, urge que o Governo Federal adote de imediato as medidas pertinentes, nos termos de sua Constituição e legislação, para que todo o aparato do Estado, incluindo as autoridades dos Estados da Federação, adotem as medidas cabíveis para o cumprimento da Convenção (Convenção Americana, artigo 28, inciso 3). Com esse objetivo, ele deverá apresentar projetos de lei e apoiá-los com energia, a fim de criar a legislação necessária para acabar com a impunidade dos delitos cometidos por seus agentes contra a vida dos menores.

 

Tortura e maus tratos a menores por parte da polícia "militar"

26. O artigo 5º da Convenção Americana estabelece que "toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral" e que "ninguém deve ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes". "Toda pessoa -- acrescenta esta disposição -- será tratada com o respeito devido à dignidade humana" (artigo 5º, incisos 1 e 2).

27. A Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, ratificada pelo Brasil em 20 de julho de 1989, define a tortura como:

Todo ato realizado intencionalmente pelo qual se infligem a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, para fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou com qualquer objetivo... (artigo 2).

28. A Constituição Federal proíbe a prática da tortura, ao estabelecer, em seu artigo 5, inciso III, que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, pune com penas de 1 a 30 anos de reclusão a tortura infligida a menores por aqueles que os têm sob sua custódia, vigilância ou autoridade.

29. Apesar das normas internacionais e internas que proíbem a tortura, a Comissão teve conhecimento de que houve casos de tortura de menores por parte de policiais militares. Essa informação provém de inquéritos parlamentares, organismos independentes, investigações jornalísticas e denúncias de cidadãos.

30 Exemplos dessa tortura apareceram publicados, entre outros, na imprensa brasileira:

a. Conforme o jornal "A Folha de São Paulo", de 1º de setembro de 1992, dois adolescentes, um de 17 anos e outro de 14 anos, foram torturados por onze policiais militares em outubro de 1992. Os policiais militares foram acusados de torturar as crianças com uma técnica conhecida como "afogamento", mergulhando a cabeça das vítimas em um tanque com água. Além disso, foram também acusados de agredi-las com socos e pontapés, com um pau e com o cano do revólver em suas costas e na cabeça.

b. Segundo a Pastoral da Arquidioceses de São Paulo, em 20 de abril de 1991 um jovem de 19 anos teve o rosto queimado com gás ácido por dois policiais das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (ROTA).

c. Conforme o "Correio Brasiliense" de 17 de outubro de 1990, em Gama, uma menor denunciou ter sido submetida a sessões de espancamentos por parte de policiais militares após ter solicitado sua ajuda para intervir em um tumulto na festa de aniversário da cidade, em um estacionamento do estádio de futebol Bezerrão. Segundo a menina, os policiais militares a espancaram, drogaram, tiraram sua roupa, causando-lhe desmaio. A menina despertou em um hospital.

d. Em Formosa, três meninos foram torturados pela Polícia Militar após terem tentado roubar uns tênis. A Polícia Militar levou os garotos à delegacia de polícia e, no pátio, em presença de outros policiais, obrigaram-elles a escolher quem iria espancá-los. Depois que foram espancados e torturados, foram enclausurados em uma cela, onde permaneceram toda a noite.

e. Segundo um padre missionário religioso, que se dedica a educar meninos de rua, cinco crianças foram espancadas e torturadas por dez policiais militares. As crianças foram obrigadas a deitar-se no chão, onde foram espancadas, enquanto os policiais, rindo, atingiam seus órgãos genitais. O padre missionário também teria sido espancado na mesma ocasião tendo sido acusado pelos agressores de colaborar com os delinqüentes.

31. Deve ressaltar a Comissão aqui, que as cifras da violência policial diminuíram sensivelmente desde 1993 em São Paulo e aumentaram desde maio de 1995 no Rio de Janeiro. (Ver capítulo sobre "Violência e Impunidade Policial")

 

Violência e tortura nos estabelecimentos especiais destinados a menores

32. A Comissão tomou conhecimento, ademais, de casos de violência e tortura em estabelecimentos destinados a menores, o que fere o artigo 5 da Convenção Americana e o artigo 2, entre outros, da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Também foi informada de que neles não se cumpre o disposto no Estatuto da Criança, posto que não se separam os internos de acordo com a idade e os delitos cometidos, o que fomenta a violência.

33. Conforme se informou à Comissão, a violência praticada nessas instituições é causada seja pelos próprios menores seja pelos funcionários encarregados de sua segurança e assistência. Muitas vezes, os menores são torturados ou assassinados por outros menores com a conivência dos próprios funcionários, que simplesmente deixam de adotar as medidas adequadas quando aqueles menores submetem outros a tortura. Outras vezes, os mesmos funcionários fornecem armas aos menores para que estes possam praticar atos de violência. Foi o caso de Fábio Alves da Silva, internado na Unidade de Integração Social do Instituto de Bem-estar Social do Menor (IESBEM), assassinado dentro do reformatório. Segundo funcionários da instituição, o assassinato foi cometido por outros dois internos, em represália por ter ele delatado uma tentativa de fuga ocorrida no dia anterior. Os guardas de turno não relataram o incidente.(27)Éæêo na condição de aprendiz (artigo 60). Com relação ao trabalho dos adolescentes, proíbe o trabalho noturno, perigoso, insalubre ou realizado em locais prejudiciais a sua formação e a seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social. Ademais, proíbe o trabalho realizado em horários e locais que não lhes permitam freqüentar a escola (artigo 67 do Estatuto da Criança e do Adolescente).

34. Outro exemplo é o fato denunciado em 27 de março de 1996 por um menor interno da Escola João Luiz Alves do Rio de Janeiro, destinada a menores delinqüentes do sexo masculino. O menor denunciou ao Ministério Público que fora forçado a cometer atos libidinosos com outros menores internos e que esses incidentes eram habituais na instituição. O menor contou ter sido obrigado a manter relações sexuais com outros menores sob ameaça de morte e que isso ocorreu com o consentimento dos funcionários da escola, que forneceram armas aos menores agressores para que pudessem praticar tais atos. O menor denunciou ainda que outros menores internos sofreram de igual tipo de violência e que, ademais, eram submetidos a sessões de tortura que incluíam queimaduras provocadas com espuma de colchões e espancamentos, além de ter sido fotografado por outro interno, na presença dos guardas, enquanto praticava os atos libidinosos.

35. Conforme denúncia do Jornal do Brasil, de 6 de dezembro de 1995, oito menores internas da Escola Santos Dumont do Rio de Janeiro, destinada a meninas delinqüentes, foram espancadas e submetidas a torturas na instituição. O principal acusado do espancamento de seis delas foi o diretor da unidade, Newton de Souza, técnico em serviço social. As internas foram submetidas a exame pelo Instituto Médico Legal, que confirmou o laudo. As meninas informaram que, além de terem sido espancadas com um cassetete pelo diretor da instituição, foram mantidas ao sol por várias horas seguidas, como forma de tortura. Uma das espancadas estava grávida de sete meses.

36. A Comissão considera que os direitos da criança, protegidos no Brasil tanto pelos compromissos internacionais assumidos pelo país bem como por sua legislação interna, na prática freqüentemente deixam de ser observados. De fato, os casos de tortura de crianças e adolescentes persistem e continuam sendo denunciados à comunidade brasileira e internacional. É responsabilidade internacional do Estado brasileiro, de acordo com a Convenção Americana, adotar medidas urgentes para prevenir esses atos de violência contra os menores. Diante das situações descritas anteriormente, a Comissão considera importante que a violência, as execuções extrajudiciais e as torturas contra os menores sejam tratadas como um problema prioritário dos direitos humanos no Brasil.

 

D. A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO DE MENORES

 37. A Convenção Americana, em seu artigo 6, estabelece que ninguém poderá ser submetido a escravidão ou servidão e que ninguém deverá ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Essa proibição aplica-se com maior razão aos menores que, como dispõe o artigo 19, merecem proteção especial por sua própria condição.

38. A Constituição da República Federativa do Brasil proíbe o trabalho de crianças menores de 14 anos, salvo quando este se realiza em condições de aprendizado. Ao mesmo tempo, proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre para menores de 18 anos.

39. O Estatuto da Criança e do Adolescente reitera a proibição constitucional relacionada com o trabalho de menores de 14 anos, salvo na condição de aprendiz (artigo 60). Com relação ao trabalho dos adolescentes, proíbe o trabalho noturno, perigoso, insalubre ou realizado em locais prejudiciais a sua formação e a seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social. Ademais, proíbe o trabalho realizado em horários e locais que não lhes permitam freqüentar a escola (artigo 67 do Estatuto da Criança e do Adolescente).

40. Apesar de a legislação brasileira estabelecer essa proibições para o trabalho de adolescentes, a Comissão foi informada de que essa prática é muito comum, especialmente na indústria, na qual os adolescentes trabalham com produtos tóxicos, em condições insalubres ou em locais perigosos. As jornadas de trabalho são longas e muitas vezes em horário noturno, o que faz com que os menores trabalhadores percam aulas ou se vejam na necessidade de ter que abandonar a escola.

41. Em que pese as restrições legais que só o trabalho de crianças com autorização especial de um juiz, dados oficiais indicam que mais de três milhões de crianças de 10 a 14 anos( ou seja 4.6% da força de trabalho total) estão empregadas, muitas trabalhando junto com seus pais em tarefas agrícolas ou pequenas oficinas.

Acidentes, condições insalubres e esquálidas são comuns nas industrias açucareiras (trabalho da safra) em Pernambuco, frutíferas em São Paulo, em produção de carvão em Minas Geirais, Mato Grosso do Sul e Pará; em plantações de sisal na Bahia e Paraíba, em plantações de algodão no Paraná; em reflorestamento em Minas Geirais, Bahia e Espírito Santo, aonde são usados em muitos casos para aplicar produtos químicos tóxicos.

42. Esse tipo de trabalho normalmente é realizado em fazendas distantes dos grandes centros e em algumas usinas ou empresas afastadas, nas quais as crianças e os adolescentes executam trabalhos extremamente pesados, como cortar cana-de-açúcar ou bambú. As jornadas são comumentes de 10 a 12 horas diárias e o salário é baixo. E ainda são obrigados a pagar caro pelas mercadorias de que precisam para seu sustento. Isso os leva a contrair dívidas com seus patrões, que aumentam a cada dia e que obviamente não podem ser quitadas com sua baixa renda. Os fazendeiros, por seu lado, não lhes permitem abandonar o local de trabalho a menos que saldem previamente suas dívidas, e contratam pistoleiros para impedir que isso aconteça. Os pistoleiros usam da força para cumprir o que lhes é ordenado, não sendo raros os assassinatos. Tudo isso faz com que a situação dos menores se transforme em uma relação de servidão, pois, devido ao círculo vicioso de baixos salários e dívidas crescentes, eles na prática ficam hipotecados à fazenda pela vida toda. Cabe observar, além disso, que, de acordo com informações levadas à Comissão, esses menores manejam instrumentos e máquinas perigosas, sem qualquer tipo de proteção, sendo comuns acidentes graves de trabalho que em geral não são denunciados às autoridades por medo de represália da parte dos patrões.

43. A Comissão considera que o Estado deve impedir e punir rigorosamente essas condições de trabalho ilegal de crianças e adolescentes que, não o fazendo, estará violando compromissos oriundos da Convenção Americana, bem como da própria Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

44. Organizações privadas e o Governo estão realizando esforços e colaborando com medidas concretas para erradicar o trabalho infantil no Brasil. O presidente Cardoso, em setembro de 1996, firmou com oito governadores e diretores de várias ONGs, vários protocolos para tomar medidas com a finalidade de terminar com "a prática inaceitável" de trabalho infantil no Brasil.

45. Alguns programas experimentais estão sendo implementados para reduzir a preponderância da exploração do trabalho infantil em alguns Estados. Em 24 de janeiro de 1997, foi implementada a "Bolsa Cidadã Infantil" e a "Bolsa Criança Cidadã", que entrega uma soma mensal a famílias carentes com filhos entre 7 a 14 anos, soma esta que complementa a renda familiar para facilitar que as crianças freqüentem a escola. A entrega esta condicionada ao desempenho escolar das crianças e ao envolvimento da família em projetos de geração de empregos e rendimentos. O projeto foi iniciado em Pernambuco onde pretende beneficiar a 13.200 menores e estender-se a Bahia para auxiliar as famílias de outros 15.000 menores. No Distrito Federal esta bolsa atinge a 27.000 famílias e permite capitalizar as entregas no beneficio da continuidade dos estudos do beneficiario.

 

E. EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS

 46. Segundo foi informada à Comissão, entre as diversas formas de exploração dos menores no Brasil se encontra a prostituição infantil. Esse fenômeno se atribui a diversas causas, entre as quais se destacam as sócio-econômicas, expressas na miséria familiar, no processo migratório das famílias, movidas pela esperança de escapar da pobreza, de regiões mais pobres do país para as grandes cidades; nas dificuldades para estudar e na situação familiar, que se caracteriza por lares desintegrados e circunstâncias familiares pouco definidas, nas quais muitas vezes as menores são vítimas de abusos, inclusive de violência sexual. Uma vez nas cidades, os adultos passam a engrossar as filas dos desempregados e, em muitos casos, as filhas menores de idade, diante da necessidade de se manter, acabam se prostituindo. Em troca de seus serviços, recebem alimentação diária mas, em compensação, sofrem abusos por parte de seus "protetores", que muitas vezes as mantêm em completo cativeiro.

47. Há denúncias de centenas de casos de meninas mantidas em estado de servidão em localidades remotas, nas regiões dos garimpas de ouro da Amazônia. O assunto do tráfico de meninas para os garimpos ganhou divulgação especial após a uma série de reportagens da Folha de São Paulo, nas quais se fazia referência às rotas desse tráfico e à sua vinculação com a polícia. Há informações de que, devido à grande repercussão daquelas reportagens, a Polícia Federal realizou uma batida na cidade de Cuiú-Cuiú, que culminou com a liberação de 70 prostitutas (22 das quais eram menores de idade) e com a prisão de 10 donos de discotecas e agentes da prostituição.

48. Exemplo dramático de uma situação generalizada nesse submundo da prostituição infantil é o caso de uma menina de 13 anos que, ao ser entrevistada, manifestou o desejo de deixar sua condição de prostituta e a impossibilidade de fazê-lo, porque tinha uma dívida pendente de US$27 com o bordel onde estava retida. Essa dívida era o saldo de outra de US$37 contraída por ter quebrado um relógio de pé pertencente ao dono do estabelecimento. Para pagar o prejuízo, ela teria de entregar-lhe o pagamento integral de 20 serviços sexuais, o que não era possível, pois precisava de dinheiro para pagar suas despesas, incluindo aquelas com roupa, casa e comida.

49. Segundo informações, foi descoberto que em algumas cidades do interior do Rio Grande do Sul, eram oferecidas propostas aos pais de algumas menores para convencê-los de que suas filhas iriam ter a oportunidade de receber educação se estes as deixassem ir para a cidade. Contrariamente ao que era prometido, ao chegarem à cidade grande as menores eram obrigadas a atuar como prostitutas, muitas vezes com a conivência da polícia civil.

50. Na Bahia, uma investigação parlamentar estadual descobriu, além da amplidão da prostituição infantil, a cumplicidade de motoristas de táxis e da polícia.

51. Há relatos ainda de que, nas regiões do Pará, de Rondônia, da Amazonas, do Acre e do Amapá, onde é intensa a atividade gorimpeira, as famílias entregam suas filhas menores de idade aos garimpeiros em troca de artigos de primeira necessidade. Outras vezes, as meninas são convencidas a trabalhar em restaurantes ou bares mediante a oferta de bons salários, mas ao chegarem lá descobrem que o trabalho consiste em oferecer serviços de prostituição. Desde o início, os patrões supostamente as informam de que lhes devem os custos de passagem, o que marca o início de um círculo vicioso em que as dívidas se acumulam e as menores só conseguem pagá-las dedicando-se à prostituição. Observe-se que nesse meio os donos de garimpo têm muito poder, que as autoridades adotam uma atitude passiva e que a sociedade, por seu lado, aceita esses fatos com indiferença.

52. Como conseqüência das denúncias em relação à prostituição forçada de meninas, as autoridades prepararam um documento oficial em que se admite que esse tipo de prostituição existe. Por sua vez, a Polícia Federal preparou um relatório em que se estudam em profundidade as denúncias sobre assassinatos e torturas de meninas em situação de servidão no Norte do país. Em novembro de 1992, a polícia libertou 92 adolescentes entre 12 e 18 anos e 30 menores de 12 anos em bordéis que funcionam em campos de mineração no estado de Rondônia. Por outro lado, o Congresso Nacional estabeleceu uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as denúncias de prostituição forçada de menores.

53. O relatório dessa Comissão Parlamentar de Inquérito verificou a participação da polícia na prostituição de menores e recomendou, entre outras coisas, o estabelecimento de mais programas sociais, a emenda do Código Penal e a aplicação efetiva do Estatuto da Criança e do Adolescente para proteger os menores submetidos a esse tipo de violência. Embora não tenha encontrado provas para apoiar a afirmação de que há 500 mil menores dedicadas à prostituição no Brasil, a Comissão de Inquérito constatou a existência desse fenômeno nos 10 Estados que visitou e recebeu informações confiáveis de que só na cidade do Rio de Janeiro pelo menos 500 meninas, entre 8 e 15 anos de idade, estavam envolvidas na prostituição.

54. Em fevereiro de 1997, o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso lançou uma campanha vigorosa contra o "turismo sexual" no Brasil, sob o lema de "Cuidado, o Brasil está de olho", contra turistas que procuram se aproveitar da exploração sexual infantil. A campanha não é meramente publicitária-preventiva, pois inclui a repressão das empresas turísticas que as promovem e organizam, dos estabelecimentos, restaurantes e motoristas de táxis comprometidos, além da punição dos turistas (estrangeiros ou nacionais) infratores com todo o rigor da lei. No Brasil, a pedofilia tem penas que vão de 1 a 4 anos de prisão.

55. Além dessas medidas, o Governo com apoio de organizações civis passou a funcionar o "disque denuncia" o qual recebe denuncias de todo o Brasil. Junto a Associação Nacional dos Centros de Defesa(ANCED), O Ministério da Justiça facilita meios e treinamento para atender as vítimas e monitorar as denuncias. Também apoia os estados no estabelecimento de "Redes de combate à exploração sexual infantil".

56. A Comissão considera que esta campanha contra uma das formas de exploração de menores no Brasil é um valioso esforço do Estado brasileiro no sentido de cumprir seu dever de proteger a vida e a integridade dos menores, conforme os artigos 4 e 5 da Convenção Americana, lembrando que ele tem igualmente o dever de assegurar aos mesmos menores o direito de não serem submetidos a trabalho forçado ou em regime de servidão (artigo 6 da Convenção). Considera ainda que é de sua competência castigar severamente este abuso da violência e exploração sexual da criança e do adolescente, conforme estabelece também o artigo 227, seção 4, da Constituição da República Federativa do Brasil, e zelar para que se cumpra a proibição do trabalho para menores de 14 anos e do trabalho noturno, perigoso ou insalubre para menores de 18 anos.

 

F. DENÚNCIAS SOBRE DESAPARECIMENTOS DE MENORES

57. Em sua visita in loco realizada em dezembro de 1995, a Comissão recebeu denúncias das "Mães de Acari", habitantes da favela do mesmo nome no Rio de Janeiro. As mães relataram que 11 adolescentes desapareceram em agosto de 1990 e que seus corpos nunca foram encontrados. Com base em uma investigação, cinco policiais foram indiciados, mas não chegaram a ser denunciados pelo Ministério Público por falta de provas. Uma das mães foi assassinada em 1993, depois de ter promovido uma reunião com as outras mães para discutir o assunto. A Comissão também foi informada sobre o desaparecimento de meninas, que presumivelmente teriam sido seqüestradas e vendidas para o mercado da prostituição forçada.

58. A Comissão recebeu informações sobre o desaparecimento de crianças que ocorrem tanto nas grandes cidades como nas zonas mais distantes das capitais, como resultado de execuções extrajudiciais, seqüestros para fins de prostituição e outros objetivos similares. As crianças simplesmente desaparecem sem deixar pistas, e não se encontram seus corpos. A Comissão não está em condições de afirmar a extensão desta prática, mas dada a freqüência das informações e sua natureza, insta as autoridades a aprofundar as investigações a esse respeito e a tomar as medidas adequadas. Informações do Governo indicam que a maioria dos desaparecimentos ocorrem por problemas familiares (seqüestro pelos próprios pais, fuga das criança, etc.). Campanhas promovidas pelo governo juntamente com associações civis (incluindo canais comerciais de televisão) parecem ser relativamente exitosas para a recuperação ou localização das crianças.

 

G. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

 59. Os testemunhos recolhidos durante seus visita in loco ao Brasil, além das informações recebidas antes, durante e depois da mesma, permitem à Comissão concluir que a situação do menor brasileiro se reveste de extrema gravidade. Os inegáveis progressos legislativos conseguidos nos últimos anos e a criação de novas instituições destinadas à proteção da criança e do adolescente não parecem refletir-se de forma efetiva na situação real dos menores, muitos dos quais continuam sendo objeto de diferentes formas de violência, em especial de execuções sumárias.

60. A Comissão reconhece o inegável compromisso do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso em admitir com transparência e firmeza os problemas existentes no campo dos direitos da criança. É testemunha também da energia com que condena e enfrenta a violação desses direitos. Todavia, considera necessário assinalar que o Estado brasileiro ainda não conseguiu assegurar, de forma efetiva, os direitos humanos das crianças.

61. Consequentemente, a Comissão se permite recomendar ao Estado brasileiro que:

a. Cumpra, divulgue e coloque em prática sua legislação destinada a proteger as crianças e os adolescentes, em especial o Estatuto da Criança e do Adolescente, e adote medidas efetivas de controle para assegurar que os Estados, os Municípios e as demais autoridades responsáveis por sua aplicação a cumpram e respeitem. Fortaleça o CONANDA, único órgão de caráter nacional que formula políticas nacionais de promoção, atendimento e defesa dos direitos da criança e do adolescente;

b. Proteja a vida e a integridade dos "meninos de rua" e dos "meninos na rua" e adote medidas efetivas para promover sua educação, reabilitação e integração à sociedade;

c. Adote medidas protetoras e de controle para erradicar o trabalho escravo de crianças menores de 14 anos e o dos adolescentes quando se tratar de trabalho noturno, perigoso, insalubre ou realizado em locais prejudiciais à sua formação e a seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, e quando realizado em horários e locais que não lhes permitam a freqüência assídua à escola. Investigue efetivamente, julgue e puna os responsáveis pelo trabalho forçado dos menores;

d. Previna e erradique os atos de tortura e maus tratos a menores nas prisões e nos estabelecimentos de menores. Investigue, castigue e julgue os responsáveis por esses delitos e fortaleça os organismos governamentais e comunitários de supervisão da ação policial em relação a menores.

e. Erradique as situações de servidão e prostituição das crianças e adolescentes. Investigue efetivamente, julgue e castigue os exploradores e usuários; e aplique com toda severidade os objetivos e ações da campanha contra o "turismo sexual" infantil;

f. Promova e exija dos Estados e Municípios que cumpram com sua obrigação legal de criar Conselhos Tutelares, aproveitando a experiência positiva dos já existentes. Promova a participação da comunidade, em especial das igrejas, dos sindicatos, dos grupos de serviço e empresariado, para atuar em projetos conjuntos no campo da prevenção da delinqüência e do controle externo dos estabelecimentos destinados ao menor delinqüente ou desajustado, com vistas à construção de uma sociedade mais justa.

g. Crie programas de orientação familiar e programas governamentais, com o objetivo de capacitar as famílias para o exercício responsável da paternidade e maternidade e para a resolução de conflitos familiares de forma não violenta e promova a adoção de crianças abandonadas com o objetivo de tirá-las das ruas, onde são vítimas e agentes da violência.

h. Aloque recursos às escolas a fim de que, juntamente com as instituições especiais para menores, se organizem programas de prevenção da delinqüência e do absenteísmo das escolas públicas, sobretudo da periferia. Construa e organize estabelecimentos adequados para abrigar e reabilitar os menores infratores, separando os primários dos reincidentes. Treine pessoal técnico para cuidar desses menores; adote medidas orientadas para sua educação, reabilitação e reintegração à sociedade. Puna severamente as autoridades e funcionários desses estabelecimentos que cometam abusos e atos de violência contra eles.

 

NOTAS AO CAPITULO V

 A necessidade de dispensar atenção especial à situação dos menores foi reconhecida originalmente na Convenção de Genebra sobre os Direitos da Criança de 1924 e depois na Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1959, nos instrumentos gerais de direitos humanos e nas agências especializadas. Em 1989, aprovou-se nas Nações Unidas a Convenção sobre os Direitos da Criança. Essa Convenção define "criança" como todo ser humano menor de 18 anos, salvo nos casos em que, de acordo com a lei aplicável, a maioridade seja alcançada antes. Neste capítulo, em muitos casos se distingue entre as crianças (que em geral se referem aos pré-púberes, aproximadamente menores de 12 anos) e os adolescentes.

 

De acordo com a mesma disposição, essas medidas devem incluir procedimentos efetivos para o estabelecimento de programas sociais destinados a dar à criança e aos responsáveis por ela o apoio necessário para a identificação, denúncia, investigação, tratamento e acompanhamento das formas de violência antes mencionadas, e para a intervenção judicial.

 

Ver O Trabalho e a Rua, nota 13, págs. 10-14.

 

Essa disposição introduziu na Constituição os elementos essenciais contidos na Convenção sobre os Direitos da Criança, cujo texto já era conhecido no Brasil antes de sua ratificação em 1990. Ver O Trabalho e a Rua, nota 13, págs. 10-14.

 

Artigos 7 a 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90).

 

Artigos 53 a 69 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90).

 

Artigo 15 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90).

 

Suas disposições se referem ao desenvolvimento físico (saúde e alimentação, artigos 7 a 14), intelectual (direito à educação, à formação profissional e à proteção no trabalho, artigos 53 a 69), emocional, moral, espiritual e social (direito à liberdade, ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e à convivência comunitária).

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente foi publicado originalmente no Diário Oficial do Brasil de 16 de julho de 1990, sofrendo depois uma emenda publicada no Diário Oficial de 16 de outubro de 1991.

 

Pesquisa do "Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência", setembro de 1994.

 

A conferência é precedida de reuniões preparatórias nos níveis municipal e estadual. O Departamento da Criança e do Adolescente (DCA) do Ministério da Justiça está dando apoio técnico-financeiro à instalação e funcionamento de conselhos em diversos municípios. Para fortalecer a atuação dos conselhos de direitos da criança e do adolescente foi realizado, por meio de convênio com a Associação Brasileira de Tecnologia e a Universidade de Brasília, projeto de capacitação de conselheiros à distancia. O DCA fornece ainda apoio técnico e financeiro aos estados para capacitação de recursos humanos.

 

Estes meninos são muitas vezes fruto de gestações complicadas ou indesejadas, e passam pela infância e adolescência rejeitados, violentados, incompreendidos, sem freqüentar a escola e sem ter trabalho. São menores que muitas vezes acabam assassinados em circunstâncias dramáticas nos centros urbanos da sociedade brasileira. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, SEÇÃO DE SÃO PAULO, COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS; EXECUÇÕES SUMARIAS DE MENORES EM SÃO PAULO (1993) P.153.

 

AYRTON FAUSTO, CERVINI RUBEN, O Trabalho e a Rua: Crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80. Textos selecionados de estudos e pesquisas apoiados pela UNICEF e FLACSO, pág. 9. São Paulo: Editorial Cortez, 1991.

 

COUNTRY REPORTS ON HUMAN RIGHTS PRACTICES FOR 1994. Report Submitted to the Committee on Foreign Affairs, House of Representatives, and the Committee on Foreign Relations, U.S. Senate, by the Department of State, pág. 349 (1995).

 

15 Ver O Trabalho e a Rua, supra nota 13, pág. 10.

 

16 Uma pesquisa realizada com crianças e adolescentes na cidade de Fortaleza revela que cerca de 60% dos entrevistados precisavam trabalhar para ajudar as famílias. Direitos Humanos no Brasil (1992-1993), COMISSÃO JUSTIÇA E PAZ, ARQUIDIOCESE DE BRASÍLIA, Edições Loyola, São Paulo pág. 64 (1994). Ver também O Trabalho e a Rua, supra nota 13, pág. 75.

 

17 Contrariamente ao que se pensava antes, a maior parte dos menores que vivem nas ruas têm famílias e vivem com os pais; uma parte considerável vive com a mãe e um pequeno grupo mora nas ruas e perdeu o contato com a família ou o mantém de forma ocasional. Por isso, a partir de 1980 se começou a distinguir entre os meninos que vivem sua casa mais pasam a moior parte do día na rua e que são denominados de "meninos de rua" e os que vivem na rua e são denominados de "meninos nas ruas". De qualquer forma, fortaleceu-se a convicção de que se trata de crianças e adolescentes pobres, que têm a responsabilidade de participar do orçamento familiar. Ver O Trabalho e a Rua, supra nota 13, págs. 76-77.

 

18 Ver, por exemplo, MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, Relatório Inicial Brasileiro Relativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Ministério das Relações Exteriores, Fundação Alexandre de Gusmão e Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, pág. 41 (1994).

 

19 A Comissão Parlamentar de Inquérito do Estado de Rio de Janeiro informou que 90% dos menores assassinados não tinham antecedentes criminais. Brazil Street Children Murders (Internet).

 

20 COUNTRY REPORTS ON HUMAN RIGHTS PRACTICES FOR 1995. Report Submitted to the Committee on Foreign Affairs, House of Representatives, and the Committee on Foreign Relations, U.S Senate, by the Department of State, pág. 349 (1995). Um estudo sobre as mortes de menores ocorridas entre 1991 e 1993 faz referência aos motivos que levam esses menores à vida de violência nas ruas. O estudo, de 1993, foi feito com base em investigações policiais referentes a 1991 e relatórios da Secretaria da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro referentes a 1992-93. O estudo conclui, entre outras coisas, o seguinte: que a maioria dos mortos não eram "meninos de rua" (ou seja, que moravam efetivamente nas ruas), mas adolescentes do sexo masculino, de aproximadamente 17 anos, mortos nas proximidades de suas casas; que todos eram pobres e sem identificação étnica particular (embora o estudo reconheça que os mais vulneráveis são os negros e os mestiços, que historicamente são os mais afetados pela distribuição desigual da riqueza e pela discriminação socio-econômica); que a violência parece estar ligada principalmente à criminalidade geral e ao tráfico de drogas, atividade extraordinariamente hábil em recrutar e envolver menores; que esse mundo lhes oferece, entre outras coisas, trabalho, dinheiro, poder, valores, padrões de conduta, proteção, "status" social e o sentimento de pertencer a algo; que encontram insegurança, temor, desconfiança e até terror, e que não é necessário estar vinculado à droga ou a práticas ilegais para perder a vida nesse círculo de violência, pois para isso basta ser chegado, parente, vizinho ou amigo dos que estão de fato envolvidos nesse mundo. Ver C. MILITO, H. R. SANTOS SILVA, E. SOAREZ, Murders of Minors in Rio de Janeiro State (from 1991 through July 1993) págs. 17, 18 (1993), Report Research Conducted as part of Project "If This Street Was Mine" (FASE, IBASE, IDAC, ISER).

 

21 A reportagem concluiu, entre outras coisas, que: não existia uma campanha de extermínio de adolescentes criminosos na cidade; a maioria dos mortos integravam famílias numerosas, de até 14 filhos; as mortes ocorreram na periferia da cidade de São Paulo, a distâncias que variam de 30 a 50 quilômetros do centro; 86% eram negros ou mulatos; dos 30, 25 oscilavam entre os 16 e 17 anos; a maioria das famílias dos menores mortos vivia em pequenas construções de alvenaria, de teto baixo, sempre em estado de construção, com tijolos e ferros à vista; as casas estavam levantadas em áreas sem valor imobiliário; os menores pertenciam a famílias migrantes, que tinhamn chegado há cerca de 15 ou 20 anos do Nordeste, do interior ou de estados vizinhos, como Minas Gerais e Paraná. Para poder realizar as entrevistas, o jornalista percorreu 2.300 quilômetros na periferia da cidade. "As perssoas têm muito medo". "...a morte está presente em seu dia-a-dia", escreveu o repórter. Ver Relatório Final da Comissão Especial de Investigação para o exame das execuções sumárias em São Paulo, 16 de setembro de 1992, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, SEÇÃO DE SÃO PAULO, COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS, EXECUÇÕES SUMÁRIAS DE MENORES EM SÃO PAULO, págs. 135-139 (1993). No que se refere á reportagem do jornalista Roldão Arruda, publidado em O Estado de São Paulo, ver pág. 38.

 

22 Diário Popular, 11 de novembro de 1993.

 

23 Artigo 227, parágrafo 3, inciso I da CF.

 

24 Artigo 7, inciso XXXIII da CF.

 

25 Artigo 7, parágrafo XXXIII da CF.

 

26 Ver MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, Relatório Inicial Brasileiro Relativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Ministério das Relações Exteriores, Fundação Alexandre de Gusmão e Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, p. 50 (1994).

 

27 Ver, sobre esse assunto, Diário Popular, 8 de julho de 1993.

 

28 JOHN DREXEL, O.M.I. e LEILA RENTROLA IANNONE, Criança e Miséria, Vida ou Morte?, pág. 74 (1989).

 

29 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, Relatório Inicial Brasileiro Relativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Ministério das Relações Exteriores, Fundação Alexandre de Gusmão e Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, p. 51 (1994).

 

30 GILBERTO DIMENSTEIN, Democracia em Pedaços: Direitos Humanos no Brasil, São Paulo. Ed. Companhia das Letras, pág. 161 (1996). Ver também MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, Relatório Inicial Brasileiro Relativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Ministério das Relações Exteriores, Fundação Alexandre de Gusmão e Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, p. 51 (1994).

 

31 GILBERTO DIMENSTEIN, Democracia em Pedaços: Direitos Humanos no Brasil, São Paulo. Ed. Companhia das Letras, pág. 161 (1996).

 

32 Ver Relatório Azul - Garantias e Violações dos Direitos Humanos No. RS - 1994, Comissão de Cidadania e Direitos Humanos - AL\RS), págs. 25, 26, 27-28.

 

33 Levantamento da Situação de Direitos Humanos com Enfoque na Situação de Direitos Humanos da Criança e do Adolescente no Rio de Janeiro para a Comissão dos Direitos Humanos - Centro de Defesa, Garantia e Promoção de Direitos Humanos, 1995, pág. 134.

 

34 Ver Comissão Parlamentaria de Inquérito, Congresso Nacional, Relatorio sobre Prostituição Infantil, 1993, pág. 82, 4º par.

 

35 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, Relatório Inicial Brasileiro Relativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Ministério das Relações Exteriores, Fundação Alexandre de Gusmão e Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, p. 51 (1994).

 

36 COUNTRY REPORTS ON HUMAN RIGHTS PRACTICES FOR 1995. Report Submitted to the Committee on Foreign Affairs, House of Representatives, and the Committee on Foreign Relations, U.S. Senate, by the Department of State, pág. 349 (1995).

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